quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sobre o Oktoberfest e a Lei de Murphy.

Conforme prometido, sexta levei um bom bocado de estrangeiros para o famigerado Brasil Nativo, que fica logo ali no Johannes Markt, no centro de Saarbrücken. Eu mesma nunca tinha ido lá e não fazia ideia de que o bar era tão pequenininho a ponto de caber só eu e meus amigos e deixar todos os outros clientes de pé. Apesar disso, ele é bem verde e amarelo, tem uma bandeira pendurada e alguns quadros que remetem ao artesanato da feirinha da Afonso Pena. No cardápio faltam as porções de mandioca frita e torresmo, mas aí acho que seria querer demais. E, é claro, não faltou cachaça e caipirinha do menu do bar. Pedi uma coxinha e um guaraná e, apesar de ter ajudado a matar a vontade, o guaraná veio sem gás e a coxinha era minúscula, como aquelas de festinha de aniversário. Tive que pedir umas cinco e só não pedi mais porque não era lá o item mais barato do cardápio. MPB? Bobagem. Os músicos passaram a noite tocando versões abrasileiradas de músicas americanas e, vez em quando, soltavam um Kid Abelha ou Skank. Eu não gostei muito, mas os chineses e os americanos pareciam estar se divertindo.

Fomos embora cedo, para conseguirmos dormir pelo menos algumas horinhas antes de irmos para a estação. O colchão de ar estava gelado e eu não dormi, escutando o balbuciar do John e alguns roncos esporádicos durante o sono. 3 da manhã acordamos, comemos o bolo amassado que tinha levado na minha mochila e fomos, a pé e no frio, para a Bahnhof. Pegamos o Bahn às 4:30 e, depois de muito trocar de trem, chegamos a München. A viagem levou aproximadamente nove horas e pude ver algumas paisagens bonitas: campos verdinhos, montanhas e vilarejos. Por mim, fazia uma parada de uma hora em cada uma das cidadezinhas, só para ver o que elas escondem. Chegando em München, não tivemos muita dificuldade em encontrar o apartamento e foi uma surpresa boa ver que o dono era brasileiro. Ele me encarregou de cuidar de tudo e de não deixar os meninos fazerem muito barulho à noite. O apartamento era super aconchegante e o quarto em que fiquei tinha uma estante de livros que ia até o teto. Eu podia morar lá.

No metrô para a Leopoldstraße, onde almoçaríamos, fiquei sabendo que dentro de uma hora começaria o clássico do futebol alemão Bayern-München x F.C. Köln e eu quase convenci os meninos a me acompanharem no estádio. Mesmo eu insistindo muito, eles não quiseram. Ainda vou ver o Klose jogar. Assisti ao primeiro tempo do jogo enquanto comia meu rigatoni ao molho de gorgonzola e espinafre e depois seguimos direto para o Theresienwiese, o tradicional campo onde o Oktoberfest é realizado.

Antes mesmo de chegar, era possível ver em toda a cidade e em cada Bahn e metrô incontáveis alemães e turistas vestidos em trajes típicos da Bavária. Eu queria um Dirdln, mas nem preciso falar sobre o preço absurdo da vestimenta. A escada rolante que subia do metrô para o Theresienwiese estava abarrotada de gente e não dava para ver um palmo à frente dos olhos - a não ser, claro, pela cabeça da pessoa ao seu lado. A expectativa só crescia. Quando finalmente pude ver o local da festa, a primeira imagem não foi de cerveja ou bretzel. Tudo o que eu conseguia ver era uma multidão recheando um parque de diversões. Pensei que era uma ideia meio estranha colocar tantos brinquedos giratórios a mercê de pessoas que passam o dia inteiro bebendo litros de cerveja. Não podia ser bom. Fomos, então, passeando e eu fui admirando os mínimos detalhes.

Chegamos ao pavilhão da famosa Hofbräu e ficamos na fila por mais de uma hora e meia. Mesmo eu odiando a espera, procurei manter a calma e perceber o que acontecia ao meu redor. Vocês não imaginam a confusão mental que dá ouvir tantas línguas simultaneamente, ainda mais quando a maioria das pessoas está bêbada. Ao invés de abstrair e me concentrar, pensei que seria mais proveitoso absorver a confusão e mergulhar na horda de pseudobávaros. Os seguranças, por sua vez, não pareciam ter senso de humor e insistiam em empurrar e apitar estridentes nos ouvidos das pessoas. Imagino a dificuldade que deve ser manter o controle em uma situação daquelas. Enquanto esperávamos, algumas pessoas que já tinham conseguido entrar ficavam tirando fotos da fila e fazendo invejinha com suas canecas colossais de cerveja. Outros eram mais gentis e tentavam alguma forma de entretenimento. Um cara com a camisa do Brasil ficava dançando atrás do segurança, fazendo caras e bocas e provocando risadas em quem esperava. Uma hora, inclusive, uma moça bêbada deitou de barriga no chão e começou a fazer passos de street dance. Enfim, uma hora e meia depois, uma garçonete surgiu de dentro do pavilhão e puxou meus amigos e eu para dentro. Tivemos muita sorte, porque o resto da multidão foi dispensada.

A segunda espera da nossa noite, porém, durou para sempre. Nos sentamos no Biergarten da Hofbräu, que é onde se espera para entrar no pavilhão oficial, e pedimos as nossas cervejas. Dividi uma Radler (cerveja com limonada) de um litro com o Matt e a Michelle, que também não são fãs de álcool. O Luke e o John beberam alguns bons litros para compensar a espera. E eu? Fiquei aguada pelo tal do Glühwein, já que ninguém queria sair do Biergarten. Tentei aproveitar ao máximo, conheci um casal de canadenses e um cara da Guatemala que misturava todas as línguas devido à bebedeira. Mas preciso confessar que não foi a minha noite preferida no universo. Daria tudo para estar do lado de fora da Hofbräu, vendo e fotografando as pessoas e as luzes da cidade. Eu queria viver a festa, eles queriam só beber cerveja. Voltando para casa, exausta, resolvi que faria o que eu quisesse no dia seguinte. Não ia perder minha viagem sentada numa mesa olhando pessoas se embebedarem.

