quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sobre o que importa

Eu deveria escrever sobre Budapeste - linda - enquanto as memórias estão frescas. Mas um outro tipo de registro se fez mais urgente.

Uma vez me perguntou o Caíque se a minha vida era tão poética quanto eu a ilustrava em meus posts. Digo que poéticas são as impressões. Assim como a neve é tão branca em filmes e tão suja quando derrete, que ninguém quer registrar. Depois de algumas horas de faxina, minhas mãos estão ressecadas, descascando pela agressividade dos produtos de limpeza. Depois de algumas horas tentando rearrumar a vida, percebi-me exausta.

E aí me dei conta de que a exaustão é emocional. Agora é o momento de poetizar ainda mais, de me apaixonar ainda mais pela pequena e aconchegante Saarbrücken, só porque é quase hora de ir embora. Agora, que falta menos de um mês, comecei a descobrir mais a fundo meus novos amigos e fica a certeza de que vai me doer bastante ter que deixá-los do outro lado, separados por um oceano inteiro. Bem que me disseram que o coração nunca mais é inteiro depois de uma experiência de intercâmbio. O que importa é o que te quebra em duas cidades. O que me importa está aqui e está no Brasil. O que me importa não é passível de tradução em português. Quem dirá em alemão, em francês, em espanhol, em italiano, em magiar ou em qualquer outra língua que tenha me conquistado. O que me importa está eternizado em textos e em fotos, em lembranças bonitas com cor de neve limpa e de um entardecer rosado de inverno.

Eu não quero ir embora. Eu não quero ficar aqui. O estrago foi feito, encontrei amor demais em todo canto do mundo. De um começo frio, no verão, passei a habitar um inverno caloroso, cheio de abraços e sorrisos. De longe, descobri quem realmente se importa comigo e me surpreendi com quem não faz questão nenhuma de me ter por perto. Aprendi a gostar mais de mim. Aqui de longe, me soube muito mais brasileira e amei mais as nossas paisagens, as nossas cores, a nossa literatura e a nossa música. Aqui ouvi Insensatez tocada ao violino e chorei de saudades. O estar longe me fez querer ficar bem mais perto. Talvez voltando para casa me descobrirei outra, de hábitos mudados pela cultura daqui, me fazendo querer voltar.

De tudo isso, a certeza da inquietude. Nunca mais um coração inteiro. Sempre uma lembrança, uma vontade imensa de fazer tudo caber em um lugar só. Sempre um balanço maluco na memória, umas cócegas na alma. Sempre tempo de batatas, sentindo falta do pão de queijo e do feijão. Sempre tempo de amor. A certeza de que o verdadeiro amor é livre. Mas nunca mais um coração inteiro.

10 comentários:

  1. você fica dizendo "nunca mais um coração inteiro"... me permite apontar uma ótica alternativa (e mais verossímil, na minha não-tão-modesta opinião) pra esse quadro?

    você tá dizendo que seu coração se partiu em dois (ou mais) pedaços, em dois (ou mais) lugares, um aí e outro aqui? e por isso ele nunca mais será inteiro?

    eu acho que o que aconteceu foi que seu coração não se dividiu, mas, muitíssimo pelo contrário, se multiplicou.

    isso acontece o tempo todo na vida. amar alguém ou alguma coisa é criar em nós mesmos um coração a mais, só praquela pessoa ou coisa. só que tá tudo geralmente bem próximo na nossa vida, então essa multiplicidade acaba passando meio despercebida.

    a questão com o intercâmbio é que cê viveu praticamente outra vida aí, bem à parte da sua aqui. aí dá pra distinguir claramente o coração que surgiu pra vida aí e o daqui.

    eu costumo dizer, quando tô falando de coisas da vida, que "it's all about the people". são esses vários corações, postos juntos, que definem quem a gente é. quanto mais, melhor!

    tá, admito que seria mais legal se todos esses corações pudessem ficar juntos ou pelo menos próximos... mas nem por isso tudo deixa de ser motivo pra você se sentir bem e feliz.

    é mais uma das mostras de que você realmente é enorme, gigante, como eu sempre te disse que você é.

    cê é um orgulho, pituca ;D*

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  2. mal posso esperar, by the way, pra te abraçar até estalar todas as suas costelas XD

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  3. Já disse que achei lindo no facebook, mas digo de novo... Me identifiquei com cada frase do seu posts, de verdade! Essa sensação é gostosa demais... É ruim, mas é boa... Nada como uma bittersweet symphony, mas vale a pena... É amor demais! Muuuuuuuuuito amor! Só concordo com seu amigo aí em cima... O coração agora é maior, duplicou... E as vzs parece que não vai caber tanta saudade! Estou feliz que, do meu ponto de vista, você captou o que tem de melhor numa experiência de intercâmbio.. É isso aí, o que a gente nunca consegue explicar, só vivendo... :D

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  4. Nunca mais um coração inteiro
    Para sempre um coração e meio
    Para sempre um coração é meio
    Meio para tudo o que se queira
    Mas é meio uma questão de princípio, eu acho.
    E quem é que se importa com o fim?

    Muito bem, fiota!

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  5. Meu Deus!!! Que saudades infinitas!!!! Esse seu coraçãozinho divido e multiplicado é um presente para nossas vidas! Te espero! Te amo! Mamãe

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  6. Oi Joh...

    "O que te quebra em duas cidades" me faz lembrar o nascer...do embrião ao ser...
    Parafraseando nosso muito querido Marcolino e vendo o exemplo do mistério da vida, que se multiplica a cada instante - não será por isso que nos dividimos e multiplicamos?...(:>)
    Vamos entrando em um mundo filosófico, nem explicado por Platão...mas o mito da caverna é uma realidade do ser humano, de seus conflitos, de lidar com seus medos, com sua luz...(Mandela).

    Bjão do Papai
    Te amo

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  7. me emocionei com esse texto. saudade joh! quero te abraçar igual o marcolino! xaxaxaxa
    beeeeesosybesos

    barbicha

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