domingo, 29 de agosto de 2010

Pipoca pronta e Saarbücken.

Sexta-feira a chuva cessou por algumas horas e eu consegui andar pela cidade à procura da Rathaus. Sem sucesso. Por menor que Wemmetsweiler seja, leva um tempo para se acostumar a ponto de encontrar determinados lugares sem a ajuda dos moradores. E eu, muito tímida e praticamente sozinha na rua, não perguntei nada a ninguém. Acabei por traçar uma rota improvisada, fui parar numa estradinha que levava ao veterinário e à uma casa de swing. Foi engraçado. Depois, dando algumas voltas, encontrei um supermercadinho. Paradoxos lexicais à parte, fiquei mais uma vez de olho no preço das coisas, como boa consumidora cujo salário não é em Euros - e, atualmente, nem em Reais. Sabe o que eles têm na seção de frutas, bem ao lado dos kiwis? PIPOCA. Isso mesmo, pipoca já estourada. Gente, será que os alemães não perceberam ainda que pipoca gostosa de verdade é feita na hora e comida quentinha? A não ser que seja uma espécie de pipoca transgênica que mantenha o calor e a crocância, eu não consigo entender. Mesmo. Bom, como saldo de compras, levei para casa três barras de Milka (a míseros 55 centavos de euro cada) e creme de leite.

Chegando em casa, fiz a minha famigerada mousse de chocolate, que foi devorada no almoço de sábado. Eles, que a saborearam com a melhor expressão do mundo, não faziam ideia da dificuldade que foi. Quer dizer, a Gabi sabia, porque foi ela quem jogou fora minha primeira tentativa de claras em neve. Não sei por que diabos as claras NUNCA mudavam de cor nem de textura, por mais que eu as batesse. Além disso, o creme de leite daqui é completamente RALO. Foram vinte minutos na batedeira pra que ele alcançasse uma textura próxima à dos nossos queridos cremes de leite de caixinha. Enfim, o resultado foi positivo e eu fiz uma família feliz.

À noite, fui com o Christian ao Coyote, um bar em Neunkirchen. Nós tomamos um drink e conversamos até tarde. Eu bebi um coquetel sem álcool, chamado Baby Love. Quase todos os drinks por aqui têm nomes estranhos. Foi divertido, até a meia-noite. Depois disso, voltamos para casa e eu fui inventar de entrar na Internet, mesmo morrendo de sono e já sofrendo os terríveis efeitos da TPM. Preciso falar que falei bobagem e desembestei a chorar? Peço desculpas àqueles que cometeram a insanidade de conversar comigo naquele estado.

Acordei sábado muito tarde, sem vontade de me levantar da cama, chorando muito. A Gabi percebeu e me deu um abraço apertado, o que eu jamais esperava que fosse acontecer. Reconheci, então, o efeito do abraço. No Brasil ganho abraços muito bons todos os dias, logo, nunca precisei esperar tanto por um. Foi uma semana inteira sem toques, apesar da atenção que eles me dedicam. De qualquer forma, é muito bom saber que os alemães também precisam de abraços de vez em quando. Tomei um café da manhã caprichado, um remédio para enxaqueca (que atacou por causa do stress emocional) e dormi mais um pouco. À tarde, estava melhor.

Lá pelas cinco da tarde, Charly e eu nos sentamos na sala de estar para a nossa primeira aula de Português. Ele escreveu algumas palavras e expressões que conhecia e eu ensinei a ele o verbo "ser", algumas profissões, países e nacionalidades. Agora ele pode se apresentar em Português. Amanhã, na nossa segunda aula, veremos o verbo "ter" e os números. Ele é bastante dedicado e fez todos os exercícios que preparei. É bem engraçado ver como os alemães têm muita dificuldade em diferenciar "tia" e "dia", "chá" e "já". Para eles, é a mesma coisa.

