sábado, 25 de dezembro de 2010

E então é Natal...


Ninguém me contou que um white Christmas começava com uma caminhada de quarenta minutos sob uma tempestade de neve logo pela manhã. Foi assim que fui parar ontem na estação de trem, depois de uma ligação do Charly me avisando que os ônibus não estavam passando e que eu teria que ir a pé. Andando da direção contrária da neve, meu guarda-chuva já não servia para nada. Mesmo assim fui caminhando, sentindo o vento gelado cortando meu rosto (já disse que aposentei o blush?) e me lembrando da conversa pelo Skype bem cedinho com a família, que tomava café da manhã feliz da vida. Como eu queria estar com eles, comer um pão francês e uma salada de frutas!

Já que não havia como, enfrentei a tempestade para estar com a família que me acolheu tão bem aqui. Fui até Wemmetsweiler, dei um abraço apertado na Gabi, no Charly e no Christian, aguardando o que viria a seguir, já que nunca passei Natal fora de casa. Não sei como outras famílias celebram a data, não sei o que comem, não sei quando é a hora de trocar presentes.

Sei que lá em casa sempre tem a ansiedade de acordar cedo na manhã de Natal e olhar os presentes debaixo da árvore, que tomamos café da manhã juntos, que a mamãe se estressa preparando mil tipos diferentes de comida para levar para a casa da vovó - e mesmo assim adora. Na casa da vovó, a família toda se reúne, ri muito, bebe mais ainda. Meu pai toca violão, meu tio Edinho canta junto com a tia Sandra, enquanto a minha vó se emociona e o tio Nando solta uma risada larga e a Lindinha dele fica cheia de chamegos. E aí, mais tarde, o tio Paulinho tira todo mundo para dançar forró, o tio Eduardo mata todo mundo de rir, o tio Lu faz churrasco e fala mal do meu time, apoiado pelo Bruno. A tia Fafati conta casos, ri alto e leva a perdição em uma sacola vermelha para as mulheres da família. O vovô fica sentadinho, admirando tudo com suas bochechas rosadas. Enquanto isso, nós comemos. Comemos muito. E deixamos um espacinho para o arroz doce, o pudim de leite condensado, o sorvete, a ambrosia, a mousse de chocolate, a de maracujá... E sempre cabe mais um pouco. Sempre cabe mais cachaça, cerveja e amor.

Aqui? Aqui eu não fazia ideia de como seria. Preciso confessar que me incomodou o fato de ser tudo tão silencioso. Até certa hora, não teve música, quase não teve conversa. De vez em quando, o silêncio era entrecortado por uma tentativa do Christian de puxar papo com o avô, que está passando por uma fase difícil... O Charly e a Gabi não pouparam sorrisos, apesar disso. Depois do jantar - que teve sopinha de legumes (delícia), carne de coelho (eca), batatas cozidas ao molho de cebola, repolho roxo e mousse de maçã, com Herrencreme para a sobremesa - o momento mais aguardado, a tradição da família. A Gabi empurrou todo mundo para o quarto do Christian e nos trancou lá dentro. De repente, um sininho soou, o que significa que o Christkind (um espírito natalino) passou e deixou presentes na árvore. E aí, a árvore se iluminou toda, assim como o olhar de todos eles. O avô, antes tão sisudo, chorou. Todos se abraçaram e ficamos por alguns longos minutos admirando a árvore, em silêncio. Então fui surpreendida: ganhei um cartão, um vale-compra de uma livraria, uma bola de natal lindinha cheia de bombons de marzipan dentro e uma sacola lotada de chocolatezinhos, com uma banana, uma maçã e uma mexerica. Não entendi os três últimos ítens, mas ri e agradeci assim mesmo.

Charly e Christian tentando decifrar o manual do filtro de aquário.


Depois de tanta comoção, fui assistir TV: Ponte para Terabítia. Ninguém entendeu que não era propriamente um filme de criança e eu tive que ficar explicando as coisas. Mais tarde, meu dente começou a doer muito e fui dormir, pensando em como seria se eu estivesse em casa.

Hoje? Voltei para casa a pé também, sem poder contar com a solidariedade de um motorista sequer para me dar carona. O frio hoje está cruel. Passei o dia todo sem vontade de sair. Lavei as roupas e passei o resto do dia comendo, o que ajuda a explicar o porquê de agora eu estar pesando 48kg (saí do Brasil com 41). Agora à noite, me vesti toda para ir à casa da Michelle, para fazermos biscoitos natalinos e nos prestarmos um pouco de companhia. Esperei por 40 minutos e o ônibus não veio. Então agora, com as bochechas vermelhas, queimadas pelo frio, espero por alguém (que nunca virá) com quem passar a noite de Natal. Não estou morrendo de tristeza, só para ficar claro. Digamos que é mais apropriado constatar uma fossa natalina, que amanhã passa rapidinho. Ainda mais com a proximidade da chegada da Tai, que vai afastar qualquer resquício de depressão que possa, algum dia, ter entrado pela porta do meu apartamento.

Tinha um lago congelado no meu caminho.

Por enquanto, desejo mesmo que todos vocês tenham tido um Natal realmente feliz! Que vocês tenham valorizado suas famílias. Se não, que o façam amanhã. E depois. Mesmo que não seja Natal. Abraços apertados (e gordinhos) da terra gelada!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Preces de uma ilhada pela neve.


Que o ócio seja criativo. Que a neve caia, mas não tanto assim. Que os ônibus voltem a passar e eu possa ir ao supermercado sem ter que voltar com sacolas pesadas a pé nas dunas de neve. Que meus amigos possam me visitar. Que a Taiga chegue logo. Que eu possa ir ao cinema. Que o elevador volte a funcionar. Que eu consiga escrever minha minimonografia. Que eu encontre um tema para a minha minimonografia. Que eu consiga terminar de ler o Schiller. Que eu não precise hibernar. Que fevereiro chegue logo, mas que também demore a chegar.

Amém.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Viva Colônia (e o Gogol Bordello)!

Acordei às seis da manhã no último sábado. Lavei a louça, ajeitei o apartamento e coloquei mil camadas de roupa para me proteger do frio. Botei logo o nariz na rua, para não perder a coragem. Esperei alguns longos minutos no ponto de ônibus e me dirigi para a estação central de trens, onde encontraria o Emilio, a Michelle, a Francesca e o Ian, para irmos juntos a Colônia. Eis, chegando lá, uma movimentação estranha. Todas as pessoas esperavam do lado de fora da estação fechada, cercada por uma fita verde, da mesma cor dos vários carros de polícia que lá estavam estacionados. Ao lado deles, policiais empunhando metralhadoras. Alerta de bomba e ataque terrorista. Nunca pensei que fosse vivenciar isso aqui, nessa cidadezinha tão pequena e politicamente insignificante (que me perdoem os moradores daqui). Perdemos o trem e conseguimos chegar em Colônia depois de 6 horas, alguns cafés, cochilos, tangerinas, livros, conversas agradáveis e discussões sobre política.

Descendo do trem em Colônia, a visão imediata da Catedral. IMENSA! Nunca vi igreja maior. Como se não bastasse, é maravilhosamente esculpida em cada detalhe. É de se perder diante de tanta genialidade. Só de pensar que ela sobreviveu a 14 ataques de bombas aéreas e permaneceu de pé! Fizemos um longo e demorado passeio por dentro da catedral, admirando detalhes - eu, sobretudo, admirei a fé das pessoas que acendiam velas, ajoelhavam-se e prostravam-se diante das imagens com tanto fervor, ignorando os flashes das câmeras dos turistas embasbacados. Não acredito na igreja, mas acredito na fé das pessoas.


Saindo da igreja gelada, fomos passear por Colônia, igualmente (ou até mais) gelada. Ventava muito e caía uma chuvinha bem fina, daquelas chatas e das quais não se pode esconder sob um guarda-chuvas. Não tínhamos muito tempo até a hora do show do Gogol Bordello, então optamos por um passeio rápido no Weihnachtsmarkt am Kölner Dom (Mercado de Natal da Catedral de Colônia), onde bebi um Glühwein e me lembrei muitas vezes da minha mãe, pela variedade de enfeites de Natal. A essa altura já não estávamos mais com a Francesca e o Emilio, que haviam se encontrado com outros amigos italianos que moram lá. Então, fomos eu, Ian e Michelle para a Früh, a cervejaria mais famosa de Colônia. Eles beberam uma cerveja e fomos, então, procurar o local do show.

Não foi muito fácil achar. Perdidos em uma cidade grande (mal-acostumados moradores de Saarbrücken), andando de um lado para o outro e errando direções nas ruas. Finalmente encontramos o lugar e enfrentamos uma fila enorme debaixo de vento e chuva. Eu tinha certeza de que valeria a pena. Ao entrarmos, pude logo perceber que teria a chance de vê-los bem de perto, porque o lugar era pequeno. Seria um show intimista, daqueles que a banda se aproxima da platéia. E, de fato, foi. Começou com DeVotchKa, uma outra banda da qual eu realmente gosto. Infelizmente, pegamos só as três últimas músicas, devido à fila enorme para guardar as milhares de roupas de inverno. Tivemos, porém, a oportunidade de ouvi-los e vê-los estando bem de frente para o palco, já que as outras pessoas pareciam indiferentes à banda de abertura. Foi lindo, de arrepiar.

