quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Os magiares de Budapeste.

Paris é amor. Budapeste é sexo. Foi essa a conclusão a que cheguei depois de muito perturbar a minha mente com uma decisão completamente desnecessária sobre qual cidade teria me encantado mais. Elas são complementares. Então me encontrei no direito de não escolher e de simplesmente amar as duas. E ainda vem Praga pelo caminho!

Uma aventura. A maior de todas até agora. Dinheiro diferente, língua estranha. Pela primeira vez, o destino escolhido era exótico a ponto de eu me sentir analfabeta. Depois de muitos tutoriais no youtube e da ajuda do vizinho húngaro para aprender pelo menos um "obrigada", fomos eu e a Tai em uma viagem que durou nada menos que 19 horas: duas de trem, dezessete de ônibus. Alguns sonhos estranhos e posições desconfortáveis depois, acordei em terras magiares. A primeira paisagem que meus olhos embaçados me possibilitaram enxergar foi um campo imenso, com uma árvore de galhos já secos bem ao fundo, enquanto o sol nascia. Ainda não era Budapeste, mas já era a Hungria (ou a Hungária, como eu fiz questão de errar durante toda a viagem). E eram, de fato, magi-ares. Paramos pouco tempo depois em um restaurante na beira de estrada e o estranhamento foi imediato. Deu vontade de comprar revistas e DVDs só para nunca me esquecer daquela língua.

Pouco tempo depois desembarcamos no nosso destino: a rodoviária de Budapeste. Descemos do ônibus sem rumo, sem entender uma placa. Conseguimos, por fim, nos comunicar para descobrir onde era o metrô e, repetindo cuidadosamente as frases inscritas no papelzinho rascunhado pelo Tibor, meu amigo húngaro, compramos os tickets no guichê. Todo mundo achava muito engraçada a nossa tentativa de falar a língua local - mas nem adiantava tentar apelar para o inglês, porque eram poucos os que falavam.

Chegando no hostel, uma surpresa fantástica! Era, definitivamente, o melhor hostel da cidade. A decoração da cozinha e da sala de estar era peculiar: o trombone era, na verdade, uma luminária e, ao lado dele, uma mesinha de bar com duas cadeiras e um chapéu - dependurados na parede, assim como a torradeira. É difícil descrever, mas talvez uma foto se ocupe do trabalho. O quarto, que custou uma pechincha, era só para nós duas e tinha uma decoração deliciosa, assim como os banheiros, que tinham aquários iluminados. Desde o começo soube que Budapeste seria o meu spa, em meio a tanto estresse. Depois de um cochilo e um banho revigorante olhando os peixinhos, colocamos o nariz para fora do hostel e descobrimos que o prazer dos dias vindouros seria simplesmente andar pela cidade, respirando aqueles ares, olhando o céu azul e curtindo o vento que vinha do Danúbio. A atmosfera pacífica da cidade se choca com o ar de seus habitantes. Chegamos juntas à conclusão de que todas as pessoas de lá são incrivelmente sensuais. No olhar, no jeito de andar, de vestir, de falar.

A poucos metros do hostel, pudemos ver o Great Market Hall (ou, para os mais belorizontinos, o Mercado Central). Ele é famoso pela venda de especiarias e comida, assim, bem parecido com o nosso. Resolvemos entrar para irmos à caça do almoço na cidade da gastronomia do leste europeu. Lá, MUITA pimenta. Todas vermelhas, lisas, viçosas e vistosas. Dependuradas nos estandes, expostas nas bancas. Era de arder o olho e dar água na boca. Só consegui pensar no meu pai, que estaria no paraíso em um lugar assim. Demos uma volta entre legumes, frutas e verduras frescos, vimos artesanato húngaro e finalmente tivemos uma refeição decente em um restaurantezinho lá dentro. De lá, saímos e subimos a Gellert Hill, o ponto mais alto de Budapeste. Era uma colina com um parque que abriga a Estátua da Liberdade (que realmente inspira liberdade) e de onde se tem uma vista linda de Buda e de Peste, antes separadas pelo Danúbio e agora unidas por pontes de tirar o fôlego. Lá em cima, fomos a um Bunker de guerra, onde havia estátuas de cera de soldados e prisioneiros. Vimos também a Citadela, com suas fortalezas e canhões. Estávamos exaustas e, quando o sol começou a ir embora, descemos a colina. E, assim, pude avaliar com meus próprios olhos o que o narrador de "Budapeste", do Chico, atestou logo nas primeiras páginas do livro:
"O Danúbio, pensei, era o Danúbio mas não era azul, era amarelo, a cidade toda era amarela, os telhados, o asfalto, os parques, engraçado isso, uma cidade amarela, eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela."
Eu discordo, Chico. Budapeste não é amarela. Não durante o dia. Durante o dia ela é azul, um tanto sóbria, em cores frias. Mas à noite não! À noite ela se transforma e adquire as cores do humor das pessoas. Acho que a vi amarela uma noite. Talvez estivesse sentindo o mesmo que o escritor fantasma que protagoniza o livro: uma escritora. Um fantasma. Apaixonada pela língua da Hungria.

À noite fomos convidadas pelas recepcionistas fofas e simpáticas do hostel para jantarmos por lá. Cozinhamos paprikás krumpli, prato típico constituído de linguiça, batata e cebola ensopados, e bebemos vinho branco húngaro. Cortesia do hostel. Novos amigos. Fui dormir tranquila, de barriga cheia, aliviada por ter valido a pena de viajar 19 horas para chegar ali.