Acordei às oito no domingo, tomei um banho bom e saí acordando todo mundo para irmos para a festa. Comprei um pãozinho doce e fofo, recheado de geléia, e um cappuccino, me sentei na barraquinha e olhei para o céu: completamente azul. Lindo. O dia tinha tudo para ser melhor que a noite anterior. Tirei muitas fotos e, pela primeira vez, andei de montanha russa. O Matt teve algum trabalho para me convencer, porque eu morro de medo de passar mal. Eu gritei horrores, bati a cabeça no carrinho várias vezes, mas valeu a pena. Fiquei querendo ir ao circo de pulgas, mas acabei deixando pra um "mais tarde" que nunca veio. É incrível o que se perde quando se permanece fechado em um mundinho, o que, no caso, era a cerveja. Amigos intercambistas que pretendem vir para o Oktoberfest, um conselho sincero: bebam sim. Mas SAIAM para ver a festa. É muita vida! É a coisa mais apaixonante ver crianças de bochechas rosadas vestidas com os trajes típicos rindo em um carrossel. É tudo imenso e colorido. Tudo pulsa e tem cheiro de festa.



Depois de entrar no clima da festa, esbarrei no desfile de abertura. Apesar de nunca ter ido ao sambódromo, posso dizer que era algo tão grande quanto o carnaval do Rio. A diferença estava nas roupas: mulheres trajando longos vestidos imponentes, homens ora com calças de couro ora com capas e chapéus. Super elegante. Cada parcela da sociedade antiga bávara estava ali representada. Ouvi falar, inclusive, que no começo houve um casamento em que um dos noivos era da Baviera enquanto o outro provinha da Saxônia, assim como eram Therese e Ludwig I, que deram origem à festa. Pena que não vi. Fiquei uma hora inteira sob o sol observando as bandas marciais, os cavalos imensos e as roupas tradicionais. Incrível mesmo! Caminhando um pouco, finalmente avistei a Bavaria, estátua colossal de cobre encomendada pelo Ludwig I. Lá de cima dela era possível ter uma vista geral da festa.

À tarde fomos para a Marienplatz, que fica no centro de München. A Rathaus é enorme e imponente, além de super florida. Lá, alguns músicos de rua tocavam uma espécie de tango misturado com punk e eu adorei. Fomos à Hofbräu de passagem, só para ver como era a cervejaria oficial, mas não entramos. De lá, pegamos o metrô para onde fica a Olympiaturm, uma antena de quase 200 metros de onde se pode ver a cidade inteira. Vi o estádio do Bayern-München, parques verdes, a Vila Olímpica e o Oktoberfest. Além disso, lá havia um museu do rock. Calças do Freddie Mercury, guitarra assinada pelo Frank Zappa, gaita autografada pelo Bob Dylan e o piano espelhado do Elton John figuravam entre as atrações.



Nos assustamos quando olhamos no relógio e vimos que faltava menos de uma hora para o nosso trem de volta para Saarbrücken sair. Corremos München inteira, eu morrendo sem fôlego, e conseguimos chegar 3 minutos atrasados. O trem já tinha ido embora. Pensando racionalmente e calculando um pouco, vimos que, se pegássemos um trem para Stuttgart, conseguiríamos chegar faltando cinco minutos para a partida do nosso segundo trem. Lá fomos nós. Acontece, porém, que esse trem se dividia em certo ponto do trajeto e algumas pessoas não sabiam disso. Por isso, as pessoas tiveram que trocar de vagão e... adivinhem só? Elas demoraram cinco minutos e com cinco minutos de atraso chegamos lá. A tempo de ver o rabinho do nosso trem indo embora. Plano B: pegar outra rota, que incluia passar três horas da madrugada fria do Bahnhof de Kaiserslautern e chegar em casa às seis da manhã de segunda-feira. Fantástico, não? Em resumo, essa tal Bahnhof da longa pausa não tinha uma cadeira sequer e não conseguimos dormir. Chegamos em Saarbrücken moídos e anestesiados de frio. Tive que faltar à aula segunda e me dar o direito de dormir até uma da tarde.

O relato do Oktoberfest fica por aqui e passo para a narrativa cotidiana. Segunda à noite o Charly veio para a aula de Português e trouxe UM PACOTE DE FEIJÃO CARIOCA. Gente, que alegria genuína! Agora só preciso arrumar uma panela de pressão. Ele trouxe também um abridor de vinho decente, para eu parar de bater a garrafa de vinho contra a parede e assustar os vizinhos. Fui dormir cedo e, mesmo assim, não dormi direito. Sonhei com própolis a noite inteira: era um sinal. Acordei com dor de garganta. Sem pão para comer, comi uma maçã e virei um bom copo de própolis para ir à aula. Quis morrer de tanto tédio. Na hora do almoço, percebi que tinha esquecido o cartão da faculdade e tive que enfrentar fila para pagar com dinheiro. Depois, percebi que tinha perdido o cartão do ônibus. Não era mesmo o meu dia. Paguei a passagem e fui para o centro, perguntar no banco por que diabos ninguém tinha me ligado ainda para eu assinar o contrato. Usei toda minha simpatia e consegui sair de lá com o papel assinado. Ao voltar para casa, porém, nem pensava que o pior do dia estava para chegar. Passei pelo motorista do ônibus com a carteirinha de estudante que só começava a valer a partir de 1º de outubro, porque alguns amigos vinham fazendo o mesmo e nunca tiveram problemas. Obviamente, eu teria. Alguns pontos antes do meu, entraram duas mulheres uniformizadas conferindo os tickets de todo mundo. Frio na barriga. Tentei colocar na cara a expressão mais neutra e tranquila possível e entreguei a ela a minha carteirinha. Ela disse que não valia, eu me fiz de boba dizendo que não sabia, que eu era estrangeira e estava aqui a pouco tempo. Inútil. Fui multada em 40 euros: o ônibus mais caro da minha vida. Isso, Joyce, vai tentar burlar as leis em um país onde elas realmente funcionam! Vai tentar desafiar a Lei de Murphy, vai! Ai, que ódio! Voltei pra casa chorando de raiva e pensando em me enterrar no apartamento até a carteirinha de estudante começar a valer. Uma outra opção era ser uma pessoa a pé por alguns dias. Resolvi testar. Fui ao supermercado comprar pão andando. O caminho é lindo e verde, tem um lago e um parquinho de criança. Isso me ajudou a relaxar e colocar a cabeça no lugar. O mundo ia continuar conspirando contra mim se eu não mudasse de atitude, né?

Por isso, hoje vou dar uma volta por aí com o Kravchenko, tomar um café no fim da tarde e espairecer. Espero que, depois de pagar a multa e comprar um cartão novo de ônibus, a minha sorte vire e tudo volte a ser vibrante como o domingo em München. Sem perder o trem, claro.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Cabelos ao vento, aniversário e corte no dedo.