O único problema foi a minha ilusão de que os alemães eram mesmo super fãs do seu próprio espaço pessoal e que o show do Gogol Bordello seria como o do DeVotchKa. Ledo engano. Eu estava até achando bem estranho que todos estivessem me deixando passar. Já estava quase na grade, quando o show começou. Uma vibração absurda tomou conta do lugar. Conheci, então, uma faceta dos alemães que ainda me era incógnita: eles sabem ser animalescos. Foi cotovelada para todas as direções, enquanto uma onda de pessoas avançavam para o palco. Não é exagero: eu pensei que morreria quando um OGRO que estava ao meu lado enfiou com vontade o cotovelo no meu pescoço. Mas, ao mesmo tempo, tomou conta de mim uma energia vital impressionante. Eu pulava junto com a multidão enquanto via o Eugene e o Sergey bem na minha cara. Tudo girava, a música penetrava os meus ouvidos e eu entrei em êxtase. Mal podia acreditar que era mesmo o Gogol Bordello, que era mesmo Colônia, que era mesmo eu que estava vivendo aquilo tudo. Passados os primeiros momentos de empolgação extrema, caí na real e percebi que realmente corria risco de morrer se continuasse na grade, disputando meu metro quadrado com um cara bigodudo de dois metros de altura. Fui para a lateral, de onde também podia ver muito bem, e ali dancei feito louca. Cantei alto todas as músicas, perdi a voz, perdi o controle e esqueci do mundo. Suei em bicas, tive uma dor horrorosa na panturrilha no dia seguinte e fiquei literalmente destruída. Digo, apesar disso, que foi o melhor show da minha vida. Delírio. Sem contar as horas em que eu usei a língua portuguesa como instrumento de catarse e gritei bem alto coisas que ninguém entenderia (ou quase ninguém. Descobri, no dia seguinte, que o Eugene - vocalista da banda - já tinha morado no Brasil e falava português). O ponto auge do show foi, inclusive, uma hora em que ele disse que tocariam uma versão gypsy-punk-sambatronic de uma música e eu gritei: "SAMBAAAA!" e o Eugene RESPONDEU: "let's see if you can dance samba, then!" e eu enlouqueci. Foi mesmo catártico.


E aí, depois do show, eu estava estragada. Não conseguia andar, conversar nem reagir a nada. Fiquei entorpecida e só conseguia sorrir. Fomos, de lá, procurar o Emilio, a Francesca e seus amigos italianos. Voltamos para a Früh e ficamos lá até fechar. De lá, direto para a estação central, onde pegaríamos o trem somente às seis da manhã. Exausta, deitei no banquinho da padaria e dormi feito um bebê. Algumas horas depois, estava de volta a Saarbrücken, onde passei o resto do fim de semana dormindo e me reidratando, tomando cuidado para não acabar ainda mais com a minha panturrilha. Em uma palavra? SUBLIME.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Ciao, bella!

Quarta-feira passada, assim que começou dezembro, peguei minha mala de menos de dez quilos (aprendendo a conviver com as regras sem sentido da Ryanair) e segui em direção à estação principal de trem de Saarbrücken. De lá, peguei um trem até St. Wendel. De St. Wendel, outro até Idar-Oberstein, de onde peguei um ônibus até o aeroporto. O percurso até lá foi bonito, com tudo coberto de neve e com os rios correndo, bem escuros, por entre as montanhas branquinhas. Só bateu medo quando cheguei no aeroporto e vi que a neve havia dominado tudo e que vários voos haviam sido cancelados. O meu, felizmente, só atrasou. Precisaram descongelar o avião, ao que parece. Jogaram um jato fortíssimo de água nele todo, o que me fez passar por um breve momento de agonia: não conseguia enxergar nada lá fora, a não ser um vapor opaco que me fez pensar por um instante em ataque terrorista. Na volta, não foi muito melhor. O voo atrasou meia hora, me fazendo perder o último ônibus para Trier e, consequentemente, o trem de volta para casa. Desesperada, mandei mensagem pro Alexandre tentar encontrar uma alternativa para mim, porque eu tinha prova às oito da manhã do dia seguinte. Depois de um ônibus até Mannheim, uma estação de trem fechada. Sentei do lado de fora e, debaixo de muito vento e neve, resolvi que era impossível ficar nessa situação por mais três horas. E tudo piorou quando um rato passou por mim e eu senti arrepiar até a alma. Saí correndo, em pânico, na estação vazia, querendo chorar e me teletransportar direto para o Brasil, onde eu teria conforto. Como não dava, procurei algum bar que estivesse aberto e acabei encontrando um estabelecimento turco, onde tomei um café e fiquei sentada até a hora de o trem chegar. E, mesmo que ali só houvesse bêbados tagarelando em turco e apostando dinheiro no caça-níqueis, me senti um pouco mais segura. Depois de um tempinho, chegou um americano que estava na mesma situação que eu e conversamos bastante, na medida do possível, porque estávamos ambos exaustos. Ele é DJ de rap e estava na Alemanha para tocar em festas da MTV. Me deu um panfletinho e se mostrou uma boa companhia de trem. Com isso, cheguei em Saarbrücken e fui direto fazer prova de produção de texto. 30 horas sem dormir. Uma prova nem tão boa assim.

Mas, entre a quarta-feira agitada e a segunda-feira caótica e insone, existiu a Itália. Posterguei por muito tempo o relato sobre os ótimos dias que passei lá, porque não me sentia suficientemente inspirada (e ainda não me sinto, para falar a verdade) para contar de forma digna. Apesar do hiato criativo, é melhor contar logo, porque as notícias já estão se acumulando.

1º dia: Verona e Spacca Napoli
Algumas pessoas questionaram a minha decisão de ir a Verona. Disseram que outras cidades eram mais bonitas e que, com o pouco tempo que eu tinha, não valeria a pena. Por mais que a minha motivação tenha sido ingênua e clichê (visitar a casa de Julieta), digo a essas pessoas que estão perdendo muito em pensar que Verona é tão pouco. Quando chegamos lá, eu e o Alexandre ficamos meio calados, tentando esconder a ligeira decepção com o visual da cidade e com a nossa falta de planejamento. Nós não sabíamos o que fazer, para onde ir nem o que tinha de interessante para se visitar. Mas precisamos só de alguns minutos de caminhada para descobrirmos uma cidade linda, cortada pelo rio Aldige e toda enfeitada por casinhas coloridas. Visitamos um Teatro Romano e um museu arqueológico, de onde tínhamos a vista da cidade inteira. Depois, entramos em um jardim imenso e verde, mas saímos rapidinho antes que alguém nos pegasse lá dentro sem ingresso. Mais tarde, fomos tomar um chocolate quente branco e comer alguma coisinha gostosa de padaria. Gente, o chocolate quente é uma beleza. É feito de chocolate e não de achocolatado, é cremoso e proporciona uma super sensação de conforto. Depois disso, fomos procurar a casa da Julieta. No caminho, as luzes da cidade começaram a se acender e Verona estava toda bonita para o Natal. Na casa da Julieta, uma surpresa: agora as pessoas não escrevem mais cartas a ela pedindo conselhos nem desabafando sobre seus amores. Agora a Julieta tem e-mail. Eu morri de rir, mas mandei uma cartinha eletrônica para ela assim mesmo. As paredes da entrada para o pátio da casa são todas escritas, repletas de corações com os nomes dos amantes que por lá passam. Há promessas de amor eterno em todas as línguas e alfabetos, corações de todas as formas, cores e tamanhos. É mesmo bonito (e brega), isso de amar. Entrei na casa, passeei por entres os cômodos, ciente de que aquela provavelmente não é a casa dos reais Capuletos, mas tomada pela magia da verossimilhança literária (se é que isso faz algum sentido). Enquanto lia trechos de Shakespeare, talhados em madeira, ia imaginando as cenas em cada cômodo. Por fim, subi na bancada e fiz pose para o Alexandre tirar foto. E peguei no seio direito da estátua da Julieta, claro. Dizem que dá sorte no amor.


Voltando para Bologna, o Alexandre me levou para me livrar da abstinência de pizza. Não comia há mais de três meses. Fomos na Spacca Napoli com o Thibault, amigo francês dele, e a pizza que chegou à mesa teria me feito cair para trás se já não tivesse sido alertada sobre o tamanho. Não sei como italianos não engordam. Sabe a nossa pizza grande, que dividimos alegremente com a família e os amigos e ainda sobra um pouco para o dia seguinte? Então. Na Itália as pessoas comem aquilo SOZINHAS e quase nunca sobra um pedaço para comer frio no café da manhã. Por isso, dividi a minha com o Alexandre e ainda consegui levar uma fatia pra casa. No caminho de volta, uma surpresa: o pessoal ligou para o Alexandre e chegmos em casa a tempo de vê-los no Skype. Fez meu dia terminar mais feliz ainda.


2º dia: Bologna e Kings of Leon
Acordei com o pé destruído pelas andanças do dia anterior e pela estréia do meu Allstar novo de inverno. Tinha me esquecido que tênis novo custava a amaciar. Mancando, saí para levar o Alexandre na faculdade e para conhecer Bologna. Enquanto ele estava na aula, andei pela Via Zamboni, apreciando os ares das faculdades antigas entre os pórticos. A Universidade de Bologna é a mais antiga do mundo, fundada em 1088. Fascinante. Entrei na Faculdade de Letras e Filosofia para sentir o clima e, de lá, fui a um museu onde encontrei de tudo que tinha a ver com ciência. Depois fui passear na biblioteca. Uma velhinha simpática desembolou a falar italiano comigo e eu tentando explicar que não, eu não queria fazer uma visita guiada pela biblioteca. Mas, como meu italiano é quase tão bom quanto o meu chinês, não me fiz entender e logo chegou um cara que falava inglês para me guiar. Ele pareceu super empolgado por alguém querer conhecer a biblioteca, como se há séculos ninguém tivesse querido. Eu achei bonitinho e adorei a disponibilidade, o esforço para me explicar tudo com detalhes. Ele me levou na seção de manuscritos e eu fiquei babando feito idiota, olhando boquiaberta para obras maravilhosas, livros imensos e muito muito antigos. Feliz por me ver feliz, o velhinho começou a traduzir as frases gregas impressas na parede. Uma delas dizia que a literatura era o remédio da alma. Saí de lá mais leve e fui encontrar o Alexandre na faculdade. Conheci alguns amigos dele e posso afirmar que entendo o porquê de ele gostar tanto dos italianos. Quando comparados aos alemães, italianos são como brasileiros.