No dia seguinte, andamos pela beira do Danúbio, curtindo o céu azul e o ventinho (frio), atravessamos mais uma ponte linda e subimos de bondinho até o Castelo de Buda. Ninguém nos contou, porém, que não era simplesmente um castelo, mas uma cidadezinha toda à parte. Passeamos por lá e encontramos uma feirinha de artesanato repleta de matrioscas e mais pimenta. Para descongelarmos, entramos em um café e tomamos um cappuccino. Antes de procurarmos o castelo, entramos na Igreja de São Mathias. Quem diz que todas as igrejas na Europa são iguais precisa conhecer essa. É completamente colorida. Linda. Passamos por fora do Castelo e desistimos de entrar quando descobrimos que dentro dele havia vários museus e não tínhamos o tempo que eles demandavam. De lá, fomos à caça do labirinto subterrâneo do Castelo. Úmido, escuro e cheio de truques engraçadinhos. fósseis de uma garrafa imensa de Coca-Cola, de microfones, rádios. Pegadas de tênis datadas de séculos antes de Cristo. No fim, uma sala de vídeo: o diabo e um anjo falando em húngaro. É, Chico. Aí você teve razão. Húngaro é mesmo a única língua que o diabo respeita.

Procuramos, então o ônibus para sair de Buda. Paramos um, tentamos nos comunicar em inglês com o motorista. "Én nem beszélek angolul". É. Ele não falava inglês. Ao invés de nos ignorar e desistir, ele desligou o ônibus e DESCEU para nos demonstrar, falando húngaro com mímicas, onde era o ponto certo. Uma gracinha! Pegamos o 16-direção-Peste e fomos jantar em um restaurante que o Tíbor havia recomendado. Pratos deliciosos, preço baixíssimo. Paraíso gastronômico. Nos distraímos com o horário e, quando nos demos conta, tínhamos menos de uma hora para voltar ao hostel, pegar os biquinis e correr para o Széchenyi, um SPA de águas termais. As portas se fechavam às 18h. Chegamos às 18h10 e nos deixaram entrar.

Ainda bem. A mera visualização do vapor das piscinas térmicas já me fizeram relaxar. Trocamos de roupa e saímos dos 0ºC direto para a piscina de 34ºC. Ahhhh... É indescritível. É mesmo o paraíso. Ficamos lá até amolecermos, tomamos um suco de laranja e voltamos para o hostel. Tempo suficiente para um banho rápido, para sairmos com a Zsófia, que trabalhava no hostel, e alguns amigos dela. Conhecemos alguns bares, mas optamos por não prolongar a noite em boate, porque o dia havia sido exaustivo.

Domingo era o nosso último dia. Logo depois de acordar, fomos conferir o Parlamento, o maior edifício da Hungria e o segundo maior Parlamento da Europa. Infelizmente, não entramos, devido à falta de tempo. Depois, fomos à linda e curiosa Basílica de Santo Estêvão, que é casa da... mão mumificada de Santo Estêvão. Mórbido, não? Depois, almoçamos em um restaurante chique (um dos únicos abertos na cidade em pleno domingo) e eu quase morri com tanta pimenta. Assim que me recuperei, fomos à Sinagoga, conhecemos um pouco da história dos judeus na Hungria, visitamos o memorial e sentimos aquele pesinho no coração. Fomos nos distrair no Szimpla Kert, um café-bar delicioso. A decoração do local era fantástica: havia mesas na parede, um jardim caindo do teto (sim, estranho), salas com iluminações e pinturas diversas. Um chocolate quente, energia suficiente. Rumamos a um complexo arquitetônico curioso do outro lado da cidade. Era um museu, cuja fachada se assemelhava à de um castelo gótico-barroco-contemporâneo-russo-feijoada. Em resumo, cada parte foi construída com uma característica arquitetônica diferente. Esses húngaros... Não é à toa que eles inventaram o cubo mágico.

Por último, para fechar a viagem com cores lindas, um por-do-sol na Praça dos Heróis. O mais colorido e intenso possível, confirmando mais uma vez que Budapeste possuí mesmo ares mágicos. Ares esses que nunca mais saem da minha cabeça, nem que o diabo me peça. Nem se for em húngaro.

(Quem quiser ver fotos, clique aqui).

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sobre o que importa

Eu deveria escrever sobre Budapeste - linda - enquanto as memórias estão frescas. Mas um outro tipo de registro se fez mais urgente.

Uma vez me perguntou o Caíque se a minha vida era tão poética quanto eu a ilustrava em meus posts. Digo que poéticas são as impressões. Assim como a neve é tão branca em filmes e tão suja quando derrete, que ninguém quer registrar. Depois de algumas horas de faxina, minhas mãos estão ressecadas, descascando pela agressividade dos produtos de limpeza. Depois de algumas horas tentando rearrumar a vida, percebi-me exausta.

E aí me dei conta de que a exaustão é emocional. Agora é o momento de poetizar ainda mais, de me apaixonar ainda mais pela pequena e aconchegante Saarbrücken, só porque é quase hora de ir embora. Agora, que falta menos de um mês, comecei a descobrir mais a fundo meus novos amigos e fica a certeza de que vai me doer bastante ter que deixá-los do outro lado, separados por um oceano inteiro. Bem que me disseram que o coração nunca mais é inteiro depois de uma experiência de intercâmbio. O que importa é o que te quebra em duas cidades. O que me importa está aqui e está no Brasil. O que me importa não é passível de tradução em português. Quem dirá em alemão, em francês, em espanhol, em italiano, em magiar ou em qualquer outra língua que tenha me conquistado. O que me importa está eternizado em textos e em fotos, em lembranças bonitas com cor de neve limpa e de um entardecer rosado de inverno.

Eu não quero ir embora. Eu não quero ficar aqui. O estrago foi feito, encontrei amor demais em todo canto do mundo. De um começo frio, no verão, passei a habitar um inverno caloroso, cheio de abraços e sorrisos. De longe, descobri quem realmente se importa comigo e me surpreendi com quem não faz questão nenhuma de me ter por perto. Aprendi a gostar mais de mim. Aqui de longe, me soube muito mais brasileira e amei mais as nossas paisagens, as nossas cores, a nossa literatura e a nossa música. Aqui ouvi Insensatez tocada ao violino e chorei de saudades. O estar longe me fez querer ficar bem mais perto. Talvez voltando para casa me descobrirei outra, de hábitos mudados pela cultura daqui, me fazendo querer voltar.

