quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Muito frio em Berlim e o caos da Bahn.

Não sei nem por onde começar, dada a quantidade de novidades e a falta de criatividade para escrever - razões pelas quais eu sempre postergo as postagens e que me fazem esquecer de muitos detalhes. Vou tentar seguir a ordem cronológica, porque me parece ser eficiente para puxar lá do fundo as memórias.

Da noite de domingo para segunda passada quase não dormi. Fiquei ansiosa pela iminente chegada da Taiga a Saarbrücken, tomada pelos mesmos medos que a acometiam, mas que eu não podia admitir, já que a minha função era tranquilizá-la e garantir que tudo daria certo. E deu mesmo. Ela chegou tranquila, apesar do voo turbulento e tivemos um dia agradável. Logo na primeira noite levei-a para conhecer alguns amigos daqui, bebemos muitas tequilas e ganhei uma ressaca absurda no dia seguinte. Obviamente, consegui entediar a minha amiga até a morte nessa terça-feira, já que passei o dia dormindo, irritadiça. Tudo, porém, seria recompensado no dia seguinte, quando iríamos a Berlim. O mau humor não melhorou muito - não me perguntem o porquê - mas conseguimos aproveitar bastante a viagem apesar disso.

Quarta-feira, 29 de dezembro.
Acordamos às quatro da manhã e me desesperei um pouco ao descobrir que o táxi que "encomendamos" pela internet não viria. Tive que LIGAR (isso mesmo: eu, falando ao telefone) e disseram que o taxista nos esperaria em dez minutos. Foi uma correria, porque não pensávamos que seria tão rápido. O motorista nos recebeu com um sorriso simpático e depois de uma hora pegamos um avião em direção à capital alemã. Logo na sala de espera pudemos ter uma amostra da fauna exótica que frequenta a cidade: um menino carregava um livro de RPG em uma mão e tinha um gato branco no pescoço. O gato mais manso que eu já vi na vida. No avião, uma mulher observava curiosa a nossa tagarelice em português e, no final das contas, tomou coragem para puxar assunto e nos deu várias dicas valiosas sobre Berlim.

Chegando em Berlim, o frio. Foi esse o choque da primeira impressão. A temperatura lá estava muito mais baixa do que a de Saarbrücken e passamos maus bocados até conseguirmos entrar no hostel. Quando finalmente o encontramos, ele estava fechado, a campainha estragada e ninguém atendia o telefone. Depois de quinze minutos esperando na porta sem saber o que fazer, o vizinho abriu para que pudéssemos entrar. O hostel era simpático e mais ainda era o recepcionista. Ele era a cara do Chris Martin e conversou com a gente alegremente por alguns minutos. Pouco tempo depois chegou o Thomas e nós fomos todos juntos desbravar a tão gelada Berlim. Nossa saga do dia foi, basicamente, pular de café em café para fugirmos dos dez graus negativos e do vento. Entre cafés, visitamos o Memorial do Holocausto, a Brandenburger Tor e a Unten den Linden, na parte da manhã. Descobri, visitando o Memorial, o grau de insensibilidade que atingi. Não senti agonia nenhuma, ao contrário do que todos alegam. Se vale de alguma coisa, me senti mal por não ter sido afetada pelo significado tão pesado dos blocos imensos de concreto. Na parte da tarde, encontramos o Alexandre perto da torre de televisão, na qual não subimos porque a cidade estava coberta pela névoa densa. De lá, fomos à Potsdamer Platz, onde ainda havia um mercado de Natal. Os meninos beberam um Glühwein e eu, ainda traumatizada pela ressaca do dia anterior, bebi um Kinderpunsch, que é uma espécie de chá de laranja, cereja, maçã e muita canela, bem quentinho. Delicioso. Já devidamente aquecidos, rumamos ao Sony Center, um centro comercial imenso instalado nos arredores da praça. Lá, algumas lojas interessantes, uma praça de alimentação, uma árvore de natal gigante e linda e o Museu do Filme, que ficou para outra hora. Toda essa andança ocupou o nosso dia todo e não tivemos energia suficiente nem coragem para sair à noite (por sinal, escurecia às quatro da tarde), no frio.

Quinta-feira, 30 de dezembro.
Acordamos o mais cedo possível e nos encontramos com o Alexandre na Berliner Dom. Entramos na Catedral. Juro que me questionei sobre o motivo de as pessoas fazerem tanto alarde ao mencionarem a Catedral de Colônia, sendo que a de Berlim é tão mais bonita. Quer dizer, são estilos arquitetônicos completamente diferentes, mas a impressão da Berliner Dom foi muito mais marcante, para mim. É grandiosa, imponente. E as fotos que tirei nunca farão jus à sensação que ela proporciona. Ficamos lá por meia-hora, ouvimos um pedaço da missa em alemão e uma peça no (também imenso) órgão. Depois, fomos à cripta, que dava arrepios. Eram os caixões dos reis e rainhas mortos, e também de seus filhos. Caixão de bebê é o que mais me apavora no mundo e nem eu nem a Tai aguentamos ficar lá por muito tempo.