De lá, fomos passear e procurar algo para comer. Acabamos comendo uma piada, que é um sanduíche tradicional da região da Romanha e que me lembrou uma espécie de crepe ou de falafel, mas acho que os italianos não gostariam da comparação. Fomos ver a cidade, a Fontana di Netuno e as torres de Asinelli e Garisenda, mas não subimos, porque tinham me falado que, se um universitário sobe na Torre degli Asinelli, está fadado a nunca se formar. Não podia correr o risco (ou podia, mas parecia que as torres estavam fechadas a visitação). No final da tarde, fomos tomar sorvete. Os melhores da minha vida. Pistache, nozes com nutella e um tal de inferno, que incluía baunilha e mirtilo. É indescritível. Derrete na boca. Emudece. Ah, indescritível mesmo. Kibon nunca mais será suficiente.


À noite, peguei um ônibus para o Futurshow Station, onde seria o show do Kings of Leon. Eu estava tomada por um misto de ansiedade, felicidade e medo, porque iria sozinha e bem, não sei falar italiano. Chegando lá, uma sensação meio estranha de vazio e solidão. Todos estavam acompanhados e pareciam felizes por ter alguém ao lado. Muitos casais apaixonados me rodearam. Como as cadeiras eram marcadas, não tinha nem como eu fugir dos pombinhos. Quando o show começou, porém, todas as sensações ruins foram embora e eu fui tomada completamente pela música. Foi um show do tipo introspectivo, daqueles que se observa paralisado e absolutamente encantado. Música de qualidade e a sensação maravilhosa de não conhecer absolutamente ninguém em um lugar tão cheio. Em pouco tempo, estava cantando loucamente e ignorando os casais calados (e colados) ao meu lado.

3º dia: Veneza
Acordamos o mais cedo que a nossa noite anterior nos permitiu e pegamos um trem em direção a uma das ditas mais belas cidades italianas. As minhas expectativas, porém, não eram as melhores. Muita gente havia dito que Veneza não tinha lá o cheiro mais agradável, que as ruas eram sujas e que a fama não fazia jus à verdadeira cidade. Como não, pessoas? Veneza é maravilhosa em cada detalhe e NÃO fede. Pelo menos não no inverno. E é fantástico o fato de que não existe um carro sequer por lá. As ruelas mal permitem a passagem simultânea de duas pessoas, as bicicletas circulam esporadicamente e o transporte é mesmo via-mar. Outra coisa idiota de que eu só fui me dar conta quando cheguei lá: Veneza é uma ilha e fica no mar. Hahaha! Podia jurar que os canais que via nas fotos eram rios. Ignorância a parte, tudo em Veneza me encantou. As casinhas pintadas em cores fortes, as gôndolas, os vaporettos, os muros descascados e antigos, as pontes. As igrejas também são lindas. As máscaras tradicionais de carnaval foram capazes de nos prender dentro de lojas por longo tempo e atmosfera é mesmo bem romântica. Se algum dia eu me casar e for rica (ponto importante), lua de mel em Paris e Veneza.

Caminhando, encontramos uma exposição do Kubrick como fotógrafo e fomos visitar. Quando anoiteceu, a cidade pareceu outra, mas não menos bonita. Encontramos finalmente a praça onde fica a San Marco, uma catedral maravilhosa - por fora, porque demoramos demais e ela já estava fechada. Ficamos admirados com as luzes da cidade refletidas na água e não queríamos ir embora.


4º dia: A feira da Montagnola
O Alexandre sempre tinha falado muito de um mercado artesanal que fica na praça da Montagnola. Era promessa de preços baixos por produtos que variavam de bateria pra relógio, shampoos, cachecóis, roupas e sapatos. Tinha mesmo de tudo. Foi a minha salvação, na verdade. Meus pés já não suportavam o allstar apertado e comprei uma botinha daquelas peludas por dentro. Não são exatamente bonitas, mas super confortáveis e não custaram muito. Passamos um dia mais tranquilo e pedimos uma pizza à noite, comemos no quarto, fofocando e vendo vídeos imbecis na internet.

5º dia: Ferrara
Acordei tendo em mente que iria finalmente conhecer Florença e a Galeria Uffizi. Não contava que os trens regionais estariam lotados e não haveria mais bilhetes. Foi bem frustrante ter que deixar Florença de lado e trocá-la por Ferrara. Eu não fazia ideia do que havia em Ferrara, mas com o guia da Paula em mãos, peguei o trem e fui, enquanto o Alexandre ia para a faculdade. Chegando lá, um ambiente bem bucólico. Fui caminhando em direção a nada e acabei encontrando um velhinho no caminho, que me parou e balbuciou algo como "fotógrafa, a igreja" e apontou para uma direção. Como eu estava mesmo desorientada, fui para onde ele tinha indicado e encontrei a Igreja de San Cristoforo alla Certosa. Entrei, dei uma olhada e fui passear no jardim imenso que a circundava. Mal sabia eu que estava caminhando entre os mortos. O negócio é um cemitério IMENSO e fica completamente afastado da cidade. Mas devo dizer que é o cemitério mais bonito que eu já vi. De lá, peguei o sentido contrário ao que o velhinho da bicicleta havia indicado e cheguei onde parecia ser o centro histórico. Vi um castelo medieval - fechado. Um museu - fechado. Uma igreja - fechada. Maldito dia que fui escolher para viajar para lá! Segunda-feira é o dia em que tudo está fechado. Logo, tomei um cappuccino e peguei o trem de volta para Bologna. Ferrara é bonita, mas não tem nada de excepcional. Em Bologna, fiquei conversando com o coinquilino do Alexandre até que ele chegasse para me fazer companhia. Fiz as malas enquanto o Alexandre preparava nosso tortelloni all'alfredo. Comemos e ele me levou à estação, onde começou a aventura relatada no começo do post.


Por mais que meu plano de conhecer Florença tenha falhado, a Itália me conquistou. As pessoas são super amigáveis, a comida é fabulosa, o café tem gosto de café de verdade, o sorvete é divino, a arquitetura é bem interessante. Pretendo voltar em fevereiro, mas dessa vez para conhecer Roma.





segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Paris: c'est le paradis.

Quarta-feira passada, depois de muita confusão devido à inexperiência de arrumar malas para o inverno, saí de casa rumo à estação principal. Um café inesperado e agradável, meia hora de espera tensa, um trem de alta velocidade. O TGV partiu à noite, de forma que não pude enxergar nada lá fora, aumentando exponencialmente a minha ansiedade. Estava indo finalmente para Paris e mal podia acreditar. Afoguei o nervosismo em um pão velho (sim, isso foi muito feio) e, quando percebi, estava lá. Descendo do trem, o Alexandre me esperava na estação para o melhor abraço dos últimos tempos. Pegamos o metrô rumo a Bel-Air, onde ficaríamos hospedados. Ao chegar no apartamento, a sensação de estar em um prédio tipicamente parisiense. Escadas de madeira e portas antigas - como bem lembrou o Alexandre, a atmosfera remetia ao prédio o Ewan McGregor em Moulin Rouge. O quarto do nosso adorável anfitrião parisiense era super bonito e bem decorado e, apesar de pequeno, nos abrigou muito bem.

Tentamos planejar o dia seguinte do começo ao fim, mesmo já conhecendo secretamente a força da improvisação. Acordamos e fomos para um café-bistrô para o café da manhã. Com muita dificuldade, conseguimos pedir nossos cappuccinos, pains au chocolat e tartines. A dificuldade só foi maior na hora de pagar, porque não sabíamos chamar o garçom nem como pedir a conta. Começamos, então, a nos vestir, para que o garçom percebesse que queríamos ir embora. E essa foi a nossa estratégia até o final. Do café, seguimos à Champs-Élysées. Preciso confessar que eu tinha uma imagem completamente distorcida do local e que, por isso, era o último destino em Paris que eu planejava conhecer. Ainda bem que não deixei passar. A avenida é fabulosa! Não sei nem quais lojas se encontram lá, porque tudo o que consegui fazer foi absorver a atmosfera parisiense e mal podia tirar os olhos do Arco do Triunfo. O monumento é IMENSO e maravilhoso e fiquei com dor no pescoço de tanto olhar para cima e tentar entender como aquilo foi construído. Eu e o Alexandre resolvemos subir para apreciarmos a vista e, depois de muita escada em espiral, tonteira e falta de fôlego, chegamos ao topo e tiramos muitas fotos.


Saindo do Arco, andamos a Champs-Élysées até o fim, cruzamos o Sena, que também é enorme e possui pontes belíssimas, avistamos ao longe a Torre Eiffel e atingimos o Louvre. Paris não se cansava de me surpreender. Eu era tomada pela falsa imagem de que tudo o que havia de bonito na cidade eram os pontos turísticos e que, entre eles, haviam prédios comuns. Mas Paris é inteira uma atração e exibe orgulhosa construções monumentais que podem ser, simplesmente, a casa de alguém. Eu e o Alexandre caminhávamos boquiabertos e dávamos pulinhos constantes de alegria. Era mesmo PARIS.

Fomos à Catedral de Notre-Dame, onde o Alexandre brincou de ser corcunda. A igreja é mesmo linda e ficamos lá por alguns instantes, tagarelando sobre assuntos impróprios ao ambiente sagrado da catedral. Foi quando uma nuvem negra apareceu de repente no céu e eu pensei que cairia uma tempestade.

Andamos mais um pouco e entramos em uma lojinha de souvenirs e, depois de querer de comprar tudo e de conseguir conversar em francês com o vendedor simpático, uma surpresa: neve. Ou não? A precipitação era de gelo fininho e pequeno e nós não conseguíamos distinguir neve de granizo. O Alexandre fez o meu dia quando parou uma moça na rua e perguntou se aquilo era considerado neve. Ela morreu de rir e disse que sim, mas nós continuamos incrédulos, porque ela não caía tão leve quanto imaginávamos. Eu fiquei feliz de qualquer forma. De lá, fomos ao Jardim de Luxemburgo, cujas árvores peladas entristeciam o tão célebre senado francês. O cenário não era tão bonito quanto esperado, porque estava em obras. Fomos logo embora, com o guardinha expulsando todos os visitantes.

