sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Diários de uma doninha de casa

Curiosamente, o assunto desse post coincide com o que a Taiga comentou no último: "Tô sentindo um silêncio que eu espero ser das ocupações de uma dona de casa... Beijo (curiosa e apressada) [quem mandou me acostumar mal?]". De fato, a última semana foi verdadeiramente pesada e eu mal tive tempo para respirar. Infelizmente, escrever não pode substituir as tarefas domésticas nem se sobrepor a elas. Pelo menos agora, no começo. Tento resumir, então, o que aconteceu nos dias que antecederam à mudança de casa e depois disso.

Segunda-feira - 30 de agosto
Acordei feliz e cheia de planos. Queria passear pela cidade, ir ao cinema, fazer as unhas, planejar aulas e descansar. Nada de extravagante, mas mesmo assim não foi possível. Aproveitei uma carona da Gabi para ir ao supermercado e comprar as coisas básicas que precisaria para o meu apartamento novo. E lá fomos nós: a Gabi ao supermercado e eu, em direção ao óbvio mas desconhecido. Eu não fazia ideia de que produtos escolher. Nunca tinha precisado, por exemplo, comprar produtos de limpeza para cozinha e para o banheiro. Ainda mais em alemão. Depois de muito tempo rodando o supermercado a procura de algo que eu não sabia bem o que era, comprei panos, vassoura, pá, sacos de lixo, desinfetante, limpa-vidros, amaciante, sabão e tudo o mais. Mas fiquei mesmo querendo comprar a estante de doces inteiras. Precisei me segurar muito para não me render aos preços baixos das delícias alemãs. Voltei para casa cansada e pensando em talvez realizar os planos frustrados no dia seguinte.

Terça-feira
Se eu consegui realizar tais planos? Bobagem. A Anna combinou com o Christian de me buscar às três da tarde para irmos juntas à Universidade, para eu finalmente ver o ambiente e conhecer a localização dos prédios. O prédio que equivale à Faculdade de Letras é bem antigo e fica perto do de música. Espero ouvir um som de piano ou violino quando as minhas aulas estiverem chatas! Fomos também ao Mensa, o que seria o nosso querido e temido Bandejão da UFMG. Mas, gente, o negócio é tão enorme que parece um shopping! Na porta do Mensa, porém, uma visão triste: flores e bilhetes para uma estudante que foi assassinada pelo namorado semana passada. E eu, iludida pelo estereótipo do primeiro mundo, pensava que por aqui essas coisas não aconteciam! Bom, depois de muita andança e sol na cabeça, resolvemos que era melhor voltar para casa. A Anna me levou de volta e entrou para me mostrar alguns links úteis no site da Universidade. Ela e a Gabi se sentaram no sofá e desembolaram a falar sobre mim em Saarländisch. Ou seja, não entendi nada do que elas estavam resolvendo POR mim. No começo, achei fantástico que alguém pudesse ser assim tão disposto a ajudar, mas depois me senti deixada de fora da resolução das minhas próprias pendências. Fui dormir muito cansada e irritada por causa disso. Eu precisava tomar as rédeas, porque moraria sozinha a partir do dia seguinte, afinal.

Quarta-feira
Dia de mudança e muita papelada! Charly me levou à Universidade para que eu pudesse assinar os documentos finais e pegar as chaves do meu apartamento. Fui pulando de sala em sala, conhecendo todas as figuras importantes do escritório internacional e assinando mil coisas. Adquiri, por um preço bem compensador, um ticket de ônibus que vale até as férias da Universidade acabarem. Aí é só entrar no ônibus, mostrar esse ticket e passar. Mal sabia eu que precisaria tanto assim dele. Depois de toda burocracia, o apartamento. É muito mais bonitinho do que eu imaginava. O quarto tem uma cama com travesseiro e cobertor, uma escrivaninha grande, uma estante, um guarda-roupas, um frigobar. A cozinha é minúscula, com uma pia, um fogão de duas bocas (daqueles de acampamento) e um armarinho. O banheiro é bom também, mas a pia vive entupida. Preciso resolver isso rápido, antes que eu alague o banheiro todo. Me mudei, então, na tarde de quarta-feira. Ainda bem que o Christian me ajudou a subir com as malas e compras. Quando começou a anoitecer (veja bem: não disse escurecer, porque o sol nos sorri até às 20h30), desci com meu notebook para procurar o técnico da internet. No andar térreo, encontrei um menino com cara de perdido e um computador idêntico ao meu na mão. Ele me olhou assustado e soltou algumas palavras em inglês. Ele achava que a internet estava com problemas, quando, na verdade, ele só precisava se inscrever com o técnico, como eu. O problema foi: eu simplesmente NÃO CONSEGUI falar inglês. Gaguejei, misturei tudo com o alemão, incluindo palavras e estruturas gramaticais. E o pior foi quando ele me perguntou sobre o meu trabalho: professora. De INGLÊS. Foi um desastre e eu quis chorar de raiva e frustração. No final das contas, consegui falar com ele, que vem da Bulgária, em alemão e ele achou a maior graça na minha confusão. Internet instalada, subi para o meu apartamento (que fica no sétimo andar, Katze), lavei todas as louças, limpei a cozinha e o banheiro. Depois, enquanto tomava banho, a água quente acabou de repente e eu tive que lutar pela minha sobrevivência. Não foi fácil escapar da morte por hipotermia. Minhas unhas e meus lábios ficaram roxos e minha cabeça congelou, como quando a gente toma milkshake gelado muito rápido. Enrolada no cobertor, dormi. Pela primeira vez, completamente sozinha na Alemanha.




