sábado, 25 de dezembro de 2010

E então é Natal...


Ninguém me contou que um white Christmas começava com uma caminhada de quarenta minutos sob uma tempestade de neve logo pela manhã. Foi assim que fui parar ontem na estação de trem, depois de uma ligação do Charly me avisando que os ônibus não estavam passando e que eu teria que ir a pé. Andando da direção contrária da neve, meu guarda-chuva já não servia para nada. Mesmo assim fui caminhando, sentindo o vento gelado cortando meu rosto (já disse que aposentei o blush?) e me lembrando da conversa pelo Skype bem cedinho com a família, que tomava café da manhã feliz da vida. Como eu queria estar com eles, comer um pão francês e uma salada de frutas!

Já que não havia como, enfrentei a tempestade para estar com a família que me acolheu tão bem aqui. Fui até Wemmetsweiler, dei um abraço apertado na Gabi, no Charly e no Christian, aguardando o que viria a seguir, já que nunca passei Natal fora de casa. Não sei como outras famílias celebram a data, não sei o que comem, não sei quando é a hora de trocar presentes.

Sei que lá em casa sempre tem a ansiedade de acordar cedo na manhã de Natal e olhar os presentes debaixo da árvore, que tomamos café da manhã juntos, que a mamãe se estressa preparando mil tipos diferentes de comida para levar para a casa da vovó - e mesmo assim adora. Na casa da vovó, a família toda se reúne, ri muito, bebe mais ainda. Meu pai toca violão, meu tio Edinho canta junto com a tia Sandra, enquanto a minha vó se emociona e o tio Nando solta uma risada larga e a Lindinha dele fica cheia de chamegos. E aí, mais tarde, o tio Paulinho tira todo mundo para dançar forró, o tio Eduardo mata todo mundo de rir, o tio Lu faz churrasco e fala mal do meu time, apoiado pelo Bruno. A tia Fafati conta casos, ri alto e leva a perdição em uma sacola vermelha para as mulheres da família. O vovô fica sentadinho, admirando tudo com suas bochechas rosadas. Enquanto isso, nós comemos. Comemos muito. E deixamos um espacinho para o arroz doce, o pudim de leite condensado, o sorvete, a ambrosia, a mousse de chocolate, a de maracujá... E sempre cabe mais um pouco. Sempre cabe mais cachaça, cerveja e amor.

Aqui? Aqui eu não fazia ideia de como seria. Preciso confessar que me incomodou o fato de ser tudo tão silencioso. Até certa hora, não teve música, quase não teve conversa. De vez em quando, o silêncio era entrecortado por uma tentativa do Christian de puxar papo com o avô, que está passando por uma fase difícil... O Charly e a Gabi não pouparam sorrisos, apesar disso. Depois do jantar - que teve sopinha de legumes (delícia), carne de coelho (eca), batatas cozidas ao molho de cebola, repolho roxo e mousse de maçã, com Herrencreme para a sobremesa - o momento mais aguardado, a tradição da família. A Gabi empurrou todo mundo para o quarto do Christian e nos trancou lá dentro. De repente, um sininho soou, o que significa que o Christkind (um espírito natalino) passou e deixou presentes na árvore. E aí, a árvore se iluminou toda, assim como o olhar de todos eles. O avô, antes tão sisudo, chorou. Todos se abraçaram e ficamos por alguns longos minutos admirando a árvore, em silêncio. Então fui surpreendida: ganhei um cartão, um vale-compra de uma livraria, uma bola de natal lindinha cheia de bombons de marzipan dentro e uma sacola lotada de chocolatezinhos, com uma banana, uma maçã e uma mexerica. Não entendi os três últimos ítens, mas ri e agradeci assim mesmo.

Charly e Christian tentando decifrar o manual do filtro de aquário.


Depois de tanta comoção, fui assistir TV: Ponte para Terabítia. Ninguém entendeu que não era propriamente um filme de criança e eu tive que ficar explicando as coisas. Mais tarde, meu dente começou a doer muito e fui dormir, pensando em como seria se eu estivesse em casa.