Do Jardim fomos procurar artigos gostosos de pâtisserie e acabamos em um café, tomando cappuccino e comendo tortinhas de framboesa e cassis. Delícia. Depois fomos procurar o Marais, o bairro da aristocracia e da população colorida francesa. Foi fácil identificá-lo quando nos demos de cara com o Hôtel de Ville iluminado de roxo e rosa. Em uma das lojas, vimos vitrines bizarras, cujas bonecas cortavam com uma tesoura a cabeça do pobre Papai Noel.


Não nos demoramos muito lá, porque estávamos cansados e o bairro não era tão divertido assim. Caminhamos para o Quartier Latin, nos sentamos em um bar e pedimos vinho e uma tábua de queijos. O Alexandre teve a chance de me ver tonta, rindo de tudo e sendo disléxica (é o que acontece quando, ao invés de se falar "crise de stress", se fala "créssi de striss"). Voltamos para casa e eu apaguei, sorrindo de orelha a orelha, sob efeito do vinho de Bordeaux e com a cabeça povoada por memórias recentes muito boas.

Sexta-feira acordei pensando que devia tentar novamente ligar para o Douglas ou para a Marcela, porque seria desaforo voltar para a Alemanha sem tê-los visto. E nada de o telefone português deles funcionar. Fui, então, com o Alexandre tomar um café e comer um croissant e, não satisfeitos (com a quantidade, especificamente), compramos uma baguete, que comemos a caminho do Montmartre. Meu coração parecia que sairia pela boca, porque eu finalmente veria o bairro onde o Amélie Poulain foi gravado. Para quem não sabe, é o filme da minha vida. Saindo do metrô e atravessando o mundo de lojinhas de souvenirs que havia por lá, avistei a Sacre-Coeur e quase tive um ataque. Podia enxergar o filme rodando na minha frente. Nos sentamos na escadaria para admirar os raios de sol que cortavam a cidade, ouvir a harpa que soava lindamente e comer alguns macarons. Era o paraíso.


Entramos na igreja, assistimos um pedacinho da missa em francês e, em seguida, fomos andar pelo bairro. Um músico tocava a trilha sonora inteira de Amélie no acordeon e eu não pude evitar: ofereci a ele o sorriso mais sincero e babão e quis abraçar o mundo (e ele também. Pena que a timidez me segurou). O Montmartre transpira arte e abriga cafés charmosos. Fomos andando bairro abaixo e, depois me muito pedir informação para franceses que não sabem de nada, encontramos o Douglas e a Marcela em frente ao Moulin Rouge. Não é nada demais, mas tiramos nossa foto charmosa e esvoaçante em frente a ele e fomos logo almoçar. Depois de comer, fomos até a parte do Sena onde fica a Torre Eiffel. Foi quando, de repente, começou a nevar. Era a primeira neve da minha vida. Em Paris. No Sena. Vendo a Torre Eiffel. Não podia ser mais mágico. Foi nesse momento, inclusive, que passei a ver a Torre como algo verdadeiramente bonito - e não como uma mera torre de televisão, a qual havia sido a minha primeira impressão.



Eu e o Alexandre fomos para a fila da Torre e subimos de elevador até o topo. As filas eram longas e o ar estava gelado, de modo que meus pézinhos congelaram dentro do All-star (eu PRECISO de sapatos de inverno, mas nada cabe em mim). Na fila, brasileiros para todo lado. Como descobrimos? Uma mulher resolveu, de repente, falar bem alto: "aaai, que dorr no rim!" e nós explodimos de rir.

A vista de cima da Torre ficou mais linda ainda quando a neve voltou a cair e escureceu. Encontramos um aquecedor e ficamos longamente apoiados nele, esperando o movimento dos dedos dos pés voltarem, admirando a cidade se pontilhar de luzes. Cidade luz mesmo. Depois da Torre, tentamos nos encontrar com a Marcela e o Douglas no Louvre, mas foi impossível. Custamos a nos decidir se entraríamos no museu ou não, já que tínhamos pouco tempo e há uma infinidade de obras a serem vistas. A dúvida foi solucionada quando descobrimos que a entrada sexta-feira à noite era gratuita para menores de 26 anos. Passeamos pelo museu despreocupadamente, parando às vezes em frente a alguma obra para admirar (ou fazer piadinha). A Monalisa não é nada de mais e eu realmente não entendo o alarde em torno dela. As outras obras da mesma sala são muito mais vistosas e o prédio do Louvre, em si, me impressionou muito mais do que a obra de Da Vinci.

Voltamos para o apartamento do Romain já bem tarde, distraídos pela imensidão do Louvre, e eu não quis sair com eles para a boate. Preferi ficar desmaiada até as dez horas do dia seguinte, o que atrapalhou meus planos de ir ao Musée d'Orsay antes de pegar o trem. Acabei tomando um café e depois passeando pela vizinhança enquanto comia uma baguete e respirava mais um pouco o ar de Paris. Eu não queria ter que vir embora. Paris me ganhou e, com certeza, voltarei em breve.

No trem de volta para Saarbrücken, uma alemã simpática ficou conversando comigo e não me deixava pegar no sono - o que me fez enxergar uma terra toda branquinha e pacífica lá fora. O que me fez esquecer as metralhadoras nas mãos dos policiais para todo lado, as promessas de atentados terroristas, o trabalho de 15 páginas que tenho que entregar antes do Natal, a guerra no Rio de Janeiro e tudo o que perturba a mente e o mundo.

Não sei como será daqui a um mês, quando a temperatura terá atingido os 20 graus negativos. É possível que já tenha me cansado de sair (e escorregar) na neve. Mas, por enquanto, não me canso de admirar a vista da minha janela. A floresta amanhece sempre branquinha e silenciosa, enquanto os flocos de neve descem sonolentos e a sensação de paz paira no ar. Hoje acordei pensativa e, apesar de ter me enervado bastante com a escolha não muito inteligente de passagens para a Itália, bastou que eu olhasse pela janela para que tudo melhorasse. E então me lembrei mais uma vez de Paris - e como poderia esquecê-la?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sobre o que ficou atrasado - e novas energias.

Ontem o sempre-tão-cinza céu de Saarbrücken me presenteou com um dia lindo. O sol brilhou até as quatro da tarde, destacando ainda mais um azul vibrante, quase sem nuvens. Eu, que nunca gostei de sol, consegui sair de casa sorrindo de orelha a orelha, cantarolando Chico Buarque no ônibus ("e me pego cantando, sem mais nem por quê"). E só então eu percebi que a semana tenebrosa relatada no post passado tinha servido para me fortalecer - e muito. De repente, senti crescer uma vontade enorme de curtir intensamente cada segundo que me resta aqui. Senti até vontade de prolongar o intercâmbio, pela primeira vez. Então, mesmo que o sol tenha ido embora muito rápido e que a chuva tenha voltado a reinar e que todas as folhas de quase todas as árvores já tenham caído, eu estou feliz. Feliz e na Alemanha, como eu sempre quis.

Voltando ao relato do que ficou atrasado, o fim de semana passado. O Jackson nos convidou para irmos conhecer a casa onde ele mora e a família alemã que o recebeu (tão bem). A casa fica em um dorf perto de Saarbrücken e para lá fomos eu, Lud, Allana e Ian, no sábado à noite. Chovia muito, para variar, mas isso não impediu a nossa jornada nem a alegria. Logo na chegada, duas travessas de lasanha da Maria nos aguardavam - uma delas feita para mim, sem carne. Achei uma gracinha! Comemos, conversamos e rimos bastante e depois fomos para uma reunião em um centro comunitário da cidadezinha. O Jackson havia dito que podia ser chato e só ter gente velha. O negócio é que os velhinhos, muito jovens, fizeram a nossa noite um episódio divertidíssimo. Ganhamos taças de champagne, garrafas de cerveja, muitos abraços e sorrisos e algumas danças. Voltamos para casa felizes e eu dormi imediatamente no sofá (aposto que existem fotos secretas desse momento tão singelo) enquanto os outros conversavam e bebiam.

No dia seguinte, acordei com muita dor de cabeça e não podia ser por causa das duas tacinhas de champagne. Não fazia sentido. Só mais tarde me dei conta de que era o primeiro dia de muitos de uma crise de enxaqueca. Passei o dia dividida entre dormir e ficar no silêncio de um quarto escuro ou me sentar à mesa com todos, comer bastante e rir. Escolhi ambos. Tomei um café da manhã caprichado, com geleias caseiras variadas preparadas pela Maria, voltei para cama. Acordei na hora do almoço para comer FEIJOADA. O Jackson fez o meu dia quando resolveu cozinhar feijão. Que saudades! Como dispenso a carne, comi arroz e feijão preto, assim, sem mais nada. E sorri feito boba, deu até calorzinho na alma. Nada melhor que um prato de arroz e feijão para voltar à casa por alguns instantes. Depois do almoço, dormi de novo. Acordei ainda com a cabeça explodindo e fui comer o bolo de maçã com chantilly no café da tarde. Ai, que maravilha alemã! Foi o paraíso. E... dormi de novo, até a hora de ir embora. Resultado? Minha cabeça melhorou um pouco, mas eu não preguei os olhos à noite. Paciência... Mesmo entrecortado por dores de cabeça, o fim de semana passado foi fantástico e eu me senti mais próxima dos meninos, além de ter conhecido uma família muito muito legal.