Ando procrastinando bastante. O meu pequeno apartamento se transformou, em três dias, em uma bagunça completa. Não consegui fazer o que tinha planejado - parece que tenho sérios problemas relacionados ao cumprimento de tarefas - e agora vivo em um ninho de roupas, cercada por papéis. Quem entrar aqui vai pensar que não saio de casa há semanas. É uma homenagem aos meus pais, que disseram sentir saudades da minha bagunça. O problema é que o menino que vende as fichinhas da máquina de lavar não estava em casa no meu único dia livre de aulas e eu acumulei roupa suja. Agora não tenho mais meias, o que significa que vou precisar lavá-las na pia (ainda entupida) do banheiro e pendurá-las no aquecedor. Com alguma sorte, segunda-feira elas estarão secas, já que o banheiro não tem janela. Ai, dá-me paciência!

Indo ao breve relato da semana, então, para não perder o costume. Terça-feira foi um dia especialmente agitado. Pegamos, à tarde, dois ônibus e um Bahn para ir a uma loja gigantesca, onde se encontra de tudo. Compramos todos os ingredientes necessários para fazer comida mexicana para o aniversário do Matt. Muito tempo de distração e horas perdidas babando nos produtos incrivelmente baratos, pegamos o caminho de volta e colocamos a mão na massa. Eu, nos tomates. Atônita com a minha repentina habilidade com a faca, grande, novinha e afiada, me distraí por um segundo e arranquei um tampão do meu dedo indicador. Não senti dor na hora e fui para a pia lavar. Não sei de onde saiu tanto sangue. Mesmo com água corrente, a pia ficou inundada e completamente vermelha e não tinha papel suficiente para estancar. Juro que não é exagero. Tanto que eu fui ficando bamba, suei frio e precisei de meia hora deitada para me recuperar. O Matt foi em casa buscar alguns band-aids para mim. Nem preciso falar que eu fiquei morrendo de vergonha por estar morrendo em uma situação tão boba, né? Quer dizer, os meus velhos amigos conhecem a minha fraqueza e frescura, mas os novos não precisavam descobrir assim. Depois que tudo passou, saboreamos o jantar, cantamos parabéns com cupcakes cobertos de chocolate e descemos para o bar do prédio. Não sei que espécie de agitação me ocorreu, mas me fez dançar por horas a fio sem parar. Meu sangue latino (ou talvez o parceiro de dança) me transformou em uma exímia dançarina de salsa e recebi até aplausos. Quando voltei para casa, custei a dormir. Meu dedo doía horrivelmente, pulsante e quente. Intuitivamente, enrolei nele um lenço de papel e fui deitar. Quando acordei, o papel estava agarrado e, mesmo recorrendo à água morna, doeu muito para tirar. NUNCA façam isso se cortarem o dedo ou qualquer outra parte do corpo. É como depilar uma ferida. Santa burrice.

Quarta-feira foi, então, dia de ir à farmácia e receber das mãos da vendedora um desinfetante de pia ao invés de antisséptico, porque eu falei uma palavra errada. Foi engraçado. Para que ela pudesse entender o que eu queria, tive que mostrar para ela o meu lindo corte preto de sangue coagulado, ainda com um pedaço de pele pendurado (perdoem a descrição excessiva. Juro que não é para impressionar). Fora isso, não fiz muita coisa. Na volta para casa, encontrei uma garrafinha de água sem gás com o meu nome, que foi basicamente o ponto alto do meu dia.

Ontem, no intervalo da aula, segui a sugestão que vocês me deram e fui puxar assunto com o tão aclamado australiano-da-meia-rosa-choque. Gente, foi a melhor ideia do mundo! Acabei descobrindo que ele é, na verdade, ucraniano e mora na Austrália há dez anos. Ele fala inglês com o irmão, russo com a mãe e ucraniano com o pai, em casa. Quão bizarro é isso? Ele é de fato uma figura muito interessante (ontem uma meia era azul e a outra vermelha) e voltei para casa na garupa da bicicleta dele. Doeu o bumbum, porque o assento era de metal, mas foi algo que eu jamais imaginaria ao acordar em uma quinta-feira fria e preguiçosa. Um novo amigo, muita conversa sobre cinema e fotografia e viagens ao redor do mundo. À noite fomos ao Coyote, para um encontro dos estudantes estrangeiros, e ganhei uma bebida em nome da Universidade. Bailey's Colada: vodka, abacaxi, Baileys, creme de coco e creme de leite. Bebi rápido e logo engatei numa conversa longa com o Vladimir (o australiano), com o Matt e um cara do Cazaquistão. Fui embora cedo, para dar conta de acordar hoje a tempo de ir para a aula.

7 horas da manhã. Joguei a mão pesada no celular e, ao invés de selecionar "soneca", desliguei o despertador. Acordei, então, no susto, às 7:40, faltando 20 minutos para o ônibus passar. Virei um copão de leite, coloquei a primeira roupa que vi pela frente e sai correndo. Peguei o ônibus imediatamente e, com sorte, cheguei antes da professora. A aula hoje foi bem estimulante e eu fiquei feliz de não ter cedido à preguiça e à cama quentinha. Agora cá estou eu, ainda enrolando para arrumar mala e lavar a louça e os cabelos. Tudo que tem sabão tem me causado arrepios desde terça-feira, por causa do corte fundo no dedo. Como não pretendo aderir ao hábito europeu de não tomar banho todos os dias, tomo o meu com o dedo esticado para cima. É ridículo. Pareço criança.

Daqui a pouco saio para buscar o Ye, chinês do terceiro andar, para irmos juntos ao centro buscar um colchão na casa do Kravchenko (ou Vladimir) para eu dormir no apartamento da Michelle. Hoje vamos todos - eu, ela, Matt, Luke e John - dormir nos 16m² dela, porque amanhã cedo, precisamente às 4 da manhã, partimos para Munique, rumo ao Oktoberfest. Ela mora perto da estação e nós, da casa da floresta, não temos ônibus antes das seis da manhã. Acho que vai ser, no mínimo, divertido, apesar do desconforto. Mas, antes de dormir, vamos ao Brasil Nativo, bar brasileiro que vende coxinha de frango e guaraná. Hoje tem MPB ao vivo. Vocês podem imaginar a alegria da criança aqui. Bom, até segunda, quando voltarei com histórias recheadas de cerveja, Glühwein e salsichão (mesmo que dois desses ítens não pertençam à minha dieta).

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Começo das aulas e energias negativas.

Os últimos dias foram bem corridos, exceto por domingo, que foi quando eu, de fato, dominguei. Fiquei em casa o dia inteiro, cozinhei, vi filme e comi cookies enquanto caia uma tempestade linda lá fora. Muitos trovões e relâmpagos, muita água contra o vidro e, depois, o ar fresco delicioso que traz o cheirinho da terra e da floresta para o meu quarto. Confesso que não sei bem o que contar sobre o resto do fim de semana, porque não quero que vocês fiquem cansados de tanto ler chatice cotidiana. Afinal, aqui tenho uma rotina tão entediante como qualquer outra, afora alguns episódios interessantes. Vou procurar me ater a eles.