De tudo isso, a certeza da inquietude. Nunca mais um coração inteiro. Sempre uma lembrança, uma vontade imensa de fazer tudo caber em um lugar só. Sempre um balanço maluco na memória, umas cócegas na alma. Sempre tempo de batatas, sentindo falta do pão de queijo e do feijão. Sempre tempo de amor. A certeza de que o verdadeiro amor é livre. Mas nunca mais um coração inteiro.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Paris - como se fosse a primeira vez.

Mas Paris de novo? Sim. De novo e quantas vezes mais a vida me permitir. Eu falava sério quando disse que tinha me apaixonado pela cidade. Além disso, não vi a mesma Paris dessa vez, assim como não creio que a verei da mesma forma da próxima. Ela se movimenta, flui e se renova, se colore em várias nuances e continua sendo maravilhosa em cada metro quadrado.

Dessa vez, para já começar diferente, escolhi ir de ônibus ao invés de trem. Dessa vez a companhia foi outra também. A Tai e eu fomos bem tarde da noite para o ponto de encontro da companhia de ônibus. Esperamos durante mais de uma hora sob chuva e com frio, sozinhas nos arredores do cemitério principal da cidade, que fica na rua da fronteira com a França, à meia noite. Ninguém mais apareceu, o que nos deixou em dúvida quanto a estarmos no lugar certo. Pensamos que o ônibus não viria e eu já comecei a rascunhar, na cabeça, um post frustrado para o blog. Pensei logo em processar a Eurolines para ganhar dinheiro suficiente para visitar Paris quantas vezes eu quisesse. Acho que sentiram a vibração poderosa das minhas ameaças e enviaram o ônibus rapidinho e, de quebra, com um motorista simpático e sorridente, que me fez esquecer depressa a raiva.

Quase não consegui dormir no ônibus. Não sei se pela ansiedade, pelo desconforto ou se pela falta de tempo, uma vez que o ônibus chegou duas horas antes do previsto, resumindo o nosso trajeto a cinco horas de viagem, incluindo uma pausa de uma hora inteira em Metz. Chegamos cedo demais e todos os estabelecimentos estavam fechados. Mesmo receando abusar demais da hospitalidade da Mariana, que nos ofereceu abrigo, fomos direto para a casa dela antes mesmo de o sol nascer. Chegando lá, a melhor recepção possível, mesmo que sonolenta. Dormimos um pouco, a fim de nos prepararmos para o dia que raiava. A surpresa? A temperatura subiu o bastante para que eliminássemos algumas muitas camadas de roupa e o sol até se arriscou a aparecer, pouco a pouco, entre as nuvens negras e o chuvisco fino que lavava a cidade.

Animadas pelos 12ºC, nos vestimos e saímos logo para conhecer (sim, o verbo sempre será "conhecer") Paris. Já planejei logo a nossa sexta-feira em silêncio, ousando e me permitindo certa intimidade com a metrópole. Quanta ingenuidade pensar que já a conhecia! Mesmo visitando novamente o Arco do Triunfo e de dar seguimento caminhando a Champs-Élysées inteira, até atravessar a Ponte Alexandre e dar de cara com o Louvre de um lado e a Praça dos Inválidos do outro, vi tudo de maneira diferente. O Sena, para começo de conversa, corria ainda mais forte, encorpado pelo volume das chuvas. Em segundo lugar, escolhemos atravessar a ponte e descobrir o que era o prédio suntuoso e dourado que brilhava do outro lado: o Museu do Exército, na Praça dos Inválidos. Aproveitando o fato de ser menor de 26 anos e residente da Europa, entrei de graça e ainda consegui sem querer um ingresso para a Tai, porque me embolei no francês e acabei falando que ela também era estudante da Alemanha. O museu é, para variar, enorme e nos perdemos lá dentro. Depois de cair a ficha de que estávamos lá dentro há horas e que nossos estômagos reclamavam de muita fome, fomos procurar o túmulo de Napoleão I para podermos sair dalí e comer. O túmulo é um monumento imenso e luxuoso, para fazer jus a seu defundo megalomaníaco. Não tem cara de cripta, mas de um cofre que guarda algo valioso. De lá, andamos aquela região inteira de Paris atrás de comida e, como só encontramos restaurantes caríssimos, acabamos nos enfurnando no Mc Donald's do Louvre para recarga de energia. Enquanto a Tai lia, eu tirei um cochilo nada elegante na praça de alimentação do museu mais famoso do mundo. Mesmo não me sentindo muito bem, fomos passear no Louvre (mais uma vez, de graça) e vi galerias diferentes das que havia visto em novembro. Não deu para evitar a minúscula Monalisa, já que a Tai queria vê-la, mas no meio do caminho vi a Vênus de Milo e fiquei feliz. Depois do Louvre, um cansaço extremo. Dormi no metrô a caminho da Torre Eiffel, onde ficamos por breves 15 minutos, já que ela não impressionou a Tai e eu estava louca para tomar um banho e dormir. Chegando na Rue Charlot, onde estávamos hospedadas, uma surpresinha pra lá de gostosa: arroz, feijão, angu e carne seca (a qual dispensei) - comidinha mineira cozinhada pela nossa atenciosa anfitriã. Depois de um banho bom e da comida reconfortante, pude - pela primeira vez no intercâmbio - ligar para os meus pais e meus avós de um telefone de verdade. Fui dormir exausta, mas feliz.