Quanto ao último fim de semana, só posso dizer, em resumo, que me diverti como nunca. Não parei em casa por mais de uma hora (a não ser para dormir). Sexta-feira fomos a Zweibrücken, debaixo de muita chuva, só para ver como era o Outlet de lá, com roupas de tudo quanto é marca imaginável, e não comprei nada, a não ser um muffin. À noite, conheci pessoas novas, provei um licor grego de anis e ervas e não gostei, saí para dançar, comi muito rigatoni e spaghetti e bebi vinhos italianos e alemães. Sábado assisti ao filme "O homem que copiava" (pela 3ª vez) no cinema, com legendas em alemão, e levei comigo muita gente boa, fiquei tonta com um copo de cerveja belga e ri muito. Prolongamos a noite em uma WG (espécie de república), vimos muitos vídeos imbecis e rimos mais um tanto. No domingo, visitei o Charly, a Gabi e o Christian, comi waffles caseiros, saí com um grupo de italianos que muito gesticulavam, e falhei miseravelmente ao tentar dançar em um clube de salsa. Andei, dancei e cantei na chuva, voltei a pé para casa muitas vezes e até agora sinto a minha perna pulsando, fabricando ácido lático. E foi assim, em um fim de semana que combinou cultura, esporte improvisado, pessoas engraçadas, bebidas interessantes, que me recuperei da enxaqueca e da ressaca emocional. É mais que certo dizer que agora uma nova fase começa. E que eu posso não querer ir embora.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Reclamação e Amsterdã.

Agora que a até então mais tenebrosa semana da minha estadia alemã aparentemente chegou ao fim, volto ao blog, para contar outras aventuras (e as desventuras, a título de desabafo). Mas antes fica aqui a minha reclamação e o registro oficial do meu atual egocentrismo: eu estou do outro lado do Atlântico, passando por dias chuvosos e escuros, vendo o sol parar de brilhar às cinco da tarde (quando ele aparece durante o dia), sozinha. Como se não bastasse, um professor maluco que acha que o mundo acadêmico gira em torno dele nos pede para ler "Os sofrimentos do jovem Werther" e para escrever uma análise sobre um poema do Goethe de no mínimo duas páginas - em uma semana. Para quem não sabe, Werther tem a linguagem mais antiga e difícil do universo, inclusive para os alemães, e é extremamente melancólico, o que influenciou o meu estado de espírito já não muito contente. Para piorar, tive conversas com resultados indesejados, perdi noites de sono, comi em dobro, tive crise de enxaqueca e perdi a vontade de fazer qualquer coisa. E aí venho ao blog, para me sentir melhor e mais querida, e percebo que quase ninguém comenta - ou sequer lê - mais. Podem pensar que é o cúmulo da carência. E deve ser mesmo, eu não me importo. Dá vontade de não mais publicar, de me desligar de toda e qualquer tecnologia, de parar de dar notícias e de sair por aí, à mercê do destino. Mas, voltando aos posts iniciais, lembro de ter dito que publicaria independentemente de quem fosse ler ou comentar. A intenção do blog é não me esquecer dos dias que estou vivendo aqui. Então, apesar da queda brusca do número de leitores e comentaristas, escrevo sobre o que ficou atrasado. A começar por Amsterdã.

Assim como não tinha, a princípio, Barcelona em meus planos de viagem, também Amsterdã havia ficado ao final da lista, simplesmente por eu não conseguir encontrar um tempo livre até fevereiro para ir até lá. Mas, como a vida é mesmo imprevisível, recebi uma proposta irrecusável. O Jackson, o Ian e a Lud iam para lá somente para passar o dia, por um preço bem razoável. Como o meu empecilho maior era a falta de tempo, foi o convite perfeito para um domingo em que eu não tinha muito o que fazer.

Tive apenas quatro horas de sono até as 3 da manhã, quando saímos em direção ao ponto de encontro da excursão. Fomos a pé, porque não há ônibus domingo antes das sete da manhã aqui perto de casa. Caminhada de madrugada parece ser minha sina por aqui. Foi, porém, agradável e chegamos rápido ao destino. A viagem de ônibus, que durou seis horas, também não foi ruim. Entre cochilos e "pescadas" bruscas, pude ver a linda paisagem belga, enquanto atravessávamos o país da melhor cerveja do mundo (Chimay, pra quem quiser provar). Os vilarejos, encobertos por névoa, brotavam pequenos e marrons no meio de campos muito verdes. Deu muita vontade de parar em cada um. Só paramos em um posto de gasolina em Liège, onde consegui pedir meu café e meu pãozinho em francês! Que felicidade boba!

Chegando na Holanda, não se via nada além de campos extensos, durante muitos minutos. Percebi, então, que a população estaria concentrada no coração do país, dividida entre poucas cidades. Foi quando comecei a notar alguns prédios arquitetonicamente curiosos que percebi que devíamos estar perto de Amsterdã.

A primeira coisa que me surpreendeu foi a visão de um prédio em forma de barco chamado Nemo. Achei a maior graça e só depois fui descobrir que ele abriga um super centro científico e cultural. Fazendo jus ao tempo chuvoso, a cidade estava muito cinza, o que nos fez desanimar um pouquinho. Mas não o suficiente para deixarmos de aproveitar. Andamos, andamos, andamos, até resolvermos fazer um passeio de barco pelos canais de Amsterdã. Dizem que é a Veneza nórdica. Eu, particularmente, não sei se concordo com isso, porque falta a Amsterdã o clima de romance. O passeio de barco, que a princípio parecia uma ideia empolgante, foi se transformando em tédio e sono, à medida que o tempo ia passando e o céu escurecendo. Foi bom para podermos ter uma visão geral sobre o que é Amsterdã e para onde devíamos ir. Do barco pude ver a fila imensa da casa da Anne Frank e fiquei triste, sabendo que era impossível esperar por todas aquelas pessoas. Só tínhamos seis horas na cidade e os museus contavam com infinitas filas, o que impossibilitou que visitássemos a casa da Anne Frank, o museu do Van Gogh e o museu da Heineken. Os únicos vazios e transitáveis eram o museu do sexo e o da vodca, mas ninguém quis ir comigo.

O nosso passeio se restringiu, então, a uma bela caminhada. Não reclamo, foi interessante. Pegamos em flagrante a gravação de um filme e fiquei observando curiosamente a estrutura da filmagem e a própria encenação. Paramos praticamente de bar em bar, para que os meninos pudessem provar as cervejas. Depois, claro, fomos ao "red light district", o bairro onde as prostitutas se expõem em vitrines e convidam turistas curiosos ao aconchego de suas... banhas. Gente, todas as mulheres que vimos lá eram lamentavelmente feias e esquisitas. Deve ser por isso que as pessoas bebem tanto e fumam maconha em Amsterdã. Caso contrário, a visão é insuportável para os que nutrem expectativas altas. Eu morri de rir das cenas que vi e olhei mesmo com curiosidade todas as vitrines de sex shop, porque os artigos lá expostos eram incrivelmente bizarros. E preciso confessar que o bairro em si é muito bonito e interessante.

Ao fim da tarde, nos sentamos em uma mesinha de palha à beira do canal para a última cerveja do dia e fiquei admirando a invasão dos patos, que migravam não sei para onde. Bonito de se ver, quando combinado ao por do sol.

O dia foi curto, mas super agradável. Conseguimos finalmente ver o que havia de tão incrível em Amsterdã, tão famosa por suas leis ousadas e pela diferença de comportamento das pessoas. Valeu a pena ter ido em tão boa companhia conhecer a capital da Holanda.

Chegando em Saarbrücken, um ocorrido estranho: uma das igrejas estava repleta de gente (a 1 da manhã) e, de lá, saía música. Não era música gospel, mas um tunz-tunz digno da boate mais movimentada da cidade. Curiosos, entramos lá para ver o que era. Uma festa de aniversário regada a álcool, com estudantes dançando freneticamente! Em plena torre da igreja! Como descobrimos isso? Quando um cara nos cercou e perguntou: "quem são vocês? Porque essa é minha festa de aniversário e eu não convidei vocês." Hahaha! Foi um bom jeito de fechar a noite.

Exausta e mofada de chuva, tomei um banho quente e fui sonhar com os canais de Amsterdã, desejando ter visitado a casa da Anne Frank. Quem sabe outra hora?


Foto de turista

A invasão dos patos

Todo mundo de Amstel (e eu só na coca-cola)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Seis taças de vinho e nenhum copo d'água.

Quando, na escola, aprendemos sobre a função do título de um texto, a maioria dos professores se restringe a dizer que ele o resume. Eu me arrisco a dizer que ele não só sintetiza, como também retoma estrategicamente o ponto principal sobre o qual o autor deseja falar. Eu, através do título deste post, me revelo amante confessa de vinhos. Quando descobri que havia uma excursão promovida pela universidade por todo o estado e que, ao final, haveria prova de vinhos, quis de imediato me inscrever. É claro que a viagem não se limitou à última hora em que estivemos todos assentados degustando vinhos, mas o ponto alto do dia foi definitivamente esse. Conto, então, do princípio.

Acordei sábado às sete da manhã, lamentando muito não poder dormir mais. Tomei um café rápido, pois havia combinado de encontrar a Lud às sete e meia no térreo do prédio. Cheguei dez minutos atrasada e ela não estava lá. Fui até seu apartamento, bati na porta algumas vezes e ela não atendeu. Pensei, então, que ela já tivesse saído e fui sozinha para o ponto de encontro da excursão. No caminho, vi o sol nascer em uma fusão de cores, se levantando vagarosamente por entre as nuvens. Ao chegar à universidade, vi que a Lud não estava lá e fiquei me sentindo culpada por não ter insistido mais ao bater na porta. Além do mais, seria um pouco chato ficar sozinha o dia inteiro na excursão, já que todos estavam em grupinhos bem consolidados, falando em suas respectivas línguas maternas.


O nascer do sol na Universidade


Primeiro destino: Homburg. A cidadezinha fica próxima a Saarbrücken e é aonde se encontra o campus da Faculdade de Medicina. O que eu não sabia era que lá havia um museu romano ao ar livre. Não é lá grandes coisas, mas é sem dúvidas interessante estar em uma fundação arqueológica e tocar em construções erguidas pelos romanos há mais de 2000 anos.