Sexta passada foi sinistra em todos os sentidos que vocês conseguirem atribuir à palavra. O dia começou bem, com duas aulas legais de escuta e leitura. Ambas as professoras são pessoas muito disponíveis, competentes e extremamente sorridentes. Vamos ter que ler mil coisas e escrever mais ainda. Depois de momentos constrangedores e dinâmicas de apresentação em grupo, conheci uma bielorrusa, um romeno, mais dois búlgaros, muitos chineses, dois camaroneses (?), uma tailandesa e, até que enfim, um brasileiro. Se sei o nome de todos eles? Basta me imaginar tentando pronunciar, na tonalidade certa, o nome dos chineses para saber a resposta. E o pior é que todos eles me chamam pelo nome. Ainda me acostumo.

À tarde se abateu sobre mim um cansaço esquisito, um peso nos ombros. Mesmo assim teimei em sair à noite, porque o Johnathan me convidou para jantar com um amigo dele e o Matt disse que me ligaria mais tarde para nos encontrarmos. Chegando no lugar combinado, esperei por algum tempo e pensei que tinha levado bolo. Fui passear pela cidade, sem saber o que fazer. Acabei voltando depois de uma hora para o ponto de encontro e eis que chegam os dois atrasados. Meu humor só piorou quando fomos comer um Döner do outro lado da cidade e fomos perseguidos na rua por vários turcos bêbados, que me convidaram para ir ao Mc Donald's e me jogaram cantadas inaceitáveis. E nada de o Matt ligar. Já estava no ponto de ônibus para voltar para a Waldhaus, quando ele ligou. Fui para onde os americanos estavam e não aguentei ficar nem meia hora, tamanho o cansaço. No ônibus de volta para casa, alguém apertou acidentalmente o botão de parada e, como ninguém desceu, o motorista desligou o ônibus, se levantou e disse com a cara mais demoníaca já vista: "tem alguém apertando o botão toda hora sem descer. Vou deixar vocês esperando sete minutos para ver se vocês aprendem". E então ele simplesmente desceu do ônibus, de madrugada, e fumou um cigarro durante exatos sete minutos. Negativa como eu estava, previ meu sequestro por um motorista maluco e meu coração faltou sair pela boca. Quando finalmente desci do ônibus, estava ainda paralisada e, de repente, me vi sozinha na estradinha que cruza a floresta, escutando os besouros azuis e observando lesmas mortas pelo caminho. Eu tinha a impressão de estar sensível a tudo. Ao vento, aos insetos, ao movimento sinistro da floresta de madrugada. O ar gelado não me deixava respirar direito e começou a chover forte. Mais uma noite, cheguei completamente molhada em casa. Ainda não sei como não adoeci.

Sábado o dia amanheceu esbanjando calor e raios de sol e segui em direção à estação, onde me encontraria com a Michelle, o Johnathan e o Kevin. Pegamos o Bahn e fomos para a cidade da França que faz fronteira com Saarbrücken. Ainda estava pesada pelo cansaço do dia anterior, mas consegui aproveitar o passeio. A cidade, Sarreguemines, é uma gracinha e limpou a minha mente. Foi fantástica a sensação de pisar em um pedacinho da França e em outro da Alemanha ao mesmo tempo. Fomos a um museu de porcelana e cerâmica, que abriga um lindo jardim de inverno e uma estátua de um cara que não consegue lamber o cotovelo. Coitado. Fora isso, passeamos pelo rio, vimos algumas construções interessantes e eu consegui pedir a minha comida em francês.




Voltando para casa, dormi um pouco e quase me esqueci de que tinha convidado várias pessoas para ir à boate. Nos encontramos antes da casa do Luke e fomos. Arrependimento. A boate é grande, as pessoas estavam super animadas e a música era razoável, para padrões de clubes noturnos (o que não é lá minha praia). Mas algo muito errado aconteceu: eu comecei a pensar demais. Pensei na razão que leva as pessoas a ficarem completamente fora de si, pensei no porquê de tanta bebedeira e de danças públicas de acasalamento e comecei a ficar com nojo. Eu simplesmente não conseguia relaxar. Quis ir embora, mas não queria estragar a festa dos meninos, que estavam dançando loucamente. Esperei um pouco, dancei de um lado para o outro, fui ao banheiro mil vezes para me livrar da música e das pessoas suadas e, por fim, me joguei em um sofazinho para descansar. Lá pelas duas e meia, o John também quis ir embora, o que me deixou muito satisfeita. Fomos eu, ele e o Luke, mais uma vez a pé. Dessa vez, o caminho era mais longo e eu já não aguentava mais a conversa dos dois, que discordavam sobre a direção de casa e tentavam se convencer de que não estavam bêbados. Fui, então, calada para casa, pensando mais um pouco em coisas que não deviam nem visitar meus pensamentos. Dormi muito mal, tive pesadelos e acordei ensopada de suor. Acho que preciso de uma sessão de descarrego.

Hoje acordei melhor e cheguei cinco minutos atrasada na aula, por ter perdido um ônibus. Preciso encontrar um jeito de aprender a acordar mais cedo. A aula foi divertida e os dois professores de hoje são ótimos. Um é super sério, mas usa exemplos fantásticos para explicar gramática. O outro é uma piada e fica apontando uma vara para a gente enquanto levanta as sobrancelhas. Não é o caso de ter medo. A coisa se tornou ainda melhor quando recebemos um colega novo, australiano. Ele usava meias rosa-choque e ri sozinho. Vou tentar conversar com ele amanhã. À tarde fui ao centro para comprar um ferro de passar roupas e acabei voltando para casa com uma torradeira. Preciso me concentrar.

Amanhã vamos cozinhar um jantar de aniversário para o Matt e depois iremos para o Heimbar aqui no prédio. Sorte que quarta-feira é meu dia livre e eu posso dormir até a hora que eu bem entender, porque disso eu já sinto falta. Enquanto essa semana voa, aguardo ansiosamente pelo fim dela, que é quando iremos ao Oktoberfest. Ein Prost!




quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Sobre o medo de porcos selvagens.

Como a chuva recomeçou repentinamente há cinco minutos e eu fui forçada a cancelar minha tão esperada caminhada pelas trilhas da floresta, venho aqui (com as cortinas abertas para a vista bonita que é a chuva entrecortada por raios de sol) contar o que se passou depois que o meu drama foi embora.