Sábado acordamos um pouco mais tarde do que o previsto. Acho que a viagem de ônibus, por mais curta que tenha sido, realmente conseguiu nos exaurir. Apesar disso, quase todos os nossos planos para o dia conseguiram se concretizar. Para dar início ao dia, fomos ao Centre Pompidou. Para quem nunca ouviu falar, é um prédio às avessas: de fora pode-se ver todas as tubulações, os fios, os elevadores e escadas rolantes. Não podia haver lugar mais apropriado para exposições de arte moderna e contemporânea. Fiquei perdida no meio de tantas obras interessantes e malucas e me senti lisonjeada de poder posar ao lado da obra mais célebre de Duchamp. De lá, fomos procurar a Catedral de Notre Dame e fomos enganadas pelas placas esquisitas de Paris. Muita volta depois, encontramos a igreja - fechada. Só abriria depois de uma hora e já estávamos atrasadas para encontrar a Rê (amiga também mineira da Mariana) nas escadarias da Sacre Coeur. Finalmente reveria o Montmartre, meu bairro preferido em Paris. Subimos o funicular e, na Sacre Coeur, algo inusitado: a igreja estava lotada, devido a confirmação de votos de algumas freiras. Assistimos à cerimônia e à troca de véus. Foi bem interessante. Depois da Sacre Coeur, fomos descendo as ruelas do bairro, procurando souvenirs e curtindo o clima gostoso do bairro. Já na Avenida de Clichy, nos divertimos observando a variedade de Sex Shops, até chegarmos aos cabarés para vermos o Moulin Rouge, enquanto Paris anoitecia. Assim como a Monalisa, o Moulin Rouge também é pequenininho e deixa a desejar. Um dia ainda consigo dinheiro para assistir a um espetáculo, porque acho que só isso superaria as minhas expectativas quanto ao lugar. Saindo do Moulin Rouge, começamos a procurar o Café des 2 Moulins, o bar de Amélie Poulin. Foi uma sensação muito gostosa poder sentar lá e jogar conversa fora com as meninas, enquanto identificava cada pedacinho do filme acontecendo no bar. Até ir ao banheiro foi bom. Lá, uma vitrine com os objetos utilizados na filmagem e a memória da cena de amor da hipocondríaca Georgette e seu homem do gravador. Saindo de lá, meio entorpecida pela vivência do cenário do meu filme preferido, esqueci que tinha planejado ir ao Museu do Dalí. Voltamos para casa, comemos strogonoff (também o primeiro desde agosto) e sorvete de chocolate e fofocamos, as quatro mulheres, até tarde.

Domingo fomos a Versailles. O céu estava muito azul e o sol acentuava ainda mais as cores de Paris. Escolhemos, então, ir até a estação do Montparnasse de ônibus ao invés de metrô, para podermos admirar a cidade. Dentro do ônibus, bebês fofinhos sorriram para nós e uma velhinha insistiu em puxar assunto com a Tai, não importando quantas vezes ela falasse "je ne parle pas français". Foi engraçado. Pegamos o trem rumo a Versailles e o caminho foi delicioso. Invadida pelo sol e pelas músicas do Beirut no celular da Tai, senti o famoso calorzinho na alma. Para entrar no Palácio, porém, uma fila grande que chegava a desanimar, mas mais uma vez não precisei pagar - e isso renova qualquer ânimo. Andamos por mais de três horas nos jardins deslumbrantes do castelo, aproveitando o sol. Vimos labirintos, lagos, plantas, os domínios de Maria Antonieta, os escritórios de Luis XIV e os do Napoleão, a fazenda do palácio, a casa de veraneio e tudo é encantador. Preciso confessar, porém, que o palácio em si é bem... brega. É muita informação: tem brilho, ouro, diamante, espelho e seda no chão, nos móveis, nas paredes, no teto. Não sei como alguém consegue viver (ou acordar de ressaca, como bem lembrou a Rê) no meio de tanto brilho. Enfim. Saímos de lá já bem tarde, comemos algo, voltamos para Paris e fizemos as malas. Era hora de voltar.

Descemos no mesmo ponto de ônibus do cemitério em Saarbrücken, às três da manhã. O nosso refúgio (lê-se: Mc Donalds) estava fechado, assim como todos os bares e o posto de gasolina. E o ônibus para casa só passaria dalí a uma hora e meia. Cansadas e com medo, fomos procurar uma saída. O serviço de táxi da Vodafone estava fora do ar e, por sorte, encontramos um hotel Mercury. Conversei com o recepcionista e pedi para que ele chamasse um táxi para nós. Ele vem da Pérsia e é super legal. Jogamos conversa fora sobre política brasileira e a vida na Alemanha até o táxi chegar. Agradeci muito, nos despedimos e voltamos para casa. Por mais que eu ame Paris, a sensação de deitar na minha cama foi fantástica. Mas já acordei no dia seguinte procurando uma nova data para voltar à capital francesa em fevereiro. Vamos ver se consigo.

Próximo destino: BUDAPESTE. A ansiedade é tanta que já comecei a procurar tutoriais de húngaro no youtube, estou lendo o livro homônimo do Chico Buarque e desde já perturbo o meu vizinho húngaro, pedindo dicas sobre a cidade. Mal posso esperar para ouvir "a única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita" e ver o Danúbio.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Muito frio em Berlim e o caos da Bahn.

Não sei nem por onde começar, dada a quantidade de novidades e a falta de criatividade para escrever - razões pelas quais eu sempre postergo as postagens e que me fazem esquecer de muitos detalhes. Vou tentar seguir a ordem cronológica, porque me parece ser eficiente para puxar lá do fundo as memórias.

Da noite de domingo para segunda passada quase não dormi. Fiquei ansiosa pela iminente chegada da Taiga a Saarbrücken, tomada pelos mesmos medos que a acometiam, mas que eu não podia admitir, já que a minha função era tranquilizá-la e garantir que tudo daria certo. E deu mesmo. Ela chegou tranquila, apesar do voo turbulento e tivemos um dia agradável. Logo na primeira noite levei-a para conhecer alguns amigos daqui, bebemos muitas tequilas e ganhei uma ressaca absurda no dia seguinte. Obviamente, consegui entediar a minha amiga até a morte nessa terça-feira, já que passei o dia dormindo, irritadiça. Tudo, porém, seria recompensado no dia seguinte, quando iríamos a Berlim. O mau humor não melhorou muito - não me perguntem o porquê - mas conseguimos aproveitar bastante a viagem apesar disso.