Apontamentos fonéticos a parte, fui com Christian a Saarbrücken ontem à noite. Lá nos encontramos com a Anna e com a Myriam, duas amigas dele (a propósito, a Anna não é namorada do Christian, como eu pensava. Na língua alemã, Freundin significa tanto amiga quanto namorada e diferencia-se dizendo "eine Freundin von mir" e "meine Freundin" - "uma amiga minha" e "minha namorada", respectivamente. Acontece que eles não diferenciaram e eu me confundi). Fizemos uma caminhada vespertina pela área de pedestres e a minha primeira impressão da cidade foi muito boa. Ao anoitecer, fomos a um bar chamado Moloko, com mais drinks esquisitos. Optei por experimentar o que eles iam beber: uma cerveja sem álcool com suco de maçã. É gostosa, mas enjoativa. Não consegui beber até o fim. Às onze horas, resolvemos trocar de lugar, para que eu pudesse conhecer mais da cidade. Fomos a um bar de estudantes, o Feinkost Schmidt. Mais drinks malucos e, entre eles, doses de "Quick fuck", "Babie Nam Nam (come on baby light my fire) e "Orgasm". Vale ressaltar que os alemães se vestem de um jeito esquisito e que eu não achei nada prático ter que ficar tirando e colocando a blusa de frio toda hora. Enfim, tivemos conversas legais, apesar de eles às vezes desembolarem a falar o dialeto local. A Anna estuda Francês na Universidade e vai me ajudar a escolher as disciplinas, além de me levar para nadar semana que vem junto com a Myriam. Elas são bem gentis e se mostraram super disponíveis. Voltando para casa, vi um veado e uma raposa atravessando a estrada. Muitos animais são mortos assim, uma pena. Aproveitando a deixa, expliquei ao Christian que aqui nós usamos o pobre do veado como alvo de chacota e ele me ensinou uns palavrões. Dormi mais alegre e hoje acordei com o Charly batendo na porta do quarto e dizendo que eu estava atrasada para o café da manhã. Estranho, não?

Muito brioche, queijo camembert e geléia depois, rumamos a Saarbrücken para que eu pudesse conhecer a cidade além dos bares. Apesar de muita gente ter me alertado sobre como a cidade era cinza e feinha, em comparação com outras da Alemanha, eu adorei. O rio Saar está com uma cor escura e a cidade está, de fato, cinza. Mas tudo por causa da chuva. As árvores, por sua vez, estão verdes e espalhadas por toda a cidade. Passamos brevemente por um bairro bonito, chamado St Arnuar, onde há uma igreja famosa pelos túmulos bonitos e bem esculpidos. Não entramos, apesar de eu ter sentido vontade. Passamos também pela prefeitura antiga e pela nova, por um centro comercial grande, por um castelo, pelo rio Saar, pelo teatro, por alguns cinemas, por um parque enoooorme, por bequinhos charmosos e ainda tive a chance de passar na porta da Universidade e da minha moradia. Em resumo, a cidade é linda. Cheia de vida e cultura, contrariando as minhas expectativas. Para completar, tomei sopa de batata e comi um negócio delicioso, parecido com o nosso Waffer, só que macio e quentinho, polvilhado com açúcar e coberto de Nutella.


Para finalizar, uma foto tirada em homenagem ao blog:


sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Muita chuva e dois dedos de drama.

Tinha planos de hoje subir a pé até a Rathaus, que não é a casa dos ratos, mas a prefeitura. Aposto que até aqui deve dar quase na mesma. Passando de carro, reparei que é uma construção antiga, bonita e tipicamente alemã e, por isso, quis muito visitar. É aberta a visitações e fica no centro, onde eu poderia caminhar em busca de mais novidades. Acontece que está chovendo incessantemente e o vento insiste em soprar bem forte, para a inveja dos que aí estão e para minha tristeza, já que ainda não tenho uma capa de chuva e serei obrigada a ficar em casa. Dedico, então, a segunda metade da manhã a escrever as já-não-tão-novas novidades de ontem. Não consegui escrevê-las enquanto ainda estavam fresquinhas, porque tive um dia difícil: chorei em cada intervalo de convivência social. Espero que isso seja apenas parte da adaptação e que não dure mais que uma semana.

Agora que acabei de comer meu primeiro chocolate europeu, uma barrinha pequena de Super Knicks que a Gabi me deu e que comi enquanto olhava o álbum de fotos da neve do ano passado, pego meu bloquinho de palavras-chave, que é para eu não esquecer de nada.

Para tentar narrar em ordem cronológica, se é que isso realmente importa, ontem finalmente consegui acordar cedo - às oito e meia estava de pé, super animada para ir conhecer a cidade grande. Neunkirchen é outra que fica aqui pertinho, a uns dez minutos (Tai e Marcos, aqui só se pode andar a 180Km/h na Autobahn, que é a estrada de alta velocidade. As estradas que ligam as cidades do mesmo perímetro urbano, digamos assim, são bem estreitas e a velocidade fica mesmo em torno dos 60km/h). Ainda não chega a ser uma metrópole e não sugere a imensidão de Belo Horizonte, mas já ajudou a satisfazer parte da minha vontade de ver mais gente.