Saindo da Catedral, compramos um ticket promocional para a Ilha dos Museus e começamos a jornada. Primeiro, visitamos o Altes Museum. Depois, o Neues Museum. Por último, a Alte Nationalgalerie. Os dois primeiros eram interessantes, porém cansativos. Havia vasos demais expostos. Não é tão empolgante saber que as pessoas desde sempre confeccionam vasos, sabe? O último englobava também pinturas, o que nos alegrou um pouco. Ao fim, estávamos mortos de cansaço e de frio (agora, eram dezessete graus abaixo de zero) - mais uma vez, não aguentamos encarar a noite berlinense, mas fomos ao encontro do Gabriel e sua Gahbi na estação de trem. Ficamos lá por algumas horas jogando conversa fora e tentando, inutilmente, matar um pouco das saudades. Não havia abraço que coubesse ou que desse conta de levar embora o aperto da falta.

Sexta-feira, 31 de dezembro.
O último dia do ano. Expectativa alta. Temperatura um pouco mais amena. Nos encontramos com o casal de novo, dessa vez na Potsdamer Platz e sem o Thomas e o Alexandre. Tentamos ir ao museu Topographie des Terrors, mas só pudemos vê-lo de fora, através das grades. As condições climáticas, vulgo MUITA NEVE, bloquearam o museu e o tornaram um ambiente perigoso. De lá, fomos encontrar a outra Gabriela no Museu do Filme. Nos divertimos bastante seguindo a história do cinema alemão através dos anos e descobrindo o estojo de maquiagem e os figurinos elegantes de Marlene Dietrich. Foi emocionante ver Metropolis ali, toda representada em maquetes e painéis. Ainda melhor foi me deparar com a Lola (Corra Lola corra) em forma de manequim em tamanho real, assim como outras personagens legendárias do cinema alemão. Pena que não se podia fotografar dentro do museu (só descobri isso depois de ter conseguido uma foto sem foco do robô do filme de Fritz Lang). Saindo do Museu do Filme, fomos almoçar. Uma saga. O Vapiano estava abarrotado de pessoas do mundo inteiro, que se abasteciam para a festa da virada. Tamanha era a concorrência para encontrar uma mesa para sentar, o ambiente se tornou hostil e as pessoas que aguardavam pela sua vez trocavam olhares que diziam: "vamos ver quem chega primeiro naquela mesa". Acabamos dividindo a mesa com duas alemãs e finalmente comemos, depois de algum stress. De lá, tentamos ir ao Museu da DDR, mas já não havia tempo - precisávamos estar de volta na Brandenburger Tor em uma hora, antes que ficasse tudo intransitável. Voltamos para o hostel, nos arrumamos e voltamos para o local onde seria a festa da virada.

Não estava tão cheio quanto eu esperava e, logo na entrada, ganhamos energético de graça à vontade. Depois, encontramos um lugar que não fosse tão tumultuado e onde a neve ainda não estivesse derretida e nos instalamos. Não saímos do lugar durante a noite inteira, o que nos deixou em uma posição pouco privilegiada em relação ao palco: não escutamos uma música sequer e tivemos que adivinhar qual era a banda do "pa panamericano". Como não foi possível ouvir, o Alexandre colocou a música no Ipod e dançamos ali mesmo. Logo no começo, depois de beber um Eierpunsch (eggnog), avistei de longe um rosto conhecido. O Marcelo, amigo meu de Saarbrücken, estava lá, em destaque na multidão por causa dos seus 1,96m. Nos juntamos a ele, ao irmão e à namorada e fizemos um grupo enorme de brasileiros que, para abrir espaço no meio das pessoas, forjavam fotos animadas. Nos divertimos bastante, a começar pela tentativa de bloquear o vento frio e de permanecer em pé no mesmo lugar, sem patinar. Foram muitas conversas e muitas risadas, mas assim que virou o ano, quisemos ir embora. Não só porque o David Hasselhoff estava tocando na hora, mas porque já estávamos lá desde as seis da tarde e foi cansativo. Fomos cada um para um canto, procurar calor. Ficamos um tempinho acordados no hostel conversando e fui dormir cedo, para conseguir aproveitar o dia seguinte.