Quarta-feira, 29 de dezembro.
Acordamos às quatro da manhã e me desesperei um pouco ao descobrir que o táxi que "encomendamos" pela internet não viria. Tive que LIGAR (isso mesmo: eu, falando ao telefone) e disseram que o taxista nos esperaria em dez minutos. Foi uma correria, porque não pensávamos que seria tão rápido. O motorista nos recebeu com um sorriso simpático e depois de uma hora pegamos um avião em direção à capital alemã. Logo na sala de espera pudemos ter uma amostra da fauna exótica que frequenta a cidade: um menino carregava um livro de RPG em uma mão e tinha um gato branco no pescoço. O gato mais manso que eu já vi na vida. No avião, uma mulher observava curiosa a nossa tagarelice em português e, no final das contas, tomou coragem para puxar assunto e nos deu várias dicas valiosas sobre Berlim.

Chegando em Berlim, o frio. Foi esse o choque da primeira impressão. A temperatura lá estava muito mais baixa do que a de Saarbrücken e passamos maus bocados até conseguirmos entrar no hostel. Quando finalmente o encontramos, ele estava fechado, a campainha estragada e ninguém atendia o telefone. Depois de quinze minutos esperando na porta sem saber o que fazer, o vizinho abriu para que pudéssemos entrar. O hostel era simpático e mais ainda era o recepcionista. Ele era a cara do Chris Martin e conversou com a gente alegremente por alguns minutos. Pouco tempo depois chegou o Thomas e nós fomos todos juntos desbravar a tão gelada Berlim. Nossa saga do dia foi, basicamente, pular de café em café para fugirmos dos dez graus negativos e do vento. Entre cafés, visitamos o Memorial do Holocausto, a Brandenburger Tor e a Unten den Linden, na parte da manhã. Descobri, visitando o Memorial, o grau de insensibilidade que atingi. Não senti agonia nenhuma, ao contrário do que todos alegam. Se vale de alguma coisa, me senti mal por não ter sido afetada pelo significado tão pesado dos blocos imensos de concreto. Na parte da tarde, encontramos o Alexandre perto da torre de televisão, na qual não subimos porque a cidade estava coberta pela névoa densa. De lá, fomos à Potsdamer Platz, onde ainda havia um mercado de Natal. Os meninos beberam um Glühwein e eu, ainda traumatizada pela ressaca do dia anterior, bebi um Kinderpunsch, que é uma espécie de chá de laranja, cereja, maçã e muita canela, bem quentinho. Delicioso. Já devidamente aquecidos, rumamos ao Sony Center, um centro comercial imenso instalado nos arredores da praça. Lá, algumas lojas interessantes, uma praça de alimentação, uma árvore de natal gigante e linda e o Museu do Filme, que ficou para outra hora. Toda essa andança ocupou o nosso dia todo e não tivemos energia suficiente nem coragem para sair à noite (por sinal, escurecia às quatro da tarde), no frio.

Quinta-feira, 30 de dezembro.
Acordamos o mais cedo possível e nos encontramos com o Alexandre na Berliner Dom. Entramos na Catedral. Juro que me questionei sobre o motivo de as pessoas fazerem tanto alarde ao mencionarem a Catedral de Colônia, sendo que a de Berlim é tão mais bonita. Quer dizer, são estilos arquitetônicos completamente diferentes, mas a impressão da Berliner Dom foi muito mais marcante, para mim. É grandiosa, imponente. E as fotos que tirei nunca farão jus à sensação que ela proporciona. Ficamos lá por meia-hora, ouvimos um pedaço da missa em alemão e uma peça no (também imenso) órgão. Depois, fomos à cripta, que dava arrepios. Eram os caixões dos reis e rainhas mortos, e também de seus filhos. Caixão de bebê é o que mais me apavora no mundo e nem eu nem a Tai aguentamos ficar lá por muito tempo.

Saindo da Catedral, compramos um ticket promocional para a Ilha dos Museus e começamos a jornada. Primeiro, visitamos o Altes Museum. Depois, o Neues Museum. Por último, a Alte Nationalgalerie. Os dois primeiros eram interessantes, porém cansativos. Havia vasos demais expostos. Não é tão empolgante saber que as pessoas desde sempre confeccionam vasos, sabe? O último englobava também pinturas, o que nos alegrou um pouco. Ao fim, estávamos mortos de cansaço e de frio (agora, eram dezessete graus abaixo de zero) - mais uma vez, não aguentamos encarar a noite berlinense, mas fomos ao encontro do Gabriel e sua Gahbi na estação de trem. Ficamos lá por algumas horas jogando conversa fora e tentando, inutilmente, matar um pouco das saudades. Não havia abraço que coubesse ou que desse conta de levar embora o aperto da falta.

Sexta-feira, 31 de dezembro.
O último dia do ano. Expectativa alta. Temperatura um pouco mais amena. Nos encontramos com o casal de novo, dessa vez na Potsdamer Platz e sem o Thomas e o Alexandre. Tentamos ir ao museu Topographie des Terrors, mas só pudemos vê-lo de fora, através das grades. As condições climáticas, vulgo MUITA NEVE, bloquearam o museu e o tornaram um ambiente perigoso. De lá, fomos encontrar a outra Gabriela no Museu do Filme. Nos divertimos bastante seguindo a história do cinema alemão através dos anos e descobrindo o estojo de maquiagem e os figurinos elegantes de Marlene Dietrich. Foi emocionante ver Metropolis ali, toda representada em maquetes e painéis. Ainda melhor foi me deparar com a Lola (Corra Lola corra) em forma de manequim em tamanho real, assim como outras personagens legendárias do cinema alemão. Pena que não se podia fotografar dentro do museu (só descobri isso depois de ter conseguido uma foto sem foco do robô do filme de Fritz Lang). Saindo do Museu do Filme, fomos almoçar. Uma saga. O Vapiano estava abarrotado de pessoas do mundo inteiro, que se abasteciam para a festa da virada. Tamanha era a concorrência para encontrar uma mesa para sentar, o ambiente se tornou hostil e as pessoas que aguardavam pela sua vez trocavam olhares que diziam: "vamos ver quem chega primeiro naquela mesa". Acabamos dividindo a mesa com duas alemãs e finalmente comemos, depois de algum stress. De lá, tentamos ir ao Museu da DDR, mas já não havia tempo - precisávamos estar de volta na Brandenburger Tor em uma hora, antes que ficasse tudo intransitável. Voltamos para o hostel, nos arrumamos e voltamos para o local onde seria a festa da virada.