Antes de chegar lá, paramos em uma loja de material para construção (aqui existem muitas delas em todo lugar) a fim de comprar algumas latas de tinta que a Gabi vai usar para pintar os vasos do jardim. Vi uns quadros com fotos interessantes, que mostravam a arquitetura de diferentes lugares da Europa. Um deles apontava uma casa holandesa, cujo exterior havia sido feito por um artista plástico alemão. Agora me esqueci o nome do cara e não tirei nenhuma foto - maravilha, Joyce! Enfim, era uma casa torta, com microjanelas e pinturas que remetiam a um universo onírico.

Depois de sairmos dessa loja, fomos ao supermercado. Pude, pela primeira vez, espiar os preços dos produtos e não os achei tão caros assim. Há muita variedade de tomates e as frutas são estranhas. Abacaxi, só enlatado. Saímos do supermercado com dois vasinhos de cactus e rumamos ao centro. Escolhemos um lugarzinho na praça que ficava em frente ao shopping e tomamos um legítimo cappuccino italiano. Olha, verdade seja dita, prefiro o nosso, de saquinho mesmo. Muito mais cremoso e saboroso. Em seguida, Gabi me levou ao shopping para que eu pudesse dar uma olhada nas roupas, só de curiosidade. Foi uma tristeza descobrir que o meu tamanho é mesmo infantil, mas um alívio descobrir que, aqui, as barbies e a hello kitty passam longe do vestuário das criancinhas. As roupas são bem discretas e bonitas. Depois me muito circular, acabei comprando um pullover confortável em uma loja de... café. Vai entender. Ainda no shopping, vi uma loja só de frutas e legumes, pela qual fiquei interessada. Passei uns vinte minutos lá, olhando atenciosamente, investigando preços e ouvindo as explicações da Gabi. A vendedora, percebendo que eu era estrangeira (que emoção isso!), me deu uma fruta comprida e roxa, cujo sabor era idêntico ao de uma ameixa.

Saindo do shopping, já meio zonza com tanto barulho, fomos ver uma antiga torre de armazenamento do água, que agora abriga um cinema, alguns restaurantes, uma estação de rádio e um teatro. O cinema fica DENTRO da torre, no mesmo lugar onde a água costumava ficar:


Vendo o Hooters, por causa das garçonetes peitudas e loiras que dançam no balcão, a Gabi ficou indignada e começou a discursar sobre o machismo e a imagem das mulheres. Depois parou de falar e ficou resmungando sons incompreensíveis. Ela faz isso com certa frequência, é engraçado.

De lá, voltamos ao shopping e eu comi meu primeiro Döner! Pra quem não sabe, é um sanduíche turco bem grande e barato, que alimenta umas duas pessoas tranquilamente. Eu comi um sozinha, dividido entre o almoço e o jantar, claro. Tinha mais de 30cm! Acabando de almoçar, fomos à farmácia, onde consegui comprar um removedor de esmalte e onde fiquei abismada com a variedade de produtos capilares. Depois volto com mais calma.

Voltando para casa, depois de passar exaustivamente em cada loja de decoração de interiores, me joguei na cama e chorei. O MSN tinha ficado ligado o dia inteiro, havia várias pessoas online e NINGUÉM tinha me dado um "oi" sequer. Não tinha nenhum email novo. O suficiente pra me deixar impaciente e dramática, pensando que eu seria esquecida em uma semana por todo mundo. Já que ninguém se lembrava de mim mesmo, abandonei o computador violentamente e fui trabalhar no jardim. De pés descalços e cabeça cheia, arranquei as ervas daninhas e afofei a terra ao redor das flores. Fiquei imunda, mas um pouco aliviada.

Passados alguns minutos, conversei com a minha mãe e meu irmão no Skype e fiquei mais tranquila. Tomei um banho bem quente, fiz as unhas com meu alicate cego, li um pouco, fui para a cozinha comer o resto do meu Döner gigante e conversei com o Christian. Ele é bem legal comigo. Me deu uma aula sobre os tipos de cerveja de cada região da Alemanha e disse que os jovens aqui gostam de beber cerveja com coca, com banana e com várias outras coisas bizarras. Lembrei da Paula. Ele me contou sobre Saarbrücken e os bares de lá, que conhecerei sábado. Depois começamos a falar de viagens e ele disse que nunca foi a Berlim nem ao Oktoberfest. Inacreditável. E, às vezes, ele se esquece que eu não sou daqui e começa a falar um dialeto local muito forte, o Saarlandisch. Sério, não tem NADA a ver com o alemão padrão. Aí ele percebe, ri muito e traduz na maior paciência.

Quando decidi vir para o quarto, a Gabi disse que pensava que eu bebia pouco durante o dia e colocou uma garrafa d'água no meu quarto. Achei bonitinho. Depois disso, para minha alegria, meus pais e meu irmão estavam no Skype e eu os levei para fazer um tour pela casa.