Hoje? Voltei para casa a pé também, sem poder contar com a solidariedade de um motorista sequer para me dar carona. O frio hoje está cruel. Passei o dia todo sem vontade de sair. Lavei as roupas e passei o resto do dia comendo, o que ajuda a explicar o porquê de agora eu estar pesando 48kg (saí do Brasil com 41). Agora à noite, me vesti toda para ir à casa da Michelle, para fazermos biscoitos natalinos e nos prestarmos um pouco de companhia. Esperei por 40 minutos e o ônibus não veio. Então agora, com as bochechas vermelhas, queimadas pelo frio, espero por alguém (que nunca virá) com quem passar a noite de Natal. Não estou morrendo de tristeza, só para ficar claro. Digamos que é mais apropriado constatar uma fossa natalina, que amanhã passa rapidinho. Ainda mais com a proximidade da chegada da Tai, que vai afastar qualquer resquício de depressão que possa, algum dia, ter entrado pela porta do meu apartamento.

Tinha um lago congelado no meu caminho.

Por enquanto, desejo mesmo que todos vocês tenham tido um Natal realmente feliz! Que vocês tenham valorizado suas famílias. Se não, que o façam amanhã. E depois. Mesmo que não seja Natal. Abraços apertados (e gordinhos) da terra gelada!

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Preces de uma ilhada pela neve.


Que o ócio seja criativo. Que a neve caia, mas não tanto assim. Que os ônibus voltem a passar e eu possa ir ao supermercado sem ter que voltar com sacolas pesadas a pé nas dunas de neve. Que meus amigos possam me visitar. Que a Taiga chegue logo. Que eu possa ir ao cinema. Que o elevador volte a funcionar. Que eu consiga escrever minha minimonografia. Que eu encontre um tema para a minha minimonografia. Que eu consiga terminar de ler o Schiller. Que eu não precise hibernar. Que fevereiro chegue logo, mas que também demore a chegar.

Amém.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Viva Colônia (e o Gogol Bordello)!

Acordei às seis da manhã no último sábado. Lavei a louça, ajeitei o apartamento e coloquei mil camadas de roupa para me proteger do frio. Botei logo o nariz na rua, para não perder a coragem. Esperei alguns longos minutos no ponto de ônibus e me dirigi para a estação central de trens, onde encontraria o Emilio, a Michelle, a Francesca e o Ian, para irmos juntos a Colônia. Eis, chegando lá, uma movimentação estranha. Todas as pessoas esperavam do lado de fora da estação fechada, cercada por uma fita verde, da mesma cor dos vários carros de polícia que lá estavam estacionados. Ao lado deles, policiais empunhando metralhadoras. Alerta de bomba e ataque terrorista. Nunca pensei que fosse vivenciar isso aqui, nessa cidadezinha tão pequena e politicamente insignificante (que me perdoem os moradores daqui). Perdemos o trem e conseguimos chegar em Colônia depois de 6 horas, alguns cafés, cochilos, tangerinas, livros, conversas agradáveis e discussões sobre política.

Descendo do trem em Colônia, a visão imediata da Catedral. IMENSA! Nunca vi igreja maior. Como se não bastasse, é maravilhosamente esculpida em cada detalhe. É de se perder diante de tanta genialidade. Só de pensar que ela sobreviveu a 14 ataques de bombas aéreas e permaneceu de pé! Fizemos um longo e demorado passeio por dentro da catedral, admirando detalhes - eu, sobretudo, admirei a fé das pessoas que acendiam velas, ajoelhavam-se e prostravam-se diante das imagens com tanto fervor, ignorando os flashes das câmeras dos turistas embasbacados. Não acredito na igreja, mas acredito na fé das pessoas.


Saindo da igreja gelada, fomos passear por Colônia, igualmente (ou até mais) gelada. Ventava muito e caía uma chuvinha bem fina, daquelas chatas e das quais não se pode esconder sob um guarda-chuvas. Não tínhamos muito tempo até a hora do show do Gogol Bordello, então optamos por um passeio rápido no Weihnachtsmarkt am Kölner Dom (Mercado de Natal da Catedral de Colônia), onde bebi um Glühwein e me lembrei muitas vezes da minha mãe, pela variedade de enfeites de Natal. A essa altura já não estávamos mais com a Francesca e o Emilio, que haviam se encontrado com outros amigos italianos que moram lá. Então, fomos eu, Ian e Michelle para a Früh, a cervejaria mais famosa de Colônia. Eles beberam uma cerveja e fomos, então, procurar o local do show.