Não estava tão cheio quanto eu esperava e, logo na entrada, ganhamos energético de graça à vontade. Depois, encontramos um lugar que não fosse tão tumultuado e onde a neve ainda não estivesse derretida e nos instalamos. Não saímos do lugar durante a noite inteira, o que nos deixou em uma posição pouco privilegiada em relação ao palco: não escutamos uma música sequer e tivemos que adivinhar qual era a banda do "pa panamericano". Como não foi possível ouvir, o Alexandre colocou a música no Ipod e dançamos ali mesmo. Logo no começo, depois de beber um Eierpunsch (eggnog), avistei de longe um rosto conhecido. O Marcelo, amigo meu de Saarbrücken, estava lá, em destaque na multidão por causa dos seus 1,96m. Nos juntamos a ele, ao irmão e à namorada e fizemos um grupo enorme de brasileiros que, para abrir espaço no meio das pessoas, forjavam fotos animadas. Nos divertimos bastante, a começar pela tentativa de bloquear o vento frio e de permanecer em pé no mesmo lugar, sem patinar. Foram muitas conversas e muitas risadas, mas assim que virou o ano, quisemos ir embora. Não só porque o David Hasselhoff estava tocando na hora, mas porque já estávamos lá desde as seis da tarde e foi cansativo. Fomos cada um para um canto, procurar calor. Ficamos um tempinho acordados no hostel conversando e fui dormir cedo, para conseguir aproveitar o dia seguinte.



Sábado, 1º de janeiro.
O primeiro dia do ano começou estranho. A Tai não estava se sentindo bem e eu precisei sair para comprar coisas para ela, mas nada estava aberto, porque era feriado. Fui a uma estação grande de trem e finalmente achei estabelecimentos que funcionavam apesar da data. Depois, voltando, ela já estava melhor e fomos tentar encontrar o castelo. No meio do caminho, resolvemos passar no Checkpoint Charlie, a passagem na Friderichstrasse que permitia a entrada e saída de estrangeiros na época do Muro de Berlim. Acabamos por nos encantar pelo lugar e pelos souvenirs e ficamos lá por muito tempo, distraídas, até o Alexandre chegar. Comemos algo rápido e fomos para o Jüdisches Museum, sobre a história dos judeus na Alemanha. Mais uma vez, minha insensibilidade foi provada. Entramos em um quarto vazio, de muros altíssimos. Estava completamente escuro e sem aquecimento. A única luz visível era a do mundo lá fora, bem lá no alto, onde não se pode alcançar. Ao invés de me sentir angustiada, me senti bem e em paz. Esquisito. Depois de mais uma caminhada no Jüdisches Museum, seguimos finalmente para o Museu da DDR. Sem sombra de dúvida, o melhor entre os visitados. Para três crianças feito eu, Tai e Alexandre, foi uma maravilha poder mexer em TUDO dentro do museu. É super interativo. Nele há gavetas para todos os lados e dentro das gavetas vários objetos que simulam a vida na DDR. Há, inclusive, a simulação de uma casa, em cuja sala de estar se pode sentar, assistir à TV e ouvir alguém falando ao telefone. Realmente muito interessante. Saímos do museu na hora de fechar, às 22h, e fomos conhecer a famosa estação central de trens (Hauptbahnhof) e lá vimos a árvore de Natal de cristal (CRISTAL!) da Swarovski. Me deu, de repente, um desejo louco de beber uma Chimay, mas não encontramos em lugar nenhum e voltamos para o hostel. Nos despedimos do Alexandre, que agora só verei em fevereiro, no Brasil, e fomos dormir.


Domingo, 2 de janeiro.
Aconteceu algo inédito: eu, que acordo com qualquer luz, movimento ou som, por mais sutis que sejam, não acordei com o despertador estridente tocando às seis da manhã. Acordei automaticamente às 7:49, dez minutos antes da hora da partida do nosso primeiro trem de volta para casa. Por sorte, havia um que partiria uma hora mais tarde, mas que tornou nossa jornada um pouco mais longa do que a calculada. Nos arrumamos com uma rapidez impressionante e dentro de menos de meia hora estávamos na Ostbahnhof, de onde partiríamos rumo a Saarbrücken. De todas as quatorze horas pulando de trem em trem, vale a pena destacar o trecho entre Magdeburg e Kassel. O caos da Bahn alemã refletiu logo na nossa passagem pelo trem. A superlotação nos fez viajar por três longas horas em pé, esmagadas entre malas enormes de turistas do mundo inteiro. Pelo menos isso possibilitou alguma interação com as pessoas que passavam pelo mesmo que nós. Diversão a parte, eu dispensaria perfeitamente as pessoas e escolheria um lugar confortável no trem de onde eu pudesse sair para pelo menos ir ao banheiro. Bom, de qualquer forma, chegamos a Saarbrücken quase à meia-noite e eu fui dormir exausta e afobada, pensando na volta às aulas no dia seguinte bem cedo.

Berlim pode ter sido caótica e gelada, mas proporcionou o encontro, a risada, a conversa e o carinho de algumas das minhas pessoas preferidas no mundo inteiro. E, por esse e outros motivos, já consigo olhar para esses cinco dias com saudades.


sábado, 25 de dezembro de 2010

E então é Natal...