Muito drama depois, desliguei o computador, me deitei e, pela primeira vez, não senti medo e caí rápido no sono. E agora espero a chuva dar uma trégua para que eu não precise me internar e voltar a me sentir sozinha. Hoje deve ser a primeira aula de português do Charly. Conto como foi.


quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Estranhamentos e Illingen.

Estranhamento nº 1:

Fico maravilhada toda vez que vou tomar banho aqui. Não é só pelo fato de que eles têm uma sauna DENTRO do banheiro. O Charly tem um quarto só para ele lotado de ferramentas, aparatos de elétricos, fios, cabos e, lá dentro, existe uma caixa d'água. Enfim, um quarto de quinquilharias que qualquer eletricista sonharia um dia em construir. Dentro desse quartinho há algo muito mágico, que eu não sei explicar - ele tentou esclarecer, mas Engenharia Elétrica em alemão nunca foi nem será o meu forte. É um tubo que conecta a caixa d'água em um tonel de água aquecida, que circula a casa. Até aí tudo bem, tudo simples e brasileiro. Acontece que, por algum milagre tecnológico, existe um aparelho que fica na cozinha, BEM longe do quartinho do Charly, com um botão. Basta apertar o botão -veja bem: o aparelhinho é minúsculo, não tem fio nem nada - para acionar a água quente que circula nos banheiros. Quando o banho termina, é só desligar. É assim, meus caros, que alemães economizam tanta energia. Água quente só quando precisa. Fantástico, não? Agora imaginem a reação das pessoas quando o celular e a internet surgiram? Acho que é mais ou menos isso que sinto quando vou tomar banho na Alemanha. Ou pelo menos na casa do Charly (duvido que o meu apErtamento tenha algo parecido).

Estranhamento nº 2:

Outro fato impressionante é que as garagens não têm portão, as portas dos carros ficam destrancadas e aqui só tem carrão. E ninguém mexe em nada. A Gabi disse que são raros os furtos e, quando ocorrem, não há violência.

Estranhamento nº 3:

Em uma conversa durante o almoço, enquanto comíamos Spaghetti à Charly (abobrinha, pimentão vermelho e amarelo, cebola, pimenta, cogumelos, tomates pelados e molho de tomate com orégano), começamos a falar de cogumelos. Eles pensavam que nós, brasileiros, só conhecíamos champignon. Enfim, o importante é que descobri uma coisa muito legal. A vizinha deles tem o quintal LOTADO de cogumelos iguais àqueles de desenho animado - mas eu não os vi, porque não está na época. De qualquer forma, acho incrível o tanto que o ambiente é exatamente igual aos retratados nos desenhos e livros da Disney. Além disso, quase todo jardim tem girassóis imensos e muitas flores coloridas. A Gabi tem uns cinco pés de tomate no quintal.

Estranhamento nº 4:

Aqui, na casa deles, compra-se caixas e mais caixas de leite, suco de laranja e maçãs. Nunca vi nenhum deles bebendo o suco nem comendo maçãs. E quase todo dia chegam mais caixas. Eu hein!


Ainda no âmbito "estranhamentos", falo sobre Illingen. É uma cidade um pouquinho maior que Wemmetsweiler e fica a cinco minutos de carro daqui. Fui visitar uma capela, a Bergkapelle zu den Sieben Schmerzen (ou Capela da montanha das Sete Dores). Bem bonita. Ao entrar, porém, notei que havia uma caixinha na lateral. Pensei que fossem uma daquelas onde se coloca dinheiro para doação. Era, sim, uma caixa de doação - mas de ÓCULOS. Os alemães doam seus queridos óculos antigos e o Brille dos seus falecidos para o terceiro mundo! Como assim eu nunca ganhei um par de óculos desses? Alguém sabia disso? Haha!


Bom, indo para o centro de Illingen, conheci um centro cultural onde está o teatro e um café badalado que só funciona à noite, uma pena. Depois, Gabi e eu seguimos para o parque, onde nasce o rio Ill. Há um lago cheio de patinhos, uma fonte e MUITAS árvores. Lá, também, ficam as ruínas de um burgo (aqui existiam burgos, olha que emoção! Com burgueses de verdade. Hahaha!) e uma das torres desse ex-burgo é um salão de festas! Depois de alguma caminhada e muitas explicações sobre o porquê de tudo, Gabi e eu nos sentamos no café do hotel e eu tomei um sorvete colossal de baunilha com calda de chocolate dinamarquês, chantilly e raspas de chocolate. Isso foi há umas três horas e ainda não estou com fome. Agora se imaginem deliciando um lanchinho vespertino com uma vista assim:

Estranhamentos à parte, noite passada eu consegui driblar um pouco a sensação horrível de solidão e saudade assistindo episódios de The Middle antes de dormir (obrigada, Marcolinho). Mesmo assim, demorei bastante a pegar no sono, tive muitos pesadelos e acordei ao meio-dia. Fiquei envergonhada, mas o Charly e a Gabi morreram de rir e disseram que é assim mesmo, até que eu me adapte.