Não foi muito fácil achar. Perdidos em uma cidade grande (mal-acostumados moradores de Saarbrücken), andando de um lado para o outro e errando direções nas ruas. Finalmente encontramos o lugar e enfrentamos uma fila enorme debaixo de vento e chuva. Eu tinha certeza de que valeria a pena. Ao entrarmos, pude logo perceber que teria a chance de vê-los bem de perto, porque o lugar era pequeno. Seria um show intimista, daqueles que a banda se aproxima da platéia. E, de fato, foi. Começou com DeVotchKa, uma outra banda da qual eu realmente gosto. Infelizmente, pegamos só as três últimas músicas, devido à fila enorme para guardar as milhares de roupas de inverno. Tivemos, porém, a oportunidade de ouvi-los e vê-los estando bem de frente para o palco, já que as outras pessoas pareciam indiferentes à banda de abertura. Foi lindo, de arrepiar.

O único problema foi a minha ilusão de que os alemães eram mesmo super fãs do seu próprio espaço pessoal e que o show do Gogol Bordello seria como o do DeVotchKa. Ledo engano. Eu estava até achando bem estranho que todos estivessem me deixando passar. Já estava quase na grade, quando o show começou. Uma vibração absurda tomou conta do lugar. Conheci, então, uma faceta dos alemães que ainda me era incógnita: eles sabem ser animalescos. Foi cotovelada para todas as direções, enquanto uma onda de pessoas avançavam para o palco. Não é exagero: eu pensei que morreria quando um OGRO que estava ao meu lado enfiou com vontade o cotovelo no meu pescoço. Mas, ao mesmo tempo, tomou conta de mim uma energia vital impressionante. Eu pulava junto com a multidão enquanto via o Eugene e o Sergey bem na minha cara. Tudo girava, a música penetrava os meus ouvidos e eu entrei em êxtase. Mal podia acreditar que era mesmo o Gogol Bordello, que era mesmo Colônia, que era mesmo eu que estava vivendo aquilo tudo. Passados os primeiros momentos de empolgação extrema, caí na real e percebi que realmente corria risco de morrer se continuasse na grade, disputando meu metro quadrado com um cara bigodudo de dois metros de altura. Fui para a lateral, de onde também podia ver muito bem, e ali dancei feito louca. Cantei alto todas as músicas, perdi a voz, perdi o controle e esqueci do mundo. Suei em bicas, tive uma dor horrorosa na panturrilha no dia seguinte e fiquei literalmente destruída. Digo, apesar disso, que foi o melhor show da minha vida. Delírio. Sem contar as horas em que eu usei a língua portuguesa como instrumento de catarse e gritei bem alto coisas que ninguém entenderia (ou quase ninguém. Descobri, no dia seguinte, que o Eugene - vocalista da banda - já tinha morado no Brasil e falava português). O ponto auge do show foi, inclusive, uma hora em que ele disse que tocariam uma versão gypsy-punk-sambatronic de uma música e eu gritei: "SAMBAAAA!" e o Eugene RESPONDEU: "let's see if you can dance samba, then!" e eu enlouqueci. Foi mesmo catártico.


E aí, depois do show, eu estava estragada. Não conseguia andar, conversar nem reagir a nada. Fiquei entorpecida e só conseguia sorrir. Fomos, de lá, procurar o Emilio, a Francesca e seus amigos italianos. Voltamos para a Früh e ficamos lá até fechar. De lá, direto para a estação central, onde pegaríamos o trem somente às seis da manhã. Exausta, deitei no banquinho da padaria e dormi feito um bebê. Algumas horas depois, estava de volta a Saarbrücken, onde passei o resto do fim de semana dormindo e me reidratando, tomando cuidado para não acabar ainda mais com a minha panturrilha. Em uma palavra? SUBLIME.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Ciao, bella!