Ninguém me contou que um white Christmas começava com uma caminhada de quarenta minutos sob uma tempestade de neve logo pela manhã. Foi assim que fui parar ontem na estação de trem, depois de uma ligação do Charly me avisando que os ônibus não estavam passando e que eu teria que ir a pé. Andando da direção contrária da neve, meu guarda-chuva já não servia para nada. Mesmo assim fui caminhando, sentindo o vento gelado cortando meu rosto (já disse que aposentei o blush?) e me lembrando da conversa pelo Skype bem cedinho com a família, que tomava café da manhã feliz da vida. Como eu queria estar com eles, comer um pão francês e uma salada de frutas!

Já que não havia como, enfrentei a tempestade para estar com a família que me acolheu tão bem aqui. Fui até Wemmetsweiler, dei um abraço apertado na Gabi, no Charly e no Christian, aguardando o que viria a seguir, já que nunca passei Natal fora de casa. Não sei como outras famílias celebram a data, não sei o que comem, não sei quando é a hora de trocar presentes.

Sei que lá em casa sempre tem a ansiedade de acordar cedo na manhã de Natal e olhar os presentes debaixo da árvore, que tomamos café da manhã juntos, que a mamãe se estressa preparando mil tipos diferentes de comida para levar para a casa da vovó - e mesmo assim adora. Na casa da vovó, a família toda se reúne, ri muito, bebe mais ainda. Meu pai toca violão, meu tio Edinho canta junto com a tia Sandra, enquanto a minha vó se emociona e o tio Nando solta uma risada larga e a Lindinha dele fica cheia de chamegos. E aí, mais tarde, o tio Paulinho tira todo mundo para dançar forró, o tio Eduardo mata todo mundo de rir, o tio Lu faz churrasco e fala mal do meu time, apoiado pelo Bruno. A tia Fafati conta casos, ri alto e leva a perdição em uma sacola vermelha para as mulheres da família. O vovô fica sentadinho, admirando tudo com suas bochechas rosadas. Enquanto isso, nós comemos. Comemos muito. E deixamos um espacinho para o arroz doce, o pudim de leite condensado, o sorvete, a ambrosia, a mousse de chocolate, a de maracujá... E sempre cabe mais um pouco. Sempre cabe mais cachaça, cerveja e amor.

Aqui? Aqui eu não fazia ideia de como seria. Preciso confessar que me incomodou o fato de ser tudo tão silencioso. Até certa hora, não teve música, quase não teve conversa. De vez em quando, o silêncio era entrecortado por uma tentativa do Christian de puxar papo com o avô, que está passando por uma fase difícil... O Charly e a Gabi não pouparam sorrisos, apesar disso. Depois do jantar - que teve sopinha de legumes (delícia), carne de coelho (eca), batatas cozidas ao molho de cebola, repolho roxo e mousse de maçã, com Herrencreme para a sobremesa - o momento mais aguardado, a tradição da família. A Gabi empurrou todo mundo para o quarto do Christian e nos trancou lá dentro. De repente, um sininho soou, o que significa que o Christkind (um espírito natalino) passou e deixou presentes na árvore. E aí, a árvore se iluminou toda, assim como o olhar de todos eles. O avô, antes tão sisudo, chorou. Todos se abraçaram e ficamos por alguns longos minutos admirando a árvore, em silêncio. Então fui surpreendida: ganhei um cartão, um vale-compra de uma livraria, uma bola de natal lindinha cheia de bombons de marzipan dentro e uma sacola lotada de chocolatezinhos, com uma banana, uma maçã e uma mexerica. Não entendi os três últimos ítens, mas ri e agradeci assim mesmo.

Charly e Christian tentando decifrar o manual do filtro de aquário.


Depois de tanta comoção, fui assistir TV: Ponte para Terabítia. Ninguém entendeu que não era propriamente um filme de criança e eu tive que ficar explicando as coisas. Mais tarde, meu dente começou a doer muito e fui dormir, pensando em como seria se eu estivesse em casa.

Hoje? Voltei para casa a pé também, sem poder contar com a solidariedade de um motorista sequer para me dar carona. O frio hoje está cruel. Passei o dia todo sem vontade de sair. Lavei as roupas e passei o resto do dia comendo, o que ajuda a explicar o porquê de agora eu estar pesando 48kg (saí do Brasil com 41). Agora à noite, me vesti toda para ir à casa da Michelle, para fazermos biscoitos natalinos e nos prestarmos um pouco de companhia. Esperei por 40 minutos e o ônibus não veio. Então agora, com as bochechas vermelhas, queimadas pelo frio, espero por alguém (que nunca virá) com quem passar a noite de Natal. Não estou morrendo de tristeza, só para ficar claro. Digamos que é mais apropriado constatar uma fossa natalina, que amanhã passa rapidinho. Ainda mais com a proximidade da chegada da Tai, que vai afastar qualquer resquício de depressão que possa, algum dia, ter entrado pela porta do meu apartamento.

Tinha um lago congelado no meu caminho.

Por enquanto, desejo mesmo que todos vocês tenham tido um Natal realmente feliz! Que vocês tenham valorizado suas famílias. Se não, que o façam amanhã. E depois. Mesmo que não seja Natal. Abraços apertados (e gordinhos) da terra gelada!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Preces de uma ilhada pela neve.


Que o ócio seja criativo. Que a neve caia, mas não tanto assim. Que os ônibus voltem a passar e eu possa ir ao supermercado sem ter que voltar com sacolas pesadas a pé nas dunas de neve. Que meus amigos possam me visitar. Que a Taiga chegue logo. Que eu possa ir ao cinema. Que o elevador volte a funcionar. Que eu consiga escrever minha minimonografia. Que eu encontre um tema para a minha minimonografia. Que eu consiga terminar de ler o Schiller. Que eu não precise hibernar. Que fevereiro chegue logo, mas que também demore a chegar.

Amém.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Viva Colônia (e o Gogol Bordello)!