Quinta-feira.
Acordei relativamente cedo e fui para o ponto de ônibus, em direção ao centro de Saarbrücken. Precisava me registrar na Polícia e tirar fotos para o visto. Totalmente perdida, tive que perguntar a algumas pessoas como chegar onde eu precisava ir. O engraçado era que cada um me direcionava para um lugar diferente e, no final das contas, a Polícia não ficava em nenhum desses lugares que me eram sugeridos, mas do lado do ponto de ônibus onde desci. Raiva. Foi tudo bem tranquilo, consegui me comunicar e convencer a mocinha de que eu não era uma brasileira mal intencionada. Enquanto esperava minhas fotos ficarem prontas, dei uma voltinha pela Diskonto-Passage, que é uma galeria subterrânea cheia de lojas legais. Lá, entrei em uma loja enorme que tinha de tudo desde artigos de cozinha, passando por roupas, até chegar em... papelaria. Ai, por que papelarias precisam ser tão deliciosas? Eu quis comprar tudo, mas acabei levando só uns envelopes, papéis de carta e canetas, já que eu agora tenho um endereço fixo e posso escrever cartas! Andando mais um pouquinho, não resisti e comprei um livro baratíssimo do Star Trek e uma agenda do Pequeno Príncipe. Voltei, então, para casa, deixei as compras e rumei para o Mensa da Universidade para almoçar. Fiz tudo errado: entrei na fila errada e ainda por cima sem pagar. A moça que servia a comida viu que eu estava perdida e me ensinou como fazer. Depois de algum constrangimento, me sentei à mesa naquele lugar imenso, com um igualmente imenso prato de espaguete. Molho de queijo com cogumelos, bem gostoso. Além disso, uma salada de alface e uma sobremesa horrível, que eu não sei o que é. Era comida demais e eu não aguentei comer tudo. Decidi, então, desistir desse PF de todos os dias e comer no self-service do Mensa. É um pouco mais caro, mas pelo menos não preciso jogar comida fora. À tarde, enfrentei uma fila lotada de chineses e coreanos para fazer matrícula. Foi muito triste perceber que todos estavam enturmados demais para tentar puxar assunto comigo. Mais triste ainda foi ver que tinha um cara sozinho na minha frente, calado, que me olhou mas não falou comigo. Depois de cinco minutos, chegou outro e eles se olharam. Um disse: "English?" e o outro respondeu: "Français". Eles se apresentaram e começaram a conversar em francês, me ignorando. Voltei para casa chateada por não ter conseguido conversar com ninguém, apesar de estar disposta. Precisei então de muito incentivo do Marcos e da minha mãe para largar o computador e ir desfazer minhas malas. Arrumei o armário todo e, à noite, fui para o Heimbar - uma espécie de barzinho que tem aqui no meu prédio mesmo, para os estudantes. Chegando lá, estava meio vazio, porque ainda é período de férias. Esqueci o episódio de solidão da tarde, chutei o balde e já cheguei lá cumprimentando todo mundo e me apresentando. Conheci um peruano que trabalha com os estrangeiros aqui, além de ser professor de danças latinas. O que vocês acham, me arrisco a fazer aula de salsa? Além dele, conheci alguns alemães - um deles era a cara do Chris Martin do Coldplay e o outro do Michael Pitt - e um turco bem tagarela. Eles foram legais e o peruano quase morreu de felicidade ao saber que tinha alguém com quem praticar o português. Eu bebi um Schweppes de limão amargo, muito forte, por 50 centavos. As bebidas são muito baratas no Heimbar e acho que é por isso que ele existe.

Sexta-feira
Depois de tomar um café da manhã sem café (ainda não tenho coador), empunhei a vassoura, varri tudo (como se fosse grande), tirei poeira dos móveis e arrumei a cozinha. Almocei com o Styben, o peruano, e um amigo alemão dele no Mensa. Dessa vez, comida mexicana. Tinha nachos con chili sem carne e uma salada de cenoura. E a sobremesa estava razoável. Depois do almoço fomos direto ao supermercado, onde conheci três americanos que também moram no prédio. Foi um alívio conseguir falar inglês de novo, mesmo que devagar e ainda pensando em alemão. Hoje à noite vamos sair todos, os americanos, o peruano, o búlgaro e eu. Vamos a algum bar conversar um pouco, sem muita bagunça.

O diário fica por aqui, porque vocês não merecem ficar lendo todos os detalhes dos meus dias de dona de casa. Por enquanto, nada muito divertido aconteceu e eu ainda não consegui sair da cidade. Vou planejar alguma viagem curta aqui por perto para ter o que contar e o que viver.