Quarta-feira passada, assim que começou dezembro, peguei minha mala de menos de dez quilos (aprendendo a conviver com as regras sem sentido da Ryanair) e segui em direção à estação principal de trem de Saarbrücken. De lá, peguei um trem até St. Wendel. De St. Wendel, outro até Idar-Oberstein, de onde peguei um ônibus até o aeroporto. O percurso até lá foi bonito, com tudo coberto de neve e com os rios correndo, bem escuros, por entre as montanhas branquinhas. Só bateu medo quando cheguei no aeroporto e vi que a neve havia dominado tudo e que vários voos haviam sido cancelados. O meu, felizmente, só atrasou. Precisaram descongelar o avião, ao que parece. Jogaram um jato fortíssimo de água nele todo, o que me fez passar por um breve momento de agonia: não conseguia enxergar nada lá fora, a não ser um vapor opaco que me fez pensar por um instante em ataque terrorista. Na volta, não foi muito melhor. O voo atrasou meia hora, me fazendo perder o último ônibus para Trier e, consequentemente, o trem de volta para casa. Desesperada, mandei mensagem pro Alexandre tentar encontrar uma alternativa para mim, porque eu tinha prova às oito da manhã do dia seguinte. Depois de um ônibus até Mannheim, uma estação de trem fechada. Sentei do lado de fora e, debaixo de muito vento e neve, resolvi que era impossível ficar nessa situação por mais três horas. E tudo piorou quando um rato passou por mim e eu senti arrepiar até a alma. Saí correndo, em pânico, na estação vazia, querendo chorar e me teletransportar direto para o Brasil, onde eu teria conforto. Como não dava, procurei algum bar que estivesse aberto e acabei encontrando um estabelecimento turco, onde tomei um café e fiquei sentada até a hora de o trem chegar. E, mesmo que ali só houvesse bêbados tagarelando em turco e apostando dinheiro no caça-níqueis, me senti um pouco mais segura. Depois de um tempinho, chegou um americano que estava na mesma situação que eu e conversamos bastante, na medida do possível, porque estávamos ambos exaustos. Ele é DJ de rap e estava na Alemanha para tocar em festas da MTV. Me deu um panfletinho e se mostrou uma boa companhia de trem. Com isso, cheguei em Saarbrücken e fui direto fazer prova de produção de texto. 30 horas sem dormir. Uma prova nem tão boa assim.

Mas, entre a quarta-feira agitada e a segunda-feira caótica e insone, existiu a Itália. Posterguei por muito tempo o relato sobre os ótimos dias que passei lá, porque não me sentia suficientemente inspirada (e ainda não me sinto, para falar a verdade) para contar de forma digna. Apesar do hiato criativo, é melhor contar logo, porque as notícias já estão se acumulando.

1º dia: Verona e Spacca Napoli
Algumas pessoas questionaram a minha decisão de ir a Verona. Disseram que outras cidades eram mais bonitas e que, com o pouco tempo que eu tinha, não valeria a pena. Por mais que a minha motivação tenha sido ingênua e clichê (visitar a casa de Julieta), digo a essas pessoas que estão perdendo muito em pensar que Verona é tão pouco. Quando chegamos lá, eu e o Alexandre ficamos meio calados, tentando esconder a ligeira decepção com o visual da cidade e com a nossa falta de planejamento. Nós não sabíamos o que fazer, para onde ir nem o que tinha de interessante para se visitar. Mas precisamos só de alguns minutos de caminhada para descobrirmos uma cidade linda, cortada pelo rio Aldige e toda enfeitada por casinhas coloridas. Visitamos um Teatro Romano e um museu arqueológico, de onde tínhamos a vista da cidade inteira. Depois, entramos em um jardim imenso e verde, mas saímos rapidinho antes que alguém nos pegasse lá dentro sem ingresso. Mais tarde, fomos tomar um chocolate quente branco e comer alguma coisinha gostosa de padaria. Gente, o chocolate quente é uma beleza. É feito de chocolate e não de achocolatado, é cremoso e proporciona uma super sensação de conforto. Depois disso, fomos procurar a casa da Julieta. No caminho, as luzes da cidade começaram a se acender e Verona estava toda bonita para o Natal. Na casa da Julieta, uma surpresa: agora as pessoas não escrevem mais cartas a ela pedindo conselhos nem desabafando sobre seus amores. Agora a Julieta tem e-mail. Eu morri de rir, mas mandei uma cartinha eletrônica para ela assim mesmo. As paredes da entrada para o pátio da casa são todas escritas, repletas de corações com os nomes dos amantes que por lá passam. Há promessas de amor eterno em todas as línguas e alfabetos, corações de todas as formas, cores e tamanhos. É mesmo bonito (e brega), isso de amar. Entrei na casa, passeei por entres os cômodos, ciente de que aquela provavelmente não é a casa dos reais Capuletos, mas tomada pela magia da verossimilhança literária (se é que isso faz algum sentido). Enquanto lia trechos de Shakespeare, talhados em madeira, ia imaginando as cenas em cada cômodo. Por fim, subi na bancada e fiz pose para o Alexandre tirar foto. E peguei no seio direito da estátua da Julieta, claro. Dizem que dá sorte no amor.