O alemão vai muito bem, apesar de às vezes me dar AQUELE branco que me faz ficar muda pelos próximos minutos tentando assimilar informações, procurando na minha caixinha a palavra de que preciso. Ah! O Charly me pediu aulas de português! Pesquisando, descobri que as palavras que estrangeiros aprendem com maior facilidade são: cerveja, sol, praia, bunda e festa. Grande, não?


terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sobre o inferno, o limbo e o paraíso.

Em uma semana, reuni assunto para uns três ou mais posts para contar a vocês. Como sou brasileira e tipicamente procrastinadora, além de ter passado por momentos de real falta de tempo, escrevo tudo de uma vez. Mesmo assim, continuo achando que deveria abrir o notebook de cinco em cinco minutos para não me esquecer de na-da. Ficam aqui, então, as impressões.

Primeiro, o inferno.

A última semana foi, assim por se dizer, infernal. O colegiado da adorável Faculdade de Letras fez o favor de me deixar completamente desesperada em vésperas de viajar. Disseram que eu não tinha ainda os 50% do curso completos - o pré-requisito babaca do DRI (Departamento de Relações Internacionais) para fazer intercâmbio. Ok. Mexendo nos documentos, encontraram uma disciplina cuja nota ainda não havia sido lançada e incluíram no meu extrato. 48%. "Moça, e agora?" e ela me perguntou se eu tinha algum certificado de participação em eventos. Procurei, achei alguns e, depois de alguma tensão, problema resolvido.

Depois disso, houve a vingança do tempo, que castigou a minha procrastinação. Não havia 24 horas que fossem suficientes! Lembrancinhas do Brasil para os gringos, arrumar mala, resolver problemas no banco, entrega de documentos finais, celular dando problema, cirurgia no dente... Essas coisinhas imprevistas que sempre são favorecidas pela lei de Murphy. Além disso, havia os preparativos para a festa de despedida, que só aconteceu graças ao meu namorado.

O limbo

Passado o inferno, o limbo. Não sabia se ria ou se chorava, se ia ou se ficava, se grudava em todo mundo ou se tentava o desapego pra ir me acostumando. Grudei em todo mundo, como boa canceriana que sou, e chorei bastante. Mas vim. Antes de vir, tentei sugar cada segundo livre da semana para me despedir dos meus amigos, da família e do namorado. Já tentei me convencer de que não há motivo para tristeza e que são só seis meses, mas meu sentimentalismo cria uns fantasmas que não se explica... Vai entender.

Enfim, sexta-feira, a despedida. Depois de ligar para 70 pessoas, metade delas apareceu no que foi A FESTA para mim. Só não chorei porque bebi umas tequilas e fiquei bem ocupada na cozinha, preparando quitutes mexicanos. Muita guacamole, fajitos, cheddar, tacos e cocada ao rum, música boa e pessoas queridas. Tudo isso me distraiu o suficiente pra me esquecer que só faltavam dois dias e eu nem tinha começado a arrumar a mala.

O aeroporto foi o momento de maior tensão, acho. Era real demais. Mamãe, papai, Anjinho, vovó, Carvalho, Tai, Farinha, Alexandre, Marina e Clara foram me levar. Depois de muitas filas erradas e algumas horas de espera, chegou a hora de ir para a sala de embarque, com aquele vidro preto, onde já não é possível ver ninguém que está do lado de fora. Eu não queria entrar e aí chorei. Golpe baixo.

O avião é metade limbo, metade paraíso. Grande supresa, não? Tive medo do voo até o Rio, mas me esqueci da banheirona quando entrei no voo internacional. É tão tão grande, tem musiquinha ambiente e uma televisão pequenininha! Fiquei distraída, tirei uns poucos cochilos. Cheguei em Frankfurt com uma hora de atraso e completamente moída. Não conseguia carregar minha própria mala nem tirar a mala de mão do bagageiro do avião. Malditos compartimentos feitos para pessoas altas! Hunf.

Enfim, o paraíso.