Os planos de ir ao cinema se concretizaram. Saí um pouco mais cedo de casa, passeei pelo centro e comprei algumas coisas de que estava precisando. Dentre elas, selos. Céus, que coisa cara! Não consegui nem disfarçar a cara de estudante falida quando o moço do correio me falou o preço das cartas para o Brasil. Ele deu uma risadinha e disse: "ninguém mandou morar tão longe". Deu vontade de mostrar a língua, sair correndo e deixar os selos pra trás. Felizmente, a sanidade mental me socorreu, eu paguei em um contentamento descontente o que devia e ri junto com o moço. O que há de se fazer? Como eu poderia me privar de imaginar os sorrisos de vocês ao abrir a caixa de correio de manhã e haver algo que não seja conta de cartão de crédito? Isso é impagável. Por isso, abdico de alguns luxos para escrever a vocês sem problemas.

O cinema. Então. Fui eu sozinha e chuvosa, rumo ao tão esperado cinema. Não sabia onde ficava, por isso andei bastante até encontrar. Mesmo assim, cheguei muito antes do horário de abertura do lugar e fiquei plantada na porta, tentando enxergar alguma coisa lá dentro - mas, dessa vez, com guarda-chuva. Me senti uma criança em dia de Natal ou em dia de lançamento do livro novo do Harry Potter. Quando o moço gordinho apareceu para abrir a porta de vidro, eu sorri de orelha a orelha e ele não sorriu de volta. Problema é dele. Comprei meu ingresso e, viva de expectativa, entrei na sala de cinema mais esquisita que já vi. As cadeiras são dispostas central e lateralmente, sendo que alguns assentos estão na diagonal. O teto era repleto de lâmpadas elípticas e coloridas e tinha um bar (fechado) lá dentro. Tentei me sentar na fileira diagonal para ver como era, mas a simples ideia de não olhar diretamente para a tela machucou os meus olhos. Confortavelmente assentada em um lugar tipicamente brasileiro, uma surpresa: a Michelle apareceu para me fazer companhia. Achei que ninguém iria, porque ninguém tinha respondido minha mensagem. Nós não entendemos uma frase completa do filme, mas, como boas leitoras de imagens, rimos bastante. O filme era Kindsköpfe (esse novo com o Adam Sandler que está em cartaz aí também). Os filmes aqui são todos dublados em alemão, assim como todos os programas de TV. O que eu não sabia era que a voz dos dubladores era parecida com a voz dos atores. Eu podia jurar que era o próprio Adam Sandler falando em alemão. Fantástico. E sincronizado.

Depois do cinema, fomos para a casa do Luke. Ele tinha acabado de explodir um frasco de detergente na cozinha e pediu para que voltássemos dali a meia hora. Fiquei fazendo hora em casa e, quando vi, estava bastante atrasada. Chegando ao jantar, todo mundo já tinha comido, então eu tive que enfrentar aquele momento constrangedor em todos te observam enquanto você come. Fora isso, foi divertido. Os americanos queriam que eu mostrasse música brasileira e, quando coloquei Chico e Caetano, eles pediram por algo mais agitado. E aí uma cena inusitada se pintou: eu mostrei axé, pagode, samba e funk para eles. Preciso falar que eles adoraram o funk carioca e que todos sabiam o "parapapapapa" de Tropa de Elite? Eu mereço. Depois, para me fazer rir mais ainda, aprendi uns passos de salsa.

Ontem de manhã a Gabi veio me buscar em casa para irmos ao banco. Abri uma conta e depois passeamos no centro, onde eu achei uma loja em que tudo é vendido a 1 euro. Comprei alguns utensílios de cozinha e um porta-retrato. Agora tenho meus pais, meu irmão, a minha avó, a Taiga, o Gabriel e o Carvalho na parede perto da minha cama. Além disso, ganhei um vaso de planta, então meu apartamento já ganhou uma carinha melhor. À tarde, depois de almoçar um macarrão parafuso de espinafre com molho de queijo e cenoura no Mensa, fui buscar meus resultados da prova de nivelamento. Logo na entrada do prédio, o Johnatthan (o menino que não falou comigo na fila, lembram? Já conheci) estragou a surpresa e disse que eu tinha passado pra turma IId. É a penúltima, uma antes da mais avançada de todas. Fiquei TÃO feliz! Agora tenho muito o que estudar, para tirar o DSH, que é um certificado requisitado para estudar em qualquer universidade alemã. Mesmo que eu não vá ficar por aqui, é uma meta boa e o aprendizado vai ser muito. À noite me encontrei com Matt, Luke e Michelle para irmos ao Heimbar da Universidade. Fomos os primeiros a chegar, mas com o tempo o lugar foi enchendo, as pessoas foram bebendo até sentirem liberdade para dançar. Dançando até uma e meia da manhã, nos esquecemos que os ônibus já tinham parado de passar. Resultado? Caminhada de meia hora de volta para casa. Na chuva. No frio. No escuro. Na floresta. Foi muito divertido, apesar de eu ter ficado aguardando a hora em que um porco selvagem saltaria do meio do mato para me fazer em pedacinhos. Cheguei segura em casa e foi a melhor sensação do mundo me secar e deitar na cama quentinha.

Hoje o dia amanheceu ensolarado, com pancadas de chuva esparsas, como diria o Jornal Nacional. Fui à primeira aula, que não passou de uma explicação sobre como será nosso semestre no curso de alemão. Já vou ter duas semanas de férias em Outubro, que é quando eu vou para Barcelona (passagem comprada!). No final da tarde o Charly veio aprender português e trouxe consigo uma caixa cheia de pastas e organizadores, um furador de papel, muitos clips, mais tábuas de cozinha e talheres, três taças e uma garrafa de vinho, além de um poster para colorir minha parede. A Gabi não podia ser mais atenciosa comigo.

Por fim, como vocês podem perceber, estou bem. As coisas começam a melhorar e eu finalmente estou conseguindo me distrair. No mais, afirmo que receber um email pela manhã faz toda a diferença do mundo. Obrigada.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Dependência do Brasil e prova de alemão.

(Um aviso: os dois primeiros parágrafos deste post são completamente melancólicos e reclamões. Porque foi assim que fui dormir e foi assim que eu acordei. E, no momento, não tenho com quem desabafar)

Todos as noites, durante a noite inteira, a geladeira faz ruídos estranhos e, na hora que eu acordo, ela solta um som idêntico ao relinchar de um cavalo e para de resmungar. Agora me pergunto se é mera coincidência ou até a geladeira está fazendo hora com a minha cara. Sem brincadeira, já não era suficiente o entupimento teimoso do sifão da pia do banheiro ou a água quente que acaba em plena tentativa de relaxamento durante o banho? Como se não bastasse o complô dos eletrônicos, elétricos e hidráulicos, hoje o dia resolveu amanhecer completamente cinza. Eu podia acreditar que estou em Londres ou que passou um dementador pela Alemanha enquanto eu dormia e sonhava com coisas tão boas. Hoje é um daqueles dias em que eu queria ter continuado na cama para não precisar acordar de um sonho bom. Agora chove lá fora e eu não tenho sombrinha, capa de chuva nem uma sacola de supermercado para enrolar na cabeça. Tenho um livro do Startrek em alemão que ainda me é ilegível, mas não tenho um guarda-chuvas! Inteligente, não?