Römer Museum - Homburg

Partindo de Homburg, fomos a Völklingen, a cidade que abriga um patrimônio cultural bastante inusitado. É o Völklingen Hütte, siderúrgica que se encontra interditada há mais de 20 anos. Eu não me interesso muito por isso de engenharia, mas não posso deixar de mencionar que a indústria é fascinante por seu tamanho. Seu contar que me lembrei do meu pai o tempo todo. Hoje em dia o Völklingen Hütte funciona como local para exposições de arte e é aberto para visitação de engenheiros/turistas curiosos. Chegando lá, a Lud estava nos esperando. Ela tinha dormido demais e pegou um ônibus até a cidade para nos encontrar. Isso me animou bastante.


Brincando de engenheira no Völklingen Hütte


Depois de Völklingen, fomos a Saarlouis, onde teríamos um tempo livre para almoçar. Nos juntamos com a Jana, que é eslovaca, a Raquel, da Bolívia e a Cathrine, da Dinamarca, e comemos no Burger King mesmo, para economizar tempo e dinheiro. A economia de dinheiro foi benvinda, mas a de tempo, inútil. Não havia muito o que fazer em Saarlouis, a não ser visitar umas ruínas que ficavam relativamente distantes. Logo, não tivemos tempo suficiente para irmos até lá sem que o ônibus fosse antes embora. De barriga cheia, quase sem mobilidade, nos dirigimos para o ônibus e ficamos conversando.

Brincando de ser rainha em Saarlouis

De lá, fomos a Orscholz, depois a Nennig e, por último, a Perl/Dreiländereck ("esquina de três países"). Preciso confessar que eu não sei o que fizemos em Orscholz. Nem sei se de fato desembarcamos lá. Acho que não, mas está no programa. Enfim. Em Nennig vimos um chão lindíssimo e enorme feito todo de um mosaico romano. Depois, fomos direto a Perl, um dos destinos mais esperados da excursão.

Römischen Mosaikbodens - Nennig

Em Perl, fronteira Alemanha-França-Luxemburgo, tem-se a vista mais linda do estado até agora: o Saarschleife. Do topo de uma montanha, pode-se ver a curva do rio e sua floresta colorida pelo outono. Foi de tirar o fôlego e ótimo para refrescar a mente.

Saarschleife

Depois de passarmos um tempinho admirando a vista do Saarschleife, a hora da degustação de vinhos chegou. Fomos recebidos em Perl, na Weingut "Herber", para experimentarmos os vinhos da região do rio Mosel. Por mais que as expectativas fossem altas, pensei que seria literalmente uma prova, com direito a cuspir o vinho e tudo mais. Ainda bem que não. Os vinhos eram deliciosos e vinham aos montes, o que significa que cada um, ao final, bebeu aproximadamente o conteúdo de uma garrafa. Não me orgulho de estar bebendo tanto, mas preciso confessar de aproveitei demais e me deliciei com cada taça. Os vinhos são maravilhosos e foram acompanhados de pimentões, de ótimos pães e queijos. Além disso, o pessoal da mesa estava super animado e conversamos bastante. Resultado? Um karaokê improvisado na viagem de volta. TODO mundo estava ligeiramente alterado e, por isso, todos cantamos uma música do nosso país de origem NO MICROFONE, em pé no ônibus, para todo mundo ouvir. Eu e a Lud cantamos "Garota de Ipanema" e recebemos muitos aplausos. É de fato incrível o que podem fazer algumas taças de vinho (e nenhum copo d'água).

Alemanha, Bolívia, Eslováquia, Inglaterra, França e Brasil.

Não se deixem enganar: ainda falta uma garrafa.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Enfim, a primeira semana de aula.

Ainda no Brasil, sentia muita ansiedade quando pensava em como seriam as aulas por aqui. Depois de muito pensar e esperar, de conhecer muita gente, ir a muitas festas, viajar bastante, sentir a invasão de "pools of sorrow and waves of joy" e finalmente me adaptar ao fato de estar sozinha - e morando sozinha - em um país estrangeiro (e bem estranho), as aulas enfim começaram. Tive quatro meses de férias e por isso teria o direito de demorar a entrar no ritmo. Ledo engano. Não só NÃO posso, porque as coisas aqui já estão a mil por hora, quanto não quero.

No primeiro dia de aula, acordei e estava tudo escuro. Um silêncio absoluto tomava conta do meu quarto e da floresta. Quando coloquei o nariz para fora da porta, logo pensei que minha roupa não seria suficiente. Ventava frio e, pouco a pouco, fui percebendo que tudo estava congelado. O chão molhado estava coberto de folhas ligeiramente esbranquiçadas e o ar estava perceptivelmente diferente quando comparado ao dos dias anteriores. Geou. Eu fiquei toda boba e emocionada, pensando em como será quando finalmente nevar. Enquanto esperava no ponto de ônibus, percebi que todos os carros estavam cobertos de gelo e pareciam freezers ambulantes. Foi um bom entretenimento durante alguns minutos, mas passado um tempo, já não aguentava mais esperar. SEIS ônibus passaram direto pelo ponto, porque estavam cheios. Para piorar, começaram uma obra entre a minha moradia e a universidade e o trânsito está cada dia mais intenso. Logo, cheguei à conclusão de que vou precisar acordar não mais às sete, mas às seis, para conseguir ser pontual e estar na sala de aula às oito.

Fatores climáticos relatados, volto-me ao tema inicial. Na aula de produção de texto me percebi completamente enferrujada e vi que as férias não haviam me feito bem, linguisticamente falando. O professor, inclusive, fez questão de ressaltar o quão bom meu português estava, a julgar pela estrutura do texto que escrevi em alemão. Saindo do curso de alemão, fui ao prédio onde seria minha aula de Literatura Irlandesa (é o semestre irlandês na universidade toda). Para começar, não conseguia encontrar a sala. Descobri, ao observar as pessoas ao redor, que ninguém sabia qual era, exatamente. Chegamos juntos a um consenso, entramos na sala e lá ficamos durante meia-hora, sem que o professor chegasse, até que alguém teve a brilhante ideia de ir até a sala onde a aula havia ocorrido na semana anterior, quando eu estava em Barcelona. O professor estava lá, na metade da aula, e não sabia que haviam nos trocado de sala porque aquela era pequena demais. Na verdade, ele só percebeu que o tamanho da sala não era suficiente quando nós, os atrasados, tivemos que nos sentar no chão. Isso prova que alemães não planejam as coisas de forma tão perfeita como dita o estereótipo.

A aula, em si, foi bem interessante. O professor é irlandês e foi convidado para participar desse tal semestre irlandês em Saarbrücken. O sotaque dele, assim como as expressões faciais, é incrivelmente engraçado e eu precisei me segurar muito para não rir em alguns momentos. A aula é ministrada em inglês e parece que não será tão fácil como eu imaginava. Vamos ler muitos textos dos principais autores irlandeses e fazer um paralelo com a história e a sociedade da Irlanda. O que eu notei de mais intrigante, porém, foi a turma. A quantidade de gente de sobretudo preto, cabelo pintado de preto, blusas de banda e sombra preta era enorme. E isso - exceto por alguns fatores - inclui o professor, cabeludo e em trajes escuros. Uma menina, inclusive, jogava Warcraft no meio da aula. Cheguei a desconfiar que estava em algum tipo de seita disfarçada de aula e me senti bem... colorida.

Terça-feira era a minha primeira aula em alemão, na Faculdade de Germanística. Gente, que frio na barriga. Tamanho era meu nervosismo, custei a achar o prédio e, dentro do prédio, a sala. E eu já tinha estado naquele prédio antes. E, quando encontrei a sala, não tinha certeza se era ali mesmo e fiquei com medo de que a qualquer momento eu me percebesse intrusa em uma aula de Biologia Molecular ou algo assim. Felizmente, porém, era mesmo a turma de Grundkurs: Sprachwissenschaft (o que equivale à Introdução aos Estudos Línguisticos no Brasil). O frio na barriga piorou na hora da chamada. Senti o coração palpitar forte e as mãos suarem. Ao chegar no meu nome, o professor parou, porque não conseguia pronunciar, e perguntou quem era. Levantei a mão timidamente e aí mesmo começou o interrogatório: por que tantos nomes? De onde você é? Por que você veio para a Alemanha? Você estuda o que no Brasil? Vai ficar até quando? Vai querer fazer a prova ao final do semestre? Por qual nome devo chamar a senhora (senhora!)? Eu, previsivelmente, fui ficando cada vez mais nervosa, sentia minhas bochechas queimando e fiquei com tanto calor que, no final do interrogatório, estava sem uma blusa de frio sequer. Enquanto isso, todo mundo olhava para mim como se eu fosse uma extraterrestre. Passada a chamada, a aula. Ai, que surpresa gostosa ver que já começamos pelas árvores sintáticas com as quais estou tão familiarizada! Era um dos meus assuntos preferidos no segundo período na UFMG. Isso foi, decerto, um alívio e eu respondi mentalmente as perguntas do professor e quase sempre estava certa. Mesmo que a estrutura da língua seja diferente, não foi tão difícil acompanhar.