O paraíso começou no avião mesmo (nunca pensei em usar as palavras "avião" e "paraíso" na mesma frase, se não fosse pra falar de morte), depois de ter aceitado que só reveria os meus amores no ano que vem. Comi uma comidinha beeem mais ou menos, assisti The new adventures of old Christine, Two and a half men e The big bang theory, adormeci ouvindo Chico Buarque e acordei definitivamente lá pelas seis da manhã. Resolvi ver um filme. Temple Grandin. Conhecem? É a história real de uma cientista autista dos anos 60, bem bonito. Fiquei toda emocionada, boboca e inspirada por ela, que procurava ver portas em todo lugar para se abrir para um novo mundo. Ela dizia algo como: "esta é a minha porta. Do outro lado há um mundo inteiro". Nada além do que eu precisava ouvir para abrir os olhos para o que estava bem ali, me aguardando ao sair do avião. Achei o máximo, também, quando olhei no mapa do avião e eu sobrevoava as Ilhas Canárias e, depois, a França. Passei pelo Rio Sena e só vi nuvens, mas ok. C'est la vie! Quando o comandante avisou que faltavam 15 minutos para chegar em Frankfurt, achei que ia enfartar. Sério. Meu peito doeu muito. Aí eu lembrei que eu podia ter esquecido de respirar. Usei minhas aulas de Pilates, respirei direito e melhorei.

No aeroporto de Frankfurt, que todo mundo me avisou ser confuso, correu tudo perfeitamente. Há placas para todo lado e eu não errei nenhuma vez o caminho que devia seguir. Na fila da Imigração, meu coração acelerou bastante, mesmo eu estando com a documentação certinha. O policial me perguntou o que eu tinha ido fazer, deu uma olhada na carta de aceite da universidade e pronto! Carimbou meu até então virgem passaporte e liberou minha porta para o novo mundo. Não consegui tirar a bagagem da esteira sozinha e pedi ajuda pra um cara que estava por perto. Ele riu e disse que a mala era maior que eu, o que é QUASE verdade. Na saída, estavam Charly e Gabi, casal de amigos do meu pai, com uma plaquinha de boas-vindas e uma rosa - já murcha - me esperando, com uma câmera a postos e sorrisos enormes.

No caminho do aeroporto para minha casa provisória, em Wemmetsweiler, vi muitos campos de energia eólica e alguns vinhedos. Vi também a maior base militar dos EUA na Europa. O que tenho a dizer é que o que falam sobre as estradas alemãs é a mais pura verdade. Tudo lisinho e os carros flutuam, correndo a imperceptíveis 180km/h. A paisagem é bem verde, agora no verão. A temperatura beirava os 25ºC e chovia quando cheguei. E eu não estava morrendo de saudade de chuva? Foi uma bela recepção! :)

(Tenho a impressão de que este post está ficando gigante e de que ninguém vai ler até o final...)

Enfim, o primeiro dia na Alemanha. Dia 23 de agosto de 2010. Fui super bem recebida, ganhei um quarto lindo e grande por uma semana, que é pra eu me despedir do conforto e da vida em família. A casa é toda bem decorada, cheia de flores e livros. A cidade é bem pacata e pequena, as casinhas parecem de boneca e há florestas por toda parte. E o melhor de tudo é que elas são seguras para caminhada e o risco de encontrar um maluco que vá te raptar no caminho é quase nulo.

Ontem cheguei já na hora do lanche/jantar. Pães de todas as formas, queijos holandeses e franceses, salmão cru e... leite. Eu quase não acreditei que tinha me servido de leite com chocolate quando vi o salmão na mesa. Combinação bizarra, mas comi assim mesmo. Outra coisa que tenho achado estranha é ir ao banheiro, colocar água da pia no copo e... beber. É tudo potável! Depois de comer, fui me deitar às onze. Ainda eram 6 da tarde no Brasil! Quando apaguei as luzes, me vi em um lugar estranho, sozinha, e senti medo. Fiquei pensando nos meus pais e no Carvalho até conseguir dormir. Acho que ainda levo um tempo pra me acostumar com a ausência deles.

Hoje de manhã, comi mais pães maravilhosos e, no almoço, teve purê de BATATA, espinafre e ovo frito. Até que, tirando o salmão com leite, a comida é parecida, né? Pelo menos por enquanto. Depois do almoço fui a uma cidade vizinha chamada Illingen pra comprar um chip de celular. Daqui a três horas terei um número alemão (e duvido que alguém vá me ligar). Amanhã devo sair com o Christian, filho do Charly e da Gabi, e a namorada dele, que estuda francês na Universität des Saarlandes. Eles vão me levar em Saarbrücken e em algum barzinho.

Bom, acho que chega por hoje. As perspectivas são boas! Mandem notícias... Saudades de vocês já!






sábado, 14 de agosto de 2010

Resoluções de fim de ano.