Voltando para Bologna, o Alexandre me levou para me livrar da abstinência de pizza. Não comia há mais de três meses. Fomos na Spacca Napoli com o Thibault, amigo francês dele, e a pizza que chegou à mesa teria me feito cair para trás se já não tivesse sido alertada sobre o tamanho. Não sei como italianos não engordam. Sabe a nossa pizza grande, que dividimos alegremente com a família e os amigos e ainda sobra um pouco para o dia seguinte? Então. Na Itália as pessoas comem aquilo SOZINHAS e quase nunca sobra um pedaço para comer frio no café da manhã. Por isso, dividi a minha com o Alexandre e ainda consegui levar uma fatia pra casa. No caminho de volta, uma surpresa: o pessoal ligou para o Alexandre e chegmos em casa a tempo de vê-los no Skype. Fez meu dia terminar mais feliz ainda.


2º dia: Bologna e Kings of Leon
Acordei com o pé destruído pelas andanças do dia anterior e pela estréia do meu Allstar novo de inverno. Tinha me esquecido que tênis novo custava a amaciar. Mancando, saí para levar o Alexandre na faculdade e para conhecer Bologna. Enquanto ele estava na aula, andei pela Via Zamboni, apreciando os ares das faculdades antigas entre os pórticos. A Universidade de Bologna é a mais antiga do mundo, fundada em 1088. Fascinante. Entrei na Faculdade de Letras e Filosofia para sentir o clima e, de lá, fui a um museu onde encontrei de tudo que tinha a ver com ciência. Depois fui passear na biblioteca. Uma velhinha simpática desembolou a falar italiano comigo e eu tentando explicar que não, eu não queria fazer uma visita guiada pela biblioteca. Mas, como meu italiano é quase tão bom quanto o meu chinês, não me fiz entender e logo chegou um cara que falava inglês para me guiar. Ele pareceu super empolgado por alguém querer conhecer a biblioteca, como se há séculos ninguém tivesse querido. Eu achei bonitinho e adorei a disponibilidade, o esforço para me explicar tudo com detalhes. Ele me levou na seção de manuscritos e eu fiquei babando feito idiota, olhando boquiaberta para obras maravilhosas, livros imensos e muito muito antigos. Feliz por me ver feliz, o velhinho começou a traduzir as frases gregas impressas na parede. Uma delas dizia que a literatura era o remédio da alma. Saí de lá mais leve e fui encontrar o Alexandre na faculdade. Conheci alguns amigos dele e posso afirmar que entendo o porquê de ele gostar tanto dos italianos. Quando comparados aos alemães, italianos são como brasileiros.

De lá, fomos passear e procurar algo para comer. Acabamos comendo uma piada, que é um sanduíche tradicional da região da Romanha e que me lembrou uma espécie de crepe ou de falafel, mas acho que os italianos não gostariam da comparação. Fomos ver a cidade, a Fontana di Netuno e as torres de Asinelli e Garisenda, mas não subimos, porque tinham me falado que, se um universitário sobe na Torre degli Asinelli, está fadado a nunca se formar. Não podia correr o risco (ou podia, mas parecia que as torres estavam fechadas a visitação). No final da tarde, fomos tomar sorvete. Os melhores da minha vida. Pistache, nozes com nutella e um tal de inferno, que incluía baunilha e mirtilo. É indescritível. Derrete na boca. Emudece. Ah, indescritível mesmo. Kibon nunca mais será suficiente.


À noite, peguei um ônibus para o Futurshow Station, onde seria o show do Kings of Leon. Eu estava tomada por um misto de ansiedade, felicidade e medo, porque iria sozinha e bem, não sei falar italiano. Chegando lá, uma sensação meio estranha de vazio e solidão. Todos estavam acompanhados e pareciam felizes por ter alguém ao lado. Muitos casais apaixonados me rodearam. Como as cadeiras eram marcadas, não tinha nem como eu fugir dos pombinhos. Quando o show começou, porém, todas as sensações ruins foram embora e eu fui tomada completamente pela música. Foi um show do tipo introspectivo, daqueles que se observa paralisado e absolutamente encantado. Música de qualidade e a sensação maravilhosa de não conhecer absolutamente ninguém em um lugar tão cheio. Em pouco tempo, estava cantando loucamente e ignorando os casais calados (e colados) ao meu lado.