O dia seguinte foi um pouco mais corrido. Acordei ainda mais cedo do que de costume, porque tinha hora marcada no Ausländerbehörde (Departamento de Estrangeiros) para prolongar meu visto. Para quem não sabe, brasileiros não precisam de visto para entrar na Alemanha a turismo, mas, se quiserem ficar aqui para estudar e trabalhar, precisam ir até esse departamento e fazer o requerimento. Era um pouco longe do centro e fui, acidentalmente, junto com o Sem e um marroquino gente boa cujo nome não me lembro. Pegamos um ônibus errado e ele quase perdeu a hora. Chegando lá, tudo bem tranquilo. Fui atendida pontualmente e, às onze e meia, estava de volta na universidade, onde fiquei até tarde. Consegui me sentar na bibiloteca por quase duas horas e fazer páginas a fio de exercícios sobre voz passiva, porque teria prova de gramática no dia seguinte. Depois do almoço, fui para a aula de Literatur des Sturm und Drang, mais uma vez morrendo de medo de ser o centro das atenções. Não deu outra. O professor me pulou na chamada e eu tive que falar. Ele, envergonhado, disse que tinha pulado por não saber pronunciar o nome e que procuraria ao final da aula saber quem era. Mais uma vez, precisei explicar a minha situação e todos ficaram me olhando com curiosidade. E o susto foi ainda maior quando ele recomeçou a fazer a chamada para que todos pudessem ESCOLHER como seriam avaliados ao final do semestre. Muito bem decididos, os germanistas falaram, um por um, se queriam trabalho de casa, prova, apresentação oral... E chegou a minha vez. Eu pedi para decidir depois, porque não fazia ideia do que era melhor para mim. Ao final da aula, o professor disse que para ele é suficiente que eu frequente as aulas e faça os deveres. Eu não vou ter nota se fizer isso, mas ele mesmo disse que a disciplina é pesada, até mesmo para os alemães. Vamos ver o que decido até o Natal. Vou ter que ler um romance do Goethe, Die Leiden des jungen Werther (Os sofrimentos do jovem Werther), duas peças do Schiller, Die Räuber (Os Bandoleiros) e Kabale und Liebe (Intriga e Amor), além de alguns poemas representativos para a época. Fora isso, os textos teóricos. Todos haviam lido o texto pedido para a aula e eu fiquei meio perdida. Os alunos participam de verdade e nunca existe espaço para o silêncio constrangedor de quem não sabe responder o que o professor quer saber. Por esse motivo, creio que as aulas sejam melhores que as nossas no Brasil.

Terminada a aula, voltei à biblioteca para tentar descobrir como fazia para tirar xerox dos textos. Aqui não tem uma gráfica supercompleta como na Letras da UFMG. E eu passei um pequeno aperto até que descobrisse isso. Os professores têm pastas, que ficam na entrada da biblioteca. Você vai até lá, pega a pasta, deixa sua carteirinha e ruma até a máquina de xerox, onde você tira SOZINHO as suas cópias, com um cartão previamente comprado. Eu não tinha o cartão nem a menor ideia de como funcionava uma máquina daquelas. Quando finalmente consegui adquirir o cartão, voltei à máquina e tentei. Tentei de novo. Depois de descobrir que tudo que eu precisava fazer era apertar um simples botão, errei algumas vezes e tirei aproximadas cinco cópias inúteis, com uma mancha preta enorme. Consegui, ao fim, cópias razoáveis, mas sem o primeiro centímetro da margem esquerda das páginas.

Ontem à tarde, depois de já ter feito a prova de gramática, tive a primeira aula de Pilates. Eu tinha me esquecido de que seria esporte em alemão. Chegando na sala, a mulherada tagarelava - em alemão - como em qualquer academia e a professora nos contou um pouco sobre a história e os princípios do Pilates. Engraçado foi quando todas estavam concentradas nos exercícios, de olhos fechados, e eu olhando para todo mundo para copiar as posições, já que não entendia muito bem o que a professora dizia. Até isso vai ser um desafio. Saindo do Pilates, encontrei a Lud e a Claudinéia no Mensa para irmos buscar a herança que o outro mineiro que morava aqui nos deixou. Voltei para casa com algumas vasilhas, um cobertorzinho e alguns temperos.

À noite fomos eu, Lud, Jackson e Ian para a universidade para assistirmos à sessão de cinema do centro de apoio aos estrangeiros daqui. Cidade de Deus, com áudio em português e legendas em alemão. Preciso confessar que ainda não havia assistido e que fiquei verdadeiramente chocada. Cheguei a sentir enjoo, quase chorei e fiquei envergonhada pelo Brasil. Voltei para casa meio abalada, mas tentando pensar no fim de semana que chegava.

Bom, fico por aqui. O post de hoje foi só para registrar a sensação até então desconhecida de ser caloura na universidade. Só me lembro de ter me sentido novata na escola, lá na 3ª série, quando estourei acidentalmente uma garrafa d'água em plena sala de aula no meu primeiro dia no Santa Marcelina e todos riram. Não sei como, na UFMG sempre soube como agir desde o princípio e não me lembro de ter passado por situações em que tenha ficado perdida como fiquei aqui. Não tem trote, mas sou oficialmente uma caloura da Universität des Saarlandes.

domingo, 24 de outubro de 2010

Barcelona.

Acabo de passar por uma tentativa falha de acordar cedo para me readaptar a horários, já que amanhã é oficialmente meu primeiro dia de aulas na universidade e eu queria estar com o sono em dia. As aulas começaram dia 18, mas eu estava a aproximados 1100km de distância da sala de aula, contradizendo meus objetivos de me concentrar nos estudos.

Preciso confessar que, a princípio, Barcelona nem estava nos meus planos. Antes de vir para a Europa, tinha as minhas destinações já traçadas. Aparentemente, em linhas frágeis e variáveis, e Barcelona se aproveitou disso para se impor no meio de tantas outras escolhas. O Thomas, que conheci em Brasília em 2006, de repente propôs que fôssemos conhecer terras catalãs e eu, não menos de repente, aceitei.

Dia I
Sábado, dia 16, acordei com dor de garganta e gripada, morrendo de medo de viajar sozinha e de perder algum dos muitos transportes que tinha que pegar. O trajeto foi este: um trem de Saarbrücken para Idar-Oberstein, um ônibus de lá para Frankfurt-Hahn, onde pegaria um avião para Girona, de onde pegaria um ônibus para Barcelona. Tudo de novo na volta. E, como se não bastasse, estava tensa com medo de que a Ryanair não aceitasse a minha bagagem, já que as medidas eram ligeiramente diferentes das exigidas e ela excedia em 800g o peso-limite. No final das contas, deu tudo certo e me deixaram embarcar. No avião, sentei-me ao lado de duas senhoras alemãs tagarelas e uma delas resolveu me ajudar a pegar o ônibus para Girona, sem mesmo que eu pedisse. Ela assumiu que eu não falava espanhol e foi me arrastando pelo aeroporto a procura de informações, trabalhando arduamente como minha intérprete. Eu fiquei caladinha, rindo por dentro e achando linda a boa vontade dela.

Já dentro do ônibus, à noite, comecei a observar a paisagem e me dei conta de que a entrada de Barcelona é idêntica à Linha Vermelha do Rio de Janeiro, o que não é lá algo muito positivo. Sem querer, entreouvi a conversa de umas meninas e notei que elas eram brasileiras. Já fui logo puxando assunto (não sei por que diabos fiquei tão extrovertida na Europa) e fomos conversando até descer do ônibus. Distraída, não percebi que Barcelona estava prestes a se assemelhar ainda mais ao Rio: na bagunça para tirar a mala do ônibus, roubaram minha carteira. Já havia sido alertada sobre os pickpockets de Barcelona, mas não sabia que aconteceria comigo no primeiro segundo em que pisei na cidade. Malditos mãos-leve. Levaram meu dinheiro e meu VISA Travel Money, além de alguns documentos brasileiros. Por sorte, havia separado o cartão de crédito do meu pai e meu passaporte. Para piorar, meu celular não funcionava, porque não sabia o PIN do cartão alemão ainda, e eu não tinha o endereço do hostel. Por alguns minutos, um misto de desespero, vazio, fome e sentimento de burrice se apoderou de mim e eu fiquei completamente sem ação. Pedi uma moeda para um cara para ligar para o Thomas e a ligação não funcionou. Entrei na estação e, enquanto pensava no que fazer, o Thomas apareceu com um sorriso, um abraço forte e uma caixa de chocolates suíços. Alívio. Fomos à polícia e me disseram que era possível que devolvessem os documentos. Deixei meus contatos, mas não tive notícias até hoje.

Chegando ao hostel, um bilhetinho do Luis, que faria o meu check-in. A recepção já havia parado de funcionar e ele deixou a minha chave para que eu não ficasse na rua. Antes de dormir, fomos fazer uma caminhada na madrugada barceloneta para ver como era a vizinhança. Eu já não tinha nada a perder, mesmo! Nos sentamos no Bracafé (sim, um bar brasileiro, mas sem um item brasileiro no cardápio) e o Thomas bebeu um cerveja e comeu uma omelete típica da Espanha. Eu fiquei observando, exausta e incrédula, e pensando em como contaria para os meus pais o tamanho da minha burrice. Depois de escrever um email a eles, fui dormir.

Dia II
Acordei domingo às nove. Bem cedo, para quem foi dormir depois das duas e tinha passado por toda aquela sobrecarga emocional. E, incrivelmente, não me sentia mais tão burra por não ter colocado o dinheiro em bolsos diferentes e me decidi que não valia a pena me deixar afetar por isso. Havia uma cidade imensa me esperando lá fora. Thomas e eu saímos em direção ao Templo Expiatório Sagrada Família, o cartão-postal de Barcelona. A igreja foi projetada pelo Gaudí e está sendo construída desde 1882 e a previsão é de que fique pronta em 2026. Não vou dar detalhes históricos (vocês podem lê-los aqui), porque demoraria tanto quanto a própria construção da igreja. A minha impressão é que ela, tão grandiosa e detalhada, parece uma vela derretida. Não digo isso negativamente, de jeito nenhum. Mas que parece, parece. Não tivemos paciência de esperar na fila quilométrica para entrar no museu, mas seguimos um casal de turistas e fomos parar dentro da igreja, em plena missa. Já que estávamos por lá, assistimos a um pedaço da missa em espanhol e foi bem interessante. É realmente incrível perceber a força que a religião exerce em seus crentes. Olhando em volta, pude perceber senhorinhas impelidas à adoração, aos pés da cruz.

Na rua, em frente à Sagrada Família, uma aglomeração. Bem agarrada à minha bolsa, entrei no meio para saber o que era e me deparei com pessoas vestidas com calças coladas e blusas extravagantes. De repente, elas começavam a subir nos ombros umas das outras e... voilà! Eram os famosos Castelleros. São grupos de pessoas que se apresentam nas ruas formando pirâmides humanas. Bem bacana.