Vou fazer de tudo para ignorar a chuva e sair para ir almoçar e depois ir ao cinema, conforme planejado. E então, quando eu voltar, espero ter de volta os meus amigos e a minha família, que o sete de setembro me roubou e não quer devolver. Porque só assim vou conseguir aproveitar o jantar mexicano na casa do Luke e o Heimbar mais tarde. Porque só assim vou poder recolorir o céu cinza lá fora. Só assim vou me recobrar dessa dependência das pessoas que me são amadas e que estão a muitos e muitos quilômetros de distância.

Agora, um relato objetivo e livre de drama (psicológico).

Ontem fiz a prova de nivelamento de alemão. Chegando lá no Studienkolleg, havia mil asiáticos, dois africanos e alguns americanos que eu já conhecia. Meia hora de tensão e espera e, finalmente, a notícia de que teríamos que pagar 15 euros pelo xerox do semestre inteiro. Aparentemente, eles esqueceram de avisar e alguns estudantes, constrangidos, tiveram que dizer que não tinham dinheiro ali, naquela hora. Por alguma sorte, eu sou neurótica e, quando não esqueço a carteira em casa, tenho sempre dinheiro e cópia do passaporte, para o caso de eu ser presa ou deportada ou até mesmo de ficar perdida em terras teutônicas.

A prova, no geral, estava absurdamente difícil. Cinco anos estudando não foram suficientes para que eu pudesse preencher com tranquilidade a parte de gramática. Fiquei com pena sincera de alguns que faziam cara de interrogação a cada frase e foram saindo aos pouquinhos, cabisbaixos, sem conseguir resolver a prova. Eu fiquei até o final e, apesar de tudo, me diverti fazendo a prova. Era algo útil em que se pensar e fazia muito tempo que eu não precisava escrever em papel. A parte de compreensão de leitura foi tranquila e eu adorei ter que escrever as respostas em longas linhas, em três páginas. Sei que parece o cúmulo da nerdice, mas é, na verdade, o cúmulo da falta do que fazer.

O resultado sai amanhã e as aulas começam quinta-feira. FINALMENTE. Acho que só assim vou ter uma chance de ocupar verdadeiramente a minha cabeça, para não ver o passar pesado dos dias. Por enquanto, planejo minha viagem das férias de outono. Barcelona e Ibiza. Museus enormes, vida cultural e noturna pulsantes e praia, para me despedir e me preparar para um longo inverno (quando já terei comprado jaquetas impermeáveis e guarda-chuva).




OLHA SÓ! Parece que meu protesto escrito funcionou muito bem. São Pedro desligou a torneirinha e, apesar de o céu ainda estar repleto de nuvens escuras, vou me arriscar a sair. Até escuto um passarinho cantando lá em baixo, na floresta! É som de esperança, mesmo que de esperança de ouvir notícias do Brasil.


sábado, 4 de setembro de 2010

Multa em Trier e bizarrices.

Acabei de cozinhar pela primeira vez aqui. Fiz arroz e salada de alface, tomate e queijo camembert. Vale ressaltar que é muito difícil fazer arroz para uma pessoa só e que, por isso, ele ficou empapado e salgado. Além disso, a verdura que eu assumi ser alface estava rotulada simplesmente como "salada" no supermercado, então desconfio que não seja alface, mesmo. Fora isso, foi bom comer algo leve que passasse longe de ser batata ou macarrão. Agora só preciso me lembrar de comprar azeite e orégano, que é pra ficar mais parecida com a salada de casa.

Afora a empreitada culinária, escrevo hoje para contar que ontem fui ao centro à noite com o pessoal que conheci aqui na moradia. Fomos ao Coyote, bar bem popular por aqui, para jogar conversa fora e quebrar o clima de constrangimento que pairava no ar, digno de pessoas que se veem pela primeira vez. Por incrível que pareça, eu era a mais tagarela. Quando o silêncio reinava, eu puxava assunto com qualquer um, sobre qualquer coisa e a qualquer momento. A cerveja ajudou a desinibir o búlgaro e os americanos. Os outros nem precisaram de álcool, incluindo eu mesma. No meio da noite, decidimos mudar de bar.


No caminho, nos deparamos com uma banda bastante incomum. O visual era meio cigano, os instrumentos eram exóticos, o que incluía um cara tocando serrote. SERROTE. Ele dispunha a ferramenta entre as pernas, como um violoncelo e se beneficiava de uma vibração frenética dos músculos para produzir um som lindíssimo. Fiquei, no mínimo, meia hora parada lá, no meio da praça, boquiaberta. Enquanto isso, meus coleguinhas internacionais conversavam e nem prestavam atenção na maravilha que estava ali, logo ao lado. Acho que eles estão tão acostumados com os músicos de rua que isso não os toca mais. Eu, por outro lado, olho tudo com a ingenuidade de quem nunca esteve fora do país, com olhos sedentos por novidade. Eles acharam a banda esquisita demais e disseram que ninguém compraria os CDs. Eu compraria, se não tivesse esquecido minha carteira em casa.


Depois disso, entramos em um outro bar, o Langenfeld. Era super elegante e nada parecido com o público do Coyote. Obviamente, muito mais caro. De qualquer forma, isso não foi empecilho para nós, universitários desinibidos - alguns naturalmente, outros com ajuda etílica. No meio do bar, eis que começamos um show de bizarrices. "Ei, eu consigo lamber o cotovelo, olha" (sim, essa sou eu). Aí o americano responde: "Eu desloco esse osso das costas" e TIRA A CAMISA em pleno restaurante. Depois de muitos dedos contorcidos e línguas dobráveis beneficiadas pela genética, foi só alegria. Tenho muitas fotos, obviamente impublicáveis, dessa noite. Todos com a pior careta possível. No final das contas, depois de ter ganhado fama de tequila lover sem ter bebido uma tequila sequer, nós parecíamos velhos amigos. Voltamos para casa andando, em uma caminhada tranquila de meia hora, com um vento frio no rosto e uma sensação boa por estar finalmente indo me aconchegar na cama.



O dia de hoje começou com um convite inesperado no ônibus a caminho do centro, ontem. O Styben me convidou para ir a Colônia com ele hoje, para uma festa grande a céu aberto que duraria o dia inteiro. Eu, sem pensar duas vezes, disse que iria. Mas nós ainda não sabíamos como. Foi então que o Ivan disse que tinha vindo para a Alemanha dirigindo. 20 horas de viagem a partir da Bulgária. Isso significava que ele tinha um carro e, felizmente, estava doido para conhecer outras partes da Alemanha. Em um instante, acordo feito. Iríamos a Colônia no dia seguinte.