16 comentários:

  1. Várias coisas legais aconteceram, esse início meio conturbado é sempre ótimo..e fico feliz que você finalmente chutou o balde..ou é o primeiro passo para você realmente aproveitar tudo por aí..chuta o balde mesmo..afinal ninguém te conhece por ai mesmo....hahaha bjaum joohh saudades!!!!!

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  2. Concordo com o Cesco! Como assim: não aconteceram coisas legais? Joh, você, na Alemanha, morando sozinha, conheceu, um turco, um bulgaro, um peruano, e americanos! muito legal! Faça aula de salsa *-*
    bom, eu posso ter notícias novas semana que vem, mas a previsão é de te deixar beem animada: ano passado minha amiga (da mesma IC que eu) teve férias de um mês.
    Te amo e se divirta ao máximo (devia ter tentado conversar com os frances na fila, que eu sei que você ia conseguir... hahaha)
    :*

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  3. nem te conto o tamanho do sorriso que brotou na minha cara quando eu li "Esqueci o episódio de solidão da tarde, chutei o balde e já cheguei lá cumprimentando todo mundo e me apresentando." xD

    e, pôw, "vocês não merecem ficar lendo todos os detalhes dos meus dias de dona de casa"? quê que a gente tem que fazer pra merecer então? xD [2]

    (L) :**

    PS: véi, que gracinha seu cubículo! pareceu moh gostoso :D a vista da janela ali é bonita?

    ^^

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  4. Cesco, o ímã que você trouxe da Irlanda pra mim já está enfeitando a geladeira! :)

    Tai, o problema é que os meninos não quiseram conversar comigo. Entre eles, foi tudo simples e rápido. Eu estava ali atrás do cara há meia hora e ele nem tentou falar comigo. Quando o outro chegou foi contato imediato. Sei lá, deve ter sido amor à primeira vista entre eles. E... SÉRIO? Aqui é tão pequenininho, mas nada que muito amor não resolva. Seria ótimo ter mais um colchão aqui e dividir a água fria com você! (L)

    Marcos, a vista aqui é linda! Tem uma floresta ainda toda verde lá fora, com trilha para caminhada. Daqui do alto dá pra ver tudo e ouvir as pessoas conversando enquanto caminham. É bem gostoso.

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  5. ainda que as coisas não estejam acontecendo do jeito que você imaginava, você já tá toda enturmada! e o cara da fila provavelmente não falou com você porque ficou intimidado por seu corpinho violão ;)

    beeeijo, djodjó!

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  6. joh, eu adorei esse seu diário inicial em Saarbrücken! Também achei bem simpático o ap!
    e recomendo a salsa!! hahaha
    acho que ela vai te ajudar a se soltar mais! ;)

    love,

    Camilla <3

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  7. deliiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiicia de quarto!!! ahahhaha espero que vc consiga limpar com alguma frequencia! eu aqui queria dividir a tarefa com os gatos, afinal, a casa é dos 4 hahahaha

    beijao!!!

    p.s.: nossa 3 linguas dançando na cabeça deve ser mto tenso O_O

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  8. nhô! adorei sua casa! :] ou, conta tudo aí, vai! gosto de detalhes! heheh
    ah, e faz aula de danças latinas sim! sabe-se lá quando é que você vai ter essa oportunidade de novo...! ^^ beijim!

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  9. O cara pode não conseguir falar com mulheres, igual aquela pessoa do The Big Ben Theory! Pense nisso!!

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  10. Antes de qualquer coisa: ADOREI teu blog! AHHH!
    Hahaha, certo, agora que passou o momento histeria...

    Sabe que a graça desses momentos é a parte da confusão? Bom, pelo menos eu acho. Quando pegamos pra ler esses desabafos percebemos o quão divertido foi (no final das contas).

    E seu apartamento é lindo, lindo, lindo. Queria morar num lugarzinho simples assim. Achei tão aconchegante (:

    Beijo!

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  11. que isso, seu ap é bonitinho demais!

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  12. Alienígena singela vida! Engrosso o coro dos que aplaudem a chutada no balde! Gostei do esquema da janela, de serem audíveis as conversas dos passantes. Dá uma boa fração de domingo, à Vander Lee: "Dou tudo pelo seu carinho, mas gosto de ficar sozinho olhando da janela do meu quarto..."
    Ah, fiota!
    Será que verei isso tudo de perto, apenas coberto de neve?
    Ah, e me desculpe pelo skype! Não te ignorei, dormia... Eu durmo com música do computador e skype fica online! Como ele antes não era habitado, não houve problemas, mas agora você a a Gahbi moram nele, né! haha! Embora vc ainda seja um hóspede muito silenciosa! Chute o pau da barraca e fale comigo, haha!
    Abraço à Gabriel!

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  13. Não conseguiu comer sua mala, não queria desfazer os asiáticos, e não conversou com seu prato de espaguete? Só #fail

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  14. Joh, nem é tão ruim assim ser "dona de casa de um ap tão bonitinho". E vá se aprimorando no conhecimento de panos, vassouras e produtos de limpeza, vou me aposentar!!!
    Bj linda! Mamãe

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