Voltamos correndo para o hostel, porque havia um passeio programado às 13h para o Parc Güell. Chegamos atrasados e as pessoas já tinham saído. O Thomas aproveitou para ir dormir um pouco e eu fiquei na recepção conversando com o Luis. Foi quando duas figuras apareceram diante de mim, me convidando para fazer Acro-Yoga no terraço. Um deles era brasileiro e a outra era espanhola e ambos faziam parte do staff do hostel. Como não estava fazendo nada e estava disposta a aproveitar cada segundo, fui "só para ver" e acabei fazendo acrobacias malucas que nunca me julguei capaz de fazer, ao som de MPB e Beirut. Isso me custou alguma dor muscular no dia seguinte, mas valeu a pena. Conheci pessoas incríveis e me senti muito mais leve.



Depois da Acro-Yoga, fomos almoçar e seguimos para o Parc Güell, também desenhado pelo Gaudí. Andamos bastante e subimos uma escadaria gigante e muito cansativa, porque o parque fica no topo de uma colina. Ao chegar lá em cima, o ódio: havia escada rolante e nós não sabíamos. De qualquer forma, valeu a pena. A vista é maravilhosa e o parque desperta a deliciosa sensação de estar em um mundo fantástico, em uma dimensão paralela. Tudo lá se funde com a natureza. As colunas que sustentam as irregulares construções são tombadas e os mosaicos vibram, coloridos. E lá se apresentam violinistas, saxofonistas, grupos musicais e dançarinos de rua. Eu me apaixonei pelo Gaudí.


Saindo de lá, o fim do dia prometia um crepúsculo bonito e fomos andando até encontrar a praia. Ao chegar ao Port Vell, porém, comecei a me sentir mal e quis ir embora imediatamente. No hostel, dormi um pouco para ver se melhorava e, à noite, já estava nova em folha. Ficamos no terraço conversando - em espanhol, quem diria - até tarde com o Rafa (o brasileiro da Yoga), a Laia e a Sophie, uma menina belga.

Dia III
Depois de esperar muito tempo até o Thomas acordar, fomos à "La Pedrera" ou "Casa Milà", também construída pelo Gaudí, desta vez para uma família da aristocracia barceloneta. Lá pode-se ver o apartamento reconstituído, além de um terraço lindíssimo e surreal, de onde se tem a vista da cidade. O interior e a decoração do apartamento remete um pouco às casas antigas de Ouro Preto, com direito a piso de cerâmica da cozinha da casa da vovó e uma casinha de bonecas que é o sonho de qualquer menina. Saindo da Pedrera, fomos ver a "Casa Batlló", a dita obra-prima do Gaudí. Exatamente por isso, o preço de entrada era absurdo (o dobro do Louvre) e resolvemos que só a fachada já bastava e era suficiente para confirmar o brilhantismo do artista. Já com fome, seguimos à orla, com objetivo de encontrar a champañería mais famosa de Barcelona, a Can Paxano. Ficamos perdidos e, depois de uma longa caminhada na beira do porto e de vislumbrarmos ao longe o "Mirador de Colón" (Colombo, para as pessoas de mente poluída), resolvemos que era inteligente perguntar. A champañería era um cantinho escuro, cheio de carne seca pendurada e estantes infinitas de cava, a champagne produzida em Barcelona. O lugar me lembrou, inclusive, o nosso Mercado Central. Pedi um bocadillo de sardinha e uma taça de cava extra e foi uma delícia, mesmo que a sardinha estivesse muito salgada e cheia de espinhos. Tendo bebido duas taças de cava, saí de lá felizinha e com uma garrafa do produto na mão, porque custava míseros dois euros e era uma delícia.


Chegando ao hostel, conhecemos mais cinco brasileiros, a Ana, o Cilnei, o Rapha (também do staff) o Jefferson e o Tiago, um escocês, o Alan, e um canadense, o Julien. Bebemos juntos a garrafa de cava na cozinha, enquanto o Luis nos ensinava a cozinhar tacos mexicanos. Estava tão bom que nos esquecemos que tínhamos combinado de ir para a boate. Resultado? Fomos assim mesmo, mas às duas da manhã. Chegando lá, a festa já estava um pouco vazia e não ficamos muito tempo mais, mesmo que a música estivesse boa.

Dia IV
Terça-feira a programação ficou toda por minha conta e eu estava louca para conhecer o museu do Miró. Ao olhar nos mapas e pesquisar na internet, vi que ele ficava perto de um castelo cuja existência eu desconhecia. E o interessante era que, para chegar tanto ao castelo quanto ao museu, era necessário pegar um tal "transporte funicular" e um teleférico! Saímos, então, depois do meio-dia, porque o Thomas demorou horas para se arrumar e o Julien ficou fazendo piada sobre isso. Antes de irmos, passamos no Camp Nou para comprarmos ingressos para o jogo do dia seguinte, FC Barcelona x FC Copenhagen. Nem estava acreditando que eu ia mesmo viver isso.

Gente, preciso confessar que morri de medo do teleférico. Parecia que a qualquer hora ele despencaria. Ao chegar lá em cima, o mar parecia ainda mais azul e o céu estava também colorido em um azul intenso. Como a vista era maravilhosa, ignoramos o tal castelo por um momento, subimos em cima de um canhão e ficamos lá, tomando sol e curtindo a paisagem.


Depois, fomos almoçar no restaurante do castelo e ganhamos uma taça de vinho. A culpa não é minha: Barcelona QUER que as pessoas bebam muito. Já de barriga cheia, fomos ver o Castell de Montjuïc. Não é bem um castelo, mas uma fortaleza que data do século 17. Não há muito o que ver, a não ser um pequeno museu sobre a história do lugar, reforçando a importância da "fomenta de la pau". É "pau" para todo lado em Barcelona. Levou um tempo até cair a ficha que "pau" significa "paz", em catalão. PAZ. Saindo do castelo, fomos ao museu do Miró. Finalmente. Foi uma pena termos chegado tão tarde, porque o museu era lindo e fecharia em uma hora. Obviamente, não deu tempo de ver tudo.

À noite, nos sentamos mais uma vez no terraço iluminado por velas, e bebemos sangría. Duas americanas, a Arjana e a Yumeko, um australiano cujo nome nunca soube, o Julien, o Rafa e o Thomas. Mais tarde, fomos todos para a cozinha, bebemos mais um pouco e lá vi uns dinamarqueses, que estavam em Barcelona só para irem ao jogo do dia seguinte. Eu tomei uma canja de galinha pronta para ver se melhorava da gripe, que a essa altura já estava fazendo lacrimejar meus olhos a ponto de eu não enxergar nada.

Dia V
Acordamos todos bem cedo e nos encontramos na cozinha, para tomarmos juntos o café da manhã e seguirmos para o Bairro Gótico. Era meu último dia na cidade e eu queria muito sair para ver tudo o que faltava, o que era impossível. Barcelona é incrivelmente grande e cultural e não dá para conhecer tudo em cinco dias. Pegamos o metrô e descemos no ponto perto de La Rambla, a rua mais famosa da cidade, onde fica uma feirinha de rua e o Grande Teatro do Liceu. O Bairro Gótico, por si só, já é lindo. Fomos à Catedral, à Praça Real, visitamos as colunas romanas remanescentes e vimos ainda algumas outras igrejas, incluindo a de Santa Creu. Foi uma longa caminhada, que acabou na orla da praia Barceloneta. Comemos uma típica paella com direito a um chupito no final. É um licor de ervas digestivo que os espanhóis costumam beber depois de comer. O negócio é forte até dizer chega. Quanto à paella, é uma DELÍCIA, mas muito difícil de comer, por causa da quantidade de conchas e ossinhos no prato.

Para finalizar, fomos caminhar na praia, o que fez a minha dor de cabeça desaparecer em um piscar de olhos. Senti a areia macia, a água gelada e a brisa, admirei as esculturas de areia e me permiti fechar os olhos para respirar o que ainda podia de Barcelona.


Cheguei ao hostel cansada e tive que dormir um pouco antes do jogo do Barça. Fomos para o jogo eu, Thomas, Yumeko, Eduardo, Cilnei e Ana. Nos sentamos em lugares diferentes. Eu e o Thomas ficamos em um assento bem lá no alto, atrás do gol. Nâo era a melhor posição para se assistir ao jogo, porque mal podíamos distinguir os jogadores. Consegui reconhecer o Puyol, por causa do cabelo e o Messi, por causa do movimento. Depois de um tempo, perguntamos para um menininho quem eram os outros jogadores. O jogo em si não foi lá grandes coisas. O Barça ganhou de 2 x 0, mas foi um pouco sem brilho. Para mim, o mais emocionante foi o simples fato de estar no Camp Nou e respirar o mesmo ar que grande parte dos campeões mundiais. E a torcida dinamarquesa era super vibrante e praticamente apagava a torcida numerosa dos espanhóis, que se limitavam a bater palmas.

Voltando para o hostel, pensei nas 3 horas de sono que me cabiam até a hora da partida. Deitei, mas quase não dormi, tamanha era a tensão. Tinha medo de pegar o ônibus noturno às 3 da manhã e ser roubada de novo, então peguei um táxi até a rodovíária. Com o taxista, uma longa conversa em espanhol sobre literatura. Ele me desejou muita sorte e se despediu com um profético "não se preocupe. Você é uma boa pessoa e será recompensada por isso..." na hora que eu desci na rodoviária. E, depois de 16 horas viajando, esperando e trocando de meio de transporte, cheguei na fria Saarbrücken. Fui recebida com uma temperatura de 0ºC e lamentei muito ter ido embora da Espanha.

Bom, chega ao fim o meu relato tão longo sobre dias tão bons. Estou com uma ligeira depressão pós-Barcelona, tentando tomar coragem para enfrentar o frio lá fora e a primeira semana de aula. Não sei como terminar o post, assim como não sei como sair verdadeiramente do espírito de férias. Então acaba assim, como se não tivesse fim mesmo.