Sábado à noite. Eventos do FIT fervilhando o centro da cidade. Uma prima que, mesmo com gesso até a metade da perna, está muitíssimo animada para comemorar seus 20 anos em uma boate. Vizinho infernal com amigos igualmente infernais com o porta-malas do carro aberto tocando - ó céus! - funk carioca e várias pessoas dançando em volta (nunca serei capaz de entender as motivações abstratas que levam a isso).

O que todas essas atrações belorizontinas estão fazendo no meu blog teutônico? Eu me pego imaginando se o lugar onde eu vou morar vai ser daquelas moradias universitárias infestadas de universitários bêbados em suas festas barulhentas e universitárias. Ok, eu também sou uma universitária, mas prezo muito pela minha individualidade e paz, muito obrigada.

E é por isso que venho relatar que hoje me arrumei toda. Fiz hidratação no cabelo, dei um fim nos pêlos da minha perna, demorei séculos num banho quente (com as janelas fechadas, pra tentar abstrair o funk que gritava na minha cabeça). Pra ir ao show do Graveola no Espaço Cento e Quatro? Para ir ao Cheio de Graça dançar loucamente com a minha prima? Para me juntar ao funk do vizinho? Não, né! Para ir à cozinha fazer a mais deliciosa mousse de chocolate que já fiz e provei na vida para o almoço de amanhã. Quero dizer, a primeira que eu fiz ficou fantástica, mas essa está carregada de expectativas, então não sei bem se posso afirmar a fantasticidade (ah, os neologismos...) dessa. Além disso, vou assistir a um filme daqui a pouco grudada nos meus pais e no meu irmão, comendo pizza e matando as saudades antecipadas. Hoje minha mãe chorou, minha tia chorou e meu priminho de seis anos me deu o abraço mais apertado do século. Eu aguento?

A questão é: ainda não ficou claro o porquê de eu estar falando tudo isso aqui. Eu poderia argumentar que o blog é meu e faço dele o que quiser, mas estaria contradizendo o primeiro post, em que disse que este é um espaço de partilha de duas vias. Logo, digo que posto sobre meu ócio de sábado à noite para declarar as minhas resoluções de fim de ano para o ano novo que começa dia 22 de Agosto, do outro lado do Oceano Atlântico.

Em primeiro lugar, dizer que, ao contrário do que a maioria das pessoas acredita, o meu período de intercâmbio não pretende ser feito de noites loucas regadas a bebidas ilegais nem de festas diárias. É óbvio que algumas festinhas me aguardam, mas a real intenção é conhecer. A mim mesma principalmente. Quero passar muitas noites comigo mesma, cozinhando, bebendo um vinho e vendo filmes no conforto do meu cubículo. Vou cuidar muito de mim e aprender a me gostar mais, porque ando precisando cultivar a autoestima. E aí vou me levar muito para passear a Europa inteira. Curtir minha companhia sem depressão, sem solidão. Tenho certeza de que só assim conseguirei aproveitar cada milímetro, cada milésimo de segundo e todas as unidades de medida existentes da minha experiência. Vou caminhar, respirar muito e bem devagar, sorrir mais para as pessoas e conhecer muitas delas. Experimentar é, aqui, palavra de ordem. Especialmente experimentar, de verdade, a minha própria companhia. Brega, simples e real assim!

(FINALMENTE o funk parou de tocar. Ê felicidade!)

sábado, 7 de agosto de 2010

Do medo de aviões

Eu tenho medo de viajar de avião. Eu morro de medo desse tanque enorme que contraria a lei da gravidade e que tem como chão algo que fica a nada menos que 11.000 metros abaixo de onde a gente pisa. Além disso, é inevitável pensar que é um robozão que voa (!) a sei lá quantos quilômetros por hora. Sou adepta das longas e antigas viagens de navio, de preferência segurando uma taça de champanhe, frequentando cassinos com trajes finos e um corte de cabelo anos vinte, sendo cortejada por um gentleman.

É isso aí. Fico tensa durante todo o percurso. Melhor dizendo, fico tensa desde o dia anterior, não durmo bem, não como direito e apresento comportamentos estranhos: em um extremo, agressividade. Em outro, silêncio absoluto. Fico absorta em pensamentos nada benvindos (quando vou me acostumar com essa palavra escrita assim?), como a morte dos Mamonas Assassinas ou com o filme Premonição. E às vezes até começo a ter as minhas próprias premonições, faço de tudo para me convencer de que é uma péssima ideia sair de perto do chão e dou início ao processo de autosabotagem. Agora que vocês sabem que sofro desse mal terrível, NÃO ME DEIXEM DESISTIR de rumar para o aeroporto de Confins no próximo dia 22. Não interessa se eu estiver com crise de enxaqueca nem se eu tiver sonhado com um avião explodindo na noite anterior. Combinado?