3º dia: Veneza
Acordamos o mais cedo que a nossa noite anterior nos permitiu e pegamos um trem em direção a uma das ditas mais belas cidades italianas. As minhas expectativas, porém, não eram as melhores. Muita gente havia dito que Veneza não tinha lá o cheiro mais agradável, que as ruas eram sujas e que a fama não fazia jus à verdadeira cidade. Como não, pessoas? Veneza é maravilhosa em cada detalhe e NÃO fede. Pelo menos não no inverno. E é fantástico o fato de que não existe um carro sequer por lá. As ruelas mal permitem a passagem simultânea de duas pessoas, as bicicletas circulam esporadicamente e o transporte é mesmo via-mar. Outra coisa idiota de que eu só fui me dar conta quando cheguei lá: Veneza é uma ilha e fica no mar. Hahaha! Podia jurar que os canais que via nas fotos eram rios. Ignorância a parte, tudo em Veneza me encantou. As casinhas pintadas em cores fortes, as gôndolas, os vaporettos, os muros descascados e antigos, as pontes. As igrejas também são lindas. As máscaras tradicionais de carnaval foram capazes de nos prender dentro de lojas por longo tempo e atmosfera é mesmo bem romântica. Se algum dia eu me casar e for rica (ponto importante), lua de mel em Paris e Veneza.

Caminhando, encontramos uma exposição do Kubrick como fotógrafo e fomos visitar. Quando anoiteceu, a cidade pareceu outra, mas não menos bonita. Encontramos finalmente a praça onde fica a San Marco, uma catedral maravilhosa - por fora, porque demoramos demais e ela já estava fechada. Ficamos admirados com as luzes da cidade refletidas na água e não queríamos ir embora.


4º dia: A feira da Montagnola
O Alexandre sempre tinha falado muito de um mercado artesanal que fica na praça da Montagnola. Era promessa de preços baixos por produtos que variavam de bateria pra relógio, shampoos, cachecóis, roupas e sapatos. Tinha mesmo de tudo. Foi a minha salvação, na verdade. Meus pés já não suportavam o allstar apertado e comprei uma botinha daquelas peludas por dentro. Não são exatamente bonitas, mas super confortáveis e não custaram muito. Passamos um dia mais tranquilo e pedimos uma pizza à noite, comemos no quarto, fofocando e vendo vídeos imbecis na internet.

5º dia: Ferrara
Acordei tendo em mente que iria finalmente conhecer Florença e a Galeria Uffizi. Não contava que os trens regionais estariam lotados e não haveria mais bilhetes. Foi bem frustrante ter que deixar Florença de lado e trocá-la por Ferrara. Eu não fazia ideia do que havia em Ferrara, mas com o guia da Paula em mãos, peguei o trem e fui, enquanto o Alexandre ia para a faculdade. Chegando lá, um ambiente bem bucólico. Fui caminhando em direção a nada e acabei encontrando um velhinho no caminho, que me parou e balbuciou algo como "fotógrafa, a igreja" e apontou para uma direção. Como eu estava mesmo desorientada, fui para onde ele tinha indicado e encontrei a Igreja de San Cristoforo alla Certosa. Entrei, dei uma olhada e fui passear no jardim imenso que a circundava. Mal sabia eu que estava caminhando entre os mortos. O negócio é um cemitério IMENSO e fica completamente afastado da cidade. Mas devo dizer que é o cemitério mais bonito que eu já vi. De lá, peguei o sentido contrário ao que o velhinho da bicicleta havia indicado e cheguei onde parecia ser o centro histórico. Vi um castelo medieval - fechado. Um museu - fechado. Uma igreja - fechada. Maldito dia que fui escolher para viajar para lá! Segunda-feira é o dia em que tudo está fechado. Logo, tomei um cappuccino e peguei o trem de volta para Bologna. Ferrara é bonita, mas não tem nada de excepcional. Em Bologna, fiquei conversando com o coinquilino do Alexandre até que ele chegasse para me fazer companhia. Fiz as malas enquanto o Alexandre preparava nosso tortelloni all'alfredo. Comemos e ele me levou à estação, onde começou a aventura relatada no começo do post.


Por mais que meu plano de conhecer Florença tenha falhado, a Itália me conquistou. As pessoas são super amigáveis, a comida é fabulosa, o café tem gosto de café de verdade, o sorvete é divino, a arquitetura é bem interessante. Pretendo voltar em fevereiro, mas dessa vez para conhecer Roma.