Eu fui dormir com a sensação de que essa viagem não aconteceria. Não sei se porque tinha sido tão repentina a ideia ou se porque eu estava com medo de viajar com duas pessoas que eu mal conhecia. Premonição correta, já que minha intuição não costuma falhar. O problema, porém, não foi nenhum dos previstos: dormimos todos até muito tarde e quase não daria tempo de aproveitar, porque o destino era distante. Em um minuto, resolvemos mudar a rota e ir para Trier, a cidade mais antiga da Alemanha. Nenhum de nós sabia como sair de Saarbrücken, mas depois de muito perguntar, errar caminhos e dar voltas, conseguimos encontrar a Autobahn. Sempre em frente, diziam todas as placas. Trier estava logo ali, a 97 km de distância apenas. Em uma hora chegamos ao rio Mosel, que é enorme e lindo. Pouco tempo depois, visumbramos uma cidade linda e repleta de turistas.

A aventura continuou quando nós, estrangeiros perdidos e despercebidos, entramos de carro em uma zona exclusiva para pedestres. Como a Lei de Murphy nunca falha, um policial nos parou e o Ivan levou sua primeira multa desde que tirou carteira. Foi triste. Depois procuramos muito por um estacionamento e não encontramos. Resolvemos, então, parar o carro no estacionamento do hospital. E, para completar a cara de pau, entramos no hospital só para usar o banheiro. Quando os ânimos se acalmaram, nos dirigimos à tal zona de pedestres e eu comi um Subway especial para crianças. Era grande o suficiente para mim e vinha com um brinquedo, um cookie e um saquinho de balas. Os meninos morreram de rir da minha felicidade por uma coisa tão pequena.

Estômago satisfeito, iniciamos a nossa empreitada de procurar pontos turísticos, já que nenhum de nós sabia o que tinha em Trier além da Porta Nigra, portal construído pelos romanos em 200. Sem nem precisar pedir informações, nos deparamos com um palácio imenso com um jardim maravilhosamente florido. Nos sentamos ali por alguns minutos e tiramos algumas fotos (com o celular, porque a babaca aqui fez o favor de esquecer a câmera em casa). Em seguida, fomos à catedral. Empolgados com o fato de que "catedral" é dita da mesma forma em português, búlgaro e espanhol, nem imaginávamos a imensidão que aquela construção representava. Mais uma vez, fiquei boquiaberta. Literalmente. Fiquei alguns minutos parada, olhando para o teto tentando entender a genialidade do ser humano. A catedral é um monstro em tamanho e em beleza. Nela estão calabouços, um órgão enorme e muitas esculturas finamente trabalhadas. Nenhuma foto conseguiria representar a sensação que tive ao entrar ali.

Depois de me impressionar muito com tudo, digo que com certeza volto lá para tirar fotos decentes, porque o lugar merece. De lá, Ivan, Styben e eu trouxemos planos de dirigir até Paris e, finalmente, Colônia. Provavelmente iremos juntos ao Oktoberfest, em Munique.

Enfim, algo que se assemelha a um lar.





sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Diários de uma doninha de casa

Curiosamente, o assunto desse post coincide com o que a Taiga comentou no último: "Tô sentindo um silêncio que eu espero ser das ocupações de uma dona de casa... Beijo (curiosa e apressada) [quem mandou me acostumar mal?]". De fato, a última semana foi verdadeiramente pesada e eu mal tive tempo para respirar. Infelizmente, escrever não pode substituir as tarefas domésticas nem se sobrepor a elas. Pelo menos agora, no começo. Tento resumir, então, o que aconteceu nos dias que antecederam à mudança de casa e depois disso.

Segunda-feira - 30 de agosto
Acordei feliz e cheia de planos. Queria passear pela cidade, ir ao cinema, fazer as unhas, planejar aulas e descansar. Nada de extravagante, mas mesmo assim não foi possível. Aproveitei uma carona da Gabi para ir ao supermercado e comprar as coisas básicas que precisaria para o meu apartamento novo. E lá fomos nós: a Gabi ao supermercado e eu, em direção ao óbvio mas desconhecido. Eu não fazia ideia de que produtos escolher. Nunca tinha precisado, por exemplo, comprar produtos de limpeza para cozinha e para o banheiro. Ainda mais em alemão. Depois de muito tempo rodando o supermercado a procura de algo que eu não sabia bem o que era, comprei panos, vassoura, pá, sacos de lixo, desinfetante, limpa-vidros, amaciante, sabão e tudo o mais. Mas fiquei mesmo querendo comprar a estante de doces inteiras. Precisei me segurar muito para não me render aos preços baixos das delícias alemãs. Voltei para casa cansada e pensando em talvez realizar os planos frustrados no dia seguinte.

Terça-feira
Se eu consegui realizar tais planos? Bobagem. A Anna combinou com o Christian de me buscar às três da tarde para irmos juntas à Universidade, para eu finalmente ver o ambiente e conhecer a localização dos prédios. O prédio que equivale à Faculdade de Letras é bem antigo e fica perto do de música. Espero ouvir um som de piano ou violino quando as minhas aulas estiverem chatas! Fomos também ao Mensa, o que seria o nosso querido e temido Bandejão da UFMG. Mas, gente, o negócio é tão enorme que parece um shopping! Na porta do Mensa, porém, uma visão triste: flores e bilhetes para uma estudante que foi assassinada pelo namorado semana passada. E eu, iludida pelo estereótipo do primeiro mundo, pensava que por aqui essas coisas não aconteciam! Bom, depois de muita andança e sol na cabeça, resolvemos que era melhor voltar para casa. A Anna me levou de volta e entrou para me mostrar alguns links úteis no site da Universidade. Ela e a Gabi se sentaram no sofá e desembolaram a falar sobre mim em Saarländisch. Ou seja, não entendi nada do que elas estavam resolvendo POR mim. No começo, achei fantástico que alguém pudesse ser assim tão disposto a ajudar, mas depois me senti deixada de fora da resolução das minhas próprias pendências. Fui dormir muito cansada e irritada por causa disso. Eu precisava tomar as rédeas, porque moraria sozinha a partir do dia seguinte, afinal.