Sábado, 1º de janeiro.
O primeiro dia do ano começou estranho. A Tai não estava se sentindo bem e eu precisei sair para comprar coisas para ela, mas nada estava aberto, porque era feriado. Fui a uma estação grande de trem e finalmente achei estabelecimentos que funcionavam apesar da data. Depois, voltando, ela já estava melhor e fomos tentar encontrar o castelo. No meio do caminho, resolvemos passar no Checkpoint Charlie, a passagem na Friderichstrasse que permitia a entrada e saída de estrangeiros na época do Muro de Berlim. Acabamos por nos encantar pelo lugar e pelos souvenirs e ficamos lá por muito tempo, distraídas, até o Alexandre chegar. Comemos algo rápido e fomos para o Jüdisches Museum, sobre a história dos judeus na Alemanha. Mais uma vez, minha insensibilidade foi provada. Entramos em um quarto vazio, de muros altíssimos. Estava completamente escuro e sem aquecimento. A única luz visível era a do mundo lá fora, bem lá no alto, onde não se pode alcançar. Ao invés de me sentir angustiada, me senti bem e em paz. Esquisito. Depois de mais uma caminhada no Jüdisches Museum, seguimos finalmente para o Museu da DDR. Sem sombra de dúvida, o melhor entre os visitados. Para três crianças feito eu, Tai e Alexandre, foi uma maravilha poder mexer em TUDO dentro do museu. É super interativo. Nele há gavetas para todos os lados e dentro das gavetas vários objetos que simulam a vida na DDR. Há, inclusive, a simulação de uma casa, em cuja sala de estar se pode sentar, assistir à TV e ouvir alguém falando ao telefone. Realmente muito interessante. Saímos do museu na hora de fechar, às 22h, e fomos conhecer a famosa estação central de trens (Hauptbahnhof) e lá vimos a árvore de Natal de cristal (CRISTAL!) da Swarovski. Me deu, de repente, um desejo louco de beber uma Chimay, mas não encontramos em lugar nenhum e voltamos para o hostel. Nos despedimos do Alexandre, que agora só verei em fevereiro, no Brasil, e fomos dormir.


Domingo, 2 de janeiro.
Aconteceu algo inédito: eu, que acordo com qualquer luz, movimento ou som, por mais sutis que sejam, não acordei com o despertador estridente tocando às seis da manhã. Acordei automaticamente às 7:49, dez minutos antes da hora da partida do nosso primeiro trem de volta para casa. Por sorte, havia um que partiria uma hora mais tarde, mas que tornou nossa jornada um pouco mais longa do que a calculada. Nos arrumamos com uma rapidez impressionante e dentro de menos de meia hora estávamos na Ostbahnhof, de onde partiríamos rumo a Saarbrücken. De todas as quatorze horas pulando de trem em trem, vale a pena destacar o trecho entre Magdeburg e Kassel. O caos da Bahn alemã refletiu logo na nossa passagem pelo trem. A superlotação nos fez viajar por três longas horas em pé, esmagadas entre malas enormes de turistas do mundo inteiro. Pelo menos isso possibilitou alguma interação com as pessoas que passavam pelo mesmo que nós. Diversão a parte, eu dispensaria perfeitamente as pessoas e escolheria um lugar confortável no trem de onde eu pudesse sair para pelo menos ir ao banheiro. Bom, de qualquer forma, chegamos a Saarbrücken quase à meia-noite e eu fui dormir exausta e afobada, pensando na volta às aulas no dia seguinte bem cedo.

Berlim pode ter sido caótica e gelada, mas proporcionou o encontro, a risada, a conversa e o carinho de algumas das minhas pessoas preferidas no mundo inteiro. E, por esse e outros motivos, já consigo olhar para esses cinco dias com saudades.


6 comentários:

  1. arrasou! (no sentido brasileiro mesmo)
    dessa vez eu vou tentar nao pegar carona no seu post, espero conseguir escrever a minha versao quando tiver um teclado de verdade a minha frente!
    e querida, a gente tem que fazer viagens juntos no brasil tambem! adorei voce como companheira de viagem, por sorte e' uma das saudades do intercambio que poderei remediar com mais facilidade :)
    beeeijo!

    Alexandre

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  2. Sobre a quinta de primeira: Não tem abraço que baste, não é mesmo? E jamais se esqueça: "Chi va piano va sano e va lontano!".
    Abraço de 16°C da Lisboa a que amanhã retorno!

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  3. bom, joh... pelo menos vc não se deparou com isso aqui: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/01/em-domingo-de-calor-jovens-tiram-calcas-no-metro-de-sao-paulo.html

    risos!
    viva o frio!
    barbitcha

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  4. Só agora lendo suas "memórias", me lembrei de te desejar um feliz ano novo "por escrito"...
    Te amo, gosto muito de vler suas experiências, suas aventuras!
    Papai
    Um dia ainda vou conhecer Berlim.

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