quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sobre o Oktoberfest e a Lei de Murphy.

Conforme prometido, sexta levei um bom bocado de estrangeiros para o famigerado Brasil Nativo, que fica logo ali no Johannes Markt, no centro de Saarbrücken. Eu mesma nunca tinha ido lá e não fazia ideia de que o bar era tão pequenininho a ponto de caber só eu e meus amigos e deixar todos os outros clientes de pé. Apesar disso, ele é bem verde e amarelo, tem uma bandeira pendurada e alguns quadros que remetem ao artesanato da feirinha da Afonso Pena. No cardápio faltam as porções de mandioca frita e torresmo, mas aí acho que seria querer demais. E, é claro, não faltou cachaça e caipirinha do menu do bar. Pedi uma coxinha e um guaraná e, apesar de ter ajudado a matar a vontade, o guaraná veio sem gás e a coxinha era minúscula, como aquelas de festinha de aniversário. Tive que pedir umas cinco e só não pedi mais porque não era lá o item mais barato do cardápio. MPB? Bobagem. Os músicos passaram a noite tocando versões abrasileiradas de músicas americanas e, vez em quando, soltavam um Kid Abelha ou Skank. Eu não gostei muito, mas os chineses e os americanos pareciam estar se divertindo.

Fomos embora cedo, para conseguirmos dormir pelo menos algumas horinhas antes de irmos para a estação. O colchão de ar estava gelado e eu não dormi, escutando o balbuciar do John e alguns roncos esporádicos durante o sono. 3 da manhã acordamos, comemos o bolo amassado que tinha levado na minha mochila e fomos, a pé e no frio, para a Bahnhof. Pegamos o Bahn às 4:30 e, depois de muito trocar de trem, chegamos a München. A viagem levou aproximadamente nove horas e pude ver algumas paisagens bonitas: campos verdinhos, montanhas e vilarejos. Por mim, fazia uma parada de uma hora em cada uma das cidadezinhas, só para ver o que elas escondem. Chegando em München, não tivemos muita dificuldade em encontrar o apartamento e foi uma surpresa boa ver que o dono era brasileiro. Ele me encarregou de cuidar de tudo e de não deixar os meninos fazerem muito barulho à noite. O apartamento era super aconchegante e o quarto em que fiquei tinha uma estante de livros que ia até o teto. Eu podia morar lá.

No metrô para a Leopoldstraße, onde almoçaríamos, fiquei sabendo que dentro de uma hora começaria o clássico do futebol alemão Bayern-München x F.C. Köln e eu quase convenci os meninos a me acompanharem no estádio. Mesmo eu insistindo muito, eles não quiseram. Ainda vou ver o Klose jogar. Assisti ao primeiro tempo do jogo enquanto comia meu rigatoni ao molho de gorgonzola e espinafre e depois seguimos direto para o Theresienwiese, o tradicional campo onde o Oktoberfest é realizado.

Antes mesmo de chegar, era possível ver em toda a cidade e em cada Bahn e metrô incontáveis alemães e turistas vestidos em trajes típicos da Bavária. Eu queria um Dirdln, mas nem preciso falar sobre o preço absurdo da vestimenta. A escada rolante que subia do metrô para o Theresienwiese estava abarrotada de gente e não dava para ver um palmo à frente dos olhos - a não ser, claro, pela cabeça da pessoa ao seu lado. A expectativa só crescia. Quando finalmente pude ver o local da festa, a primeira imagem não foi de cerveja ou bretzel. Tudo o que eu conseguia ver era uma multidão recheando um parque de diversões. Pensei que era uma ideia meio estranha colocar tantos brinquedos giratórios a mercê de pessoas que passam o dia inteiro bebendo litros de cerveja. Não podia ser bom. Fomos, então, passeando e eu fui admirando os mínimos detalhes.

Chegamos ao pavilhão da famosa Hofbräu e ficamos na fila por mais de uma hora e meia. Mesmo eu odiando a espera, procurei manter a calma e perceber o que acontecia ao meu redor. Vocês não imaginam a confusão mental que dá ouvir tantas línguas simultaneamente, ainda mais quando a maioria das pessoas está bêbada. Ao invés de abstrair e me concentrar, pensei que seria mais proveitoso absorver a confusão e mergulhar na horda de pseudobávaros. Os seguranças, por sua vez, não pareciam ter senso de humor e insistiam em empurrar e apitar estridentes nos ouvidos das pessoas. Imagino a dificuldade que deve ser manter o controle em uma situação daquelas. Enquanto esperávamos, algumas pessoas que já tinham conseguido entrar ficavam tirando fotos da fila e fazendo invejinha com suas canecas colossais de cerveja. Outros eram mais gentis e tentavam alguma forma de entretenimento. Um cara com a camisa do Brasil ficava dançando atrás do segurança, fazendo caras e bocas e provocando risadas em quem esperava. Uma hora, inclusive, uma moça bêbada deitou de barriga no chão e começou a fazer passos de street dance. Enfim, uma hora e meia depois, uma garçonete surgiu de dentro do pavilhão e puxou meus amigos e eu para dentro. Tivemos muita sorte, porque o resto da multidão foi dispensada.