Acordei às seis da manhã no último sábado. Lavei a louça, ajeitei o apartamento e coloquei mil camadas de roupa para me proteger do frio. Botei logo o nariz na rua, para não perder a coragem. Esperei alguns longos minutos no ponto de ônibus e me dirigi para a estação central de trens, onde encontraria o Emilio, a Michelle, a Francesca e o Ian, para irmos juntos a Colônia. Eis, chegando lá, uma movimentação estranha. Todas as pessoas esperavam do lado de fora da estação fechada, cercada por uma fita verde, da mesma cor dos vários carros de polícia que lá estavam estacionados. Ao lado deles, policiais empunhando metralhadoras. Alerta de bomba e ataque terrorista. Nunca pensei que fosse vivenciar isso aqui, nessa cidadezinha tão pequena e politicamente insignificante (que me perdoem os moradores daqui). Perdemos o trem e conseguimos chegar em Colônia depois de 6 horas, alguns cafés, cochilos, tangerinas, livros, conversas agradáveis e discussões sobre política.

Descendo do trem em Colônia, a visão imediata da Catedral. IMENSA! Nunca vi igreja maior. Como se não bastasse, é maravilhosamente esculpida em cada detalhe. É de se perder diante de tanta genialidade. Só de pensar que ela sobreviveu a 14 ataques de bombas aéreas e permaneceu de pé! Fizemos um longo e demorado passeio por dentro da catedral, admirando detalhes - eu, sobretudo, admirei a fé das pessoas que acendiam velas, ajoelhavam-se e prostravam-se diante das imagens com tanto fervor, ignorando os flashes das câmeras dos turistas embasbacados. Não acredito na igreja, mas acredito na fé das pessoas.


Saindo da igreja gelada, fomos passear por Colônia, igualmente (ou até mais) gelada. Ventava muito e caía uma chuvinha bem fina, daquelas chatas e das quais não se pode esconder sob um guarda-chuvas. Não tínhamos muito tempo até a hora do show do Gogol Bordello, então optamos por um passeio rápido no Weihnachtsmarkt am Kölner Dom (Mercado de Natal da Catedral de Colônia), onde bebi um Glühwein e me lembrei muitas vezes da minha mãe, pela variedade de enfeites de Natal. A essa altura já não estávamos mais com a Francesca e o Emilio, que haviam se encontrado com outros amigos italianos que moram lá. Então, fomos eu, Ian e Michelle para a Früh, a cervejaria mais famosa de Colônia. Eles beberam uma cerveja e fomos, então, procurar o local do show.

Não foi muito fácil achar. Perdidos em uma cidade grande (mal-acostumados moradores de Saarbrücken), andando de um lado para o outro e errando direções nas ruas. Finalmente encontramos o lugar e enfrentamos uma fila enorme debaixo de vento e chuva. Eu tinha certeza de que valeria a pena. Ao entrarmos, pude logo perceber que teria a chance de vê-los bem de perto, porque o lugar era pequeno. Seria um show intimista, daqueles que a banda se aproxima da platéia. E, de fato, foi. Começou com DeVotchKa, uma outra banda da qual eu realmente gosto. Infelizmente, pegamos só as três últimas músicas, devido à fila enorme para guardar as milhares de roupas de inverno. Tivemos, porém, a oportunidade de ouvi-los e vê-los estando bem de frente para o palco, já que as outras pessoas pareciam indiferentes à banda de abertura. Foi lindo, de arrepiar.

O único problema foi a minha ilusão de que os alemães eram mesmo super fãs do seu próprio espaço pessoal e que o show do Gogol Bordello seria como o do DeVotchKa. Ledo engano. Eu estava até achando bem estranho que todos estivessem me deixando passar. Já estava quase na grade, quando o show começou. Uma vibração absurda tomou conta do lugar. Conheci, então, uma faceta dos alemães que ainda me era incógnita: eles sabem ser animalescos. Foi cotovelada para todas as direções, enquanto uma onda de pessoas avançavam para o palco. Não é exagero: eu pensei que morreria quando um OGRO que estava ao meu lado enfiou com vontade o cotovelo no meu pescoço. Mas, ao mesmo tempo, tomou conta de mim uma energia vital impressionante. Eu pulava junto com a multidão enquanto via o Eugene e o Sergey bem na minha cara. Tudo girava, a música penetrava os meus ouvidos e eu entrei em êxtase. Mal podia acreditar que era mesmo o Gogol Bordello, que era mesmo Colônia, que era mesmo eu que estava vivendo aquilo tudo. Passados os primeiros momentos de empolgação extrema, caí na real e percebi que realmente corria risco de morrer se continuasse na grade, disputando meu metro quadrado com um cara bigodudo de dois metros de altura. Fui para a lateral, de onde também podia ver muito bem, e ali dancei feito louca. Cantei alto todas as músicas, perdi a voz, perdi o controle e esqueci do mundo. Suei em bicas, tive uma dor horrorosa na panturrilha no dia seguinte e fiquei literalmente destruída. Digo, apesar disso, que foi o melhor show da minha vida. Delírio. Sem contar as horas em que eu usei a língua portuguesa como instrumento de catarse e gritei bem alto coisas que ninguém entenderia (ou quase ninguém. Descobri, no dia seguinte, que o Eugene - vocalista da banda - já tinha morado no Brasil e falava português). O ponto auge do show foi, inclusive, uma hora em que ele disse que tocariam uma versão gypsy-punk-sambatronic de uma música e eu gritei: "SAMBAAAA!" e o Eugene RESPONDEU: "let's see if you can dance samba, then!" e eu enlouqueci. Foi mesmo catártico.


E aí, depois do show, eu estava estragada. Não conseguia andar, conversar nem reagir a nada. Fiquei entorpecida e só conseguia sorrir. Fomos, de lá, procurar o Emilio, a Francesca e seus amigos italianos. Voltamos para a Früh e ficamos lá até fechar. De lá, direto para a estação central, onde pegaríamos o trem somente às seis da manhã. Exausta, deitei no banquinho da padaria e dormi feito um bebê. Algumas horas depois, estava de volta a Saarbrücken, onde passei o resto do fim de semana dormindo e me reidratando, tomando cuidado para não acabar ainda mais com a minha panturrilha. Em uma palavra? SUBLIME.