(Só para constar, não adianta tentar me convencer de que é o meio mais seguro de viajar, porque eu não caio nessa. Eu já mencionei que só tem ar segurando aquele trombolho?)

Desabafo feito, eu vou tentar me acalmar, tomar uma cachaça e viajar do modo mais tranquilo que conseguir. Afinal, é essa máquina aí que vai me levar para conhecer os lugares mais lindos do mundo. Vai ser a primeira vez que eu saio do país (sozinha, ainda por cima). Vai ser a primeira vez que vou pisar em terras alemãs, respirar ar alemão, frequentar aulas alemãs e morar num cubículo alemão. Não é fantástico?

Quanto ao avião, já dizia a minha avó: se não pode com o inimigo, junte-se a ele.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Das motivações iniciais

Há aproximados 16 anos, meu pai começou a viajar para a Alemanha a trabalho. Com isso vieram as fotos, os presentes, as histórias e os amigos alemães que vinham visitar esporadicamente e que também traziam fotos, presentes e histórias. Havia um porém: eu não entendia as histórias e ficava de orelha em pé, tentando descobrir o porquê de eles se comunicarem em códigos. Será que era pra eu não perceber que contavam segredos, como a inexistência do Papai Noel ou sobre como os bebês vinham ao mundo? Foi então que descobri que havia mais de uma língua sendo falada por aí. Era uma língua ruidosa, mas que abrigava grande parte dos mistérios da minha vida recém-começada. Obviamente, com o passar dos anos a minha paixão por histórias aumentou e a indignação por não compreender bulhufas do que era dito pelo meu pai a seus amigos visitantes também. Eu tinha que aprender aquilo.

Foi aos 12 anos que decidi ir para a Alemanha. Secretamente, confeccionava bijouterias meio fajutas, com miçangas coloridas, a fim de juntar dinheiro suficiente para que eu, um dia, pudesse ter a sorte de me lançar àquele mundo e decodificá-lo. Comecei também a fazer toalhas bordadas de vagonite para minha madrinha. Chega a ser engraçado como eu definitivamente NÃO tinha talento para isso e nem passava pela minha cabeça que todo esse esforço não chegaria perto de ser suficiente para conseguir o dinheiro que precisava. Foi então que resolvi contar para meus pais que queria ir para a Alemanha. Sábia decisão.

Comecei a estudar alemão aos 15, em uma sala cheia de universitários, engenheiros e advogados e a vontade só crescia.

Depois de muitos anos guardando dinheiro na poupança e prometendo viagens para o ano que vem (quem me conhece sabe quantas viagens eu sonhei), chegou a hora. Não vou morar em nenhuma cidade grande ou badalada. Não vou respirar cultura o tempo todo, como queria. Em contrapartida, vou ver pôneis na floresta e a fronteira com a França. Vou conhecer o sonhado e o jamais imaginado, simultaneamente. Vou aprender alemão e francês de verdade, vou morar sozinha e conhecer pessoas do mundo inteiro. Vou beber vinho bom por um euro, vou escrever muitas cartas e cultivar uma florzinha para enfeitar os meus 16m² em Saarbrücken (no prédio da foto abaixo). Quer coisa melhor?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Sim.

"Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou."
É citando aquela que mais me inspira que digo sim a esse blog e a todas as histórias que ele pretende guardar. Melhor dizendo, digo ja, em sonoro alemão, a fim de aquecer o espírito para uma jornada de seis meses em terra estrangeira e para um inverno que promete.

Este é um caderno virtual, o guardião das minhas lembranças durante o período em que estarei na Alemanha, já que não posso confiar todas elas a um cérebro com uma péssima memória a curto prazo. É também um dos portadores de notícias minhas, já que "não posso me furtar a lhe(s) contar as novidades" e nem quero. Quero que vocês se sintam parte de cada ida ao Supermarkt, de cada invenção culinária, de cada aperto, de cada aventura. Além disso, fica a certeza de que o blog será um instrumento de catarse e desabafo, um lugar de drama e saudade. Espero que vocês comentem, perguntem, sugiram e me mantenham atualizada sobre o Brasil e sobre vocês, principalmente, que é pra amenizar o frio do inverno.

Bom, o post-esclarecimento-de-intenções fica por aqui. Em breve, a motivação para a viagem, os preparativos e as angústias que antecipam a partida.

Com Clarice comecei, com uma paráfrase dela termino: e não esquecer que por enquanto é tempo de... batatas (para germanizar um pouquinho mais)!

Sim.