Quarta-feira
Dia de mudança e muita papelada! Charly me levou à Universidade para que eu pudesse assinar os documentos finais e pegar as chaves do meu apartamento. Fui pulando de sala em sala, conhecendo todas as figuras importantes do escritório internacional e assinando mil coisas. Adquiri, por um preço bem compensador, um ticket de ônibus que vale até as férias da Universidade acabarem. Aí é só entrar no ônibus, mostrar esse ticket e passar. Mal sabia eu que precisaria tanto assim dele. Depois de toda burocracia, o apartamento. É muito mais bonitinho do que eu imaginava. O quarto tem uma cama com travesseiro e cobertor, uma escrivaninha grande, uma estante, um guarda-roupas, um frigobar. A cozinha é minúscula, com uma pia, um fogão de duas bocas (daqueles de acampamento) e um armarinho. O banheiro é bom também, mas a pia vive entupida. Preciso resolver isso rápido, antes que eu alague o banheiro todo. Me mudei, então, na tarde de quarta-feira. Ainda bem que o Christian me ajudou a subir com as malas e compras. Quando começou a anoitecer (veja bem: não disse escurecer, porque o sol nos sorri até às 20h30), desci com meu notebook para procurar o técnico da internet. No andar térreo, encontrei um menino com cara de perdido e um computador idêntico ao meu na mão. Ele me olhou assustado e soltou algumas palavras em inglês. Ele achava que a internet estava com problemas, quando, na verdade, ele só precisava se inscrever com o técnico, como eu. O problema foi: eu simplesmente NÃO CONSEGUI falar inglês. Gaguejei, misturei tudo com o alemão, incluindo palavras e estruturas gramaticais. E o pior foi quando ele me perguntou sobre o meu trabalho: professora. De INGLÊS. Foi um desastre e eu quis chorar de raiva e frustração. No final das contas, consegui falar com ele, que vem da Bulgária, em alemão e ele achou a maior graça na minha confusão. Internet instalada, subi para o meu apartamento (que fica no sétimo andar, Katze), lavei todas as louças, limpei a cozinha e o banheiro. Depois, enquanto tomava banho, a água quente acabou de repente e eu tive que lutar pela minha sobrevivência. Não foi fácil escapar da morte por hipotermia. Minhas unhas e meus lábios ficaram roxos e minha cabeça congelou, como quando a gente toma milkshake gelado muito rápido. Enrolada no cobertor, dormi. Pela primeira vez, completamente sozinha na Alemanha.




Quinta-feira.
Acordei relativamente cedo e fui para o ponto de ônibus, em direção ao centro de Saarbrücken. Precisava me registrar na Polícia e tirar fotos para o visto. Totalmente perdida, tive que perguntar a algumas pessoas como chegar onde eu precisava ir. O engraçado era que cada um me direcionava para um lugar diferente e, no final das contas, a Polícia não ficava em nenhum desses lugares que me eram sugeridos, mas do lado do ponto de ônibus onde desci. Raiva. Foi tudo bem tranquilo, consegui me comunicar e convencer a mocinha de que eu não era uma brasileira mal intencionada. Enquanto esperava minhas fotos ficarem prontas, dei uma voltinha pela Diskonto-Passage, que é uma galeria subterrânea cheia de lojas legais. Lá, entrei em uma loja enorme que tinha de tudo desde artigos de cozinha, passando por roupas, até chegar em... papelaria. Ai, por que papelarias precisam ser tão deliciosas? Eu quis comprar tudo, mas acabei levando só uns envelopes, papéis de carta e canetas, já que eu agora tenho um endereço fixo e posso escrever cartas! Andando mais um pouquinho, não resisti e comprei um livro baratíssimo do Star Trek e uma agenda do Pequeno Príncipe. Voltei, então, para casa, deixei as compras e rumei para o Mensa da Universidade para almoçar. Fiz tudo errado: entrei na fila errada e ainda por cima sem pagar. A moça que servia a comida viu que eu estava perdida e me ensinou como fazer. Depois de algum constrangimento, me sentei à mesa naquele lugar imenso, com um igualmente imenso prato de espaguete. Molho de queijo com cogumelos, bem gostoso. Além disso, uma salada de alface e uma sobremesa horrível, que eu não sei o que é. Era comida demais e eu não aguentei comer tudo. Decidi, então, desistir desse PF de todos os dias e comer no self-service do Mensa. É um pouco mais caro, mas pelo menos não preciso jogar comida fora. À tarde, enfrentei uma fila lotada de chineses e coreanos para fazer matrícula. Foi muito triste perceber que todos estavam enturmados demais para tentar puxar assunto comigo. Mais triste ainda foi ver que tinha um cara sozinho na minha frente, calado, que me olhou mas não falou comigo. Depois de cinco minutos, chegou outro e eles se olharam. Um disse: "English?" e o outro respondeu: "Français". Eles se apresentaram e começaram a conversar em francês, me ignorando. Voltei para casa chateada por não ter conseguido conversar com ninguém, apesar de estar disposta. Precisei então de muito incentivo do Marcos e da minha mãe para largar o computador e ir desfazer minhas malas. Arrumei o armário todo e, à noite, fui para o Heimbar - uma espécie de barzinho que tem aqui no meu prédio mesmo, para os estudantes. Chegando lá, estava meio vazio, porque ainda é período de férias. Esqueci o episódio de solidão da tarde, chutei o balde e já cheguei lá cumprimentando todo mundo e me apresentando. Conheci um peruano que trabalha com os estrangeiros aqui, além de ser professor de danças latinas. O que vocês acham, me arrisco a fazer aula de salsa? Além dele, conheci alguns alemães - um deles era a cara do Chris Martin do Coldplay e o outro do Michael Pitt - e um turco bem tagarela. Eles foram legais e o peruano quase morreu de felicidade ao saber que tinha alguém com quem praticar o português. Eu bebi um Schweppes de limão amargo, muito forte, por 50 centavos. As bebidas são muito baratas no Heimbar e acho que é por isso que ele existe.

Sexta-feira
Depois de tomar um café da manhã sem café (ainda não tenho coador), empunhei a vassoura, varri tudo (como se fosse grande), tirei poeira dos móveis e arrumei a cozinha. Almocei com o Styben, o peruano, e um amigo alemão dele no Mensa. Dessa vez, comida mexicana. Tinha nachos con chili sem carne e uma salada de cenoura. E a sobremesa estava razoável. Depois do almoço fomos direto ao supermercado, onde conheci três americanos que também moram no prédio. Foi um alívio conseguir falar inglês de novo, mesmo que devagar e ainda pensando em alemão. Hoje à noite vamos sair todos, os americanos, o peruano, o búlgaro e eu. Vamos a algum bar conversar um pouco, sem muita bagunça.

O diário fica por aqui, porque vocês não merecem ficar lendo todos os detalhes dos meus dias de dona de casa. Por enquanto, nada muito divertido aconteceu e eu ainda não consegui sair da cidade. Vou planejar alguma viagem curta aqui por perto para ter o que contar e o que viver.