A segunda espera da nossa noite, porém, durou para sempre. Nos sentamos no Biergarten da Hofbräu, que é onde se espera para entrar no pavilhão oficial, e pedimos as nossas cervejas. Dividi uma Radler (cerveja com limonada) de um litro com o Matt e a Michelle, que também não são fãs de álcool. O Luke e o John beberam alguns bons litros para compensar a espera. E eu? Fiquei aguada pelo tal do Glühwein, já que ninguém queria sair do Biergarten. Tentei aproveitar ao máximo, conheci um casal de canadenses e um cara da Guatemala que misturava todas as línguas devido à bebedeira. Mas preciso confessar que não foi a minha noite preferida no universo. Daria tudo para estar do lado de fora da Hofbräu, vendo e fotografando as pessoas e as luzes da cidade. Eu queria viver a festa, eles queriam só beber cerveja. Voltando para casa, exausta, resolvi que faria o que eu quisesse no dia seguinte. Não ia perder minha viagem sentada numa mesa olhando pessoas se embebedarem.

Acordei às oito no domingo, tomei um banho bom e saí acordando todo mundo para irmos para a festa. Comprei um pãozinho doce e fofo, recheado de geléia, e um cappuccino, me sentei na barraquinha e olhei para o céu: completamente azul. Lindo. O dia tinha tudo para ser melhor que a noite anterior. Tirei muitas fotos e, pela primeira vez, andei de montanha russa. O Matt teve algum trabalho para me convencer, porque eu morro de medo de passar mal. Eu gritei horrores, bati a cabeça no carrinho várias vezes, mas valeu a pena. Fiquei querendo ir ao circo de pulgas, mas acabei deixando pra um "mais tarde" que nunca veio. É incrível o que se perde quando se permanece fechado em um mundinho, o que, no caso, era a cerveja. Amigos intercambistas que pretendem vir para o Oktoberfest, um conselho sincero: bebam sim. Mas SAIAM para ver a festa. É muita vida! É a coisa mais apaixonante ver crianças de bochechas rosadas vestidas com os trajes típicos rindo em um carrossel. É tudo imenso e colorido. Tudo pulsa e tem cheiro de festa.



Depois de entrar no clima da festa, esbarrei no desfile de abertura. Apesar de nunca ter ido ao sambódromo, posso dizer que era algo tão grande quanto o carnaval do Rio. A diferença estava nas roupas: mulheres trajando longos vestidos imponentes, homens ora com calças de couro ora com capas e chapéus. Super elegante. Cada parcela da sociedade antiga bávara estava ali representada. Ouvi falar, inclusive, que no começo houve um casamento em que um dos noivos era da Baviera enquanto o outro provinha da Saxônia, assim como eram Therese e Ludwig I, que deram origem à festa. Pena que não vi. Fiquei uma hora inteira sob o sol observando as bandas marciais, os cavalos imensos e as roupas tradicionais. Incrível mesmo! Caminhando um pouco, finalmente avistei a Bavaria, estátua colossal de cobre encomendada pelo Ludwig I. Lá de cima dela era possível ter uma vista geral da festa.

À tarde fomos para a Marienplatz, que fica no centro de München. A Rathaus é enorme e imponente, além de super florida. Lá, alguns músicos de rua tocavam uma espécie de tango misturado com punk e eu adorei. Fomos à Hofbräu de passagem, só para ver como era a cervejaria oficial, mas não entramos. De lá, pegamos o metrô para onde fica a Olympiaturm, uma antena de quase 200 metros de onde se pode ver a cidade inteira. Vi o estádio do Bayern-München, parques verdes, a Vila Olímpica e o Oktoberfest. Além disso, lá havia um museu do rock. Calças do Freddie Mercury, guitarra assinada pelo Frank Zappa, gaita autografada pelo Bob Dylan e o piano espelhado do Elton John figuravam entre as atrações.



Nos assustamos quando olhamos no relógio e vimos que faltava menos de uma hora para o nosso trem de volta para Saarbrücken sair. Corremos München inteira, eu morrendo sem fôlego, e conseguimos chegar 3 minutos atrasados. O trem já tinha ido embora. Pensando racionalmente e calculando um pouco, vimos que, se pegássemos um trem para Stuttgart, conseguiríamos chegar faltando cinco minutos para a partida do nosso segundo trem. Lá fomos nós. Acontece, porém, que esse trem se dividia em certo ponto do trajeto e algumas pessoas não sabiam disso. Por isso, as pessoas tiveram que trocar de vagão e... adivinhem só? Elas demoraram cinco minutos e com cinco minutos de atraso chegamos lá. A tempo de ver o rabinho do nosso trem indo embora. Plano B: pegar outra rota, que incluia passar três horas da madrugada fria do Bahnhof de Kaiserslautern e chegar em casa às seis da manhã de segunda-feira. Fantástico, não? Em resumo, essa tal Bahnhof da longa pausa não tinha uma cadeira sequer e não conseguimos dormir. Chegamos em Saarbrücken moídos e anestesiados de frio. Tive que faltar à aula segunda e me dar o direito de dormir até uma da tarde.

O relato do Oktoberfest fica por aqui e passo para a narrativa cotidiana. Segunda à noite o Charly veio para a aula de Português e trouxe UM PACOTE DE FEIJÃO CARIOCA. Gente, que alegria genuína! Agora só preciso arrumar uma panela de pressão. Ele trouxe também um abridor de vinho decente, para eu parar de bater a garrafa de vinho contra a parede e assustar os vizinhos. Fui dormir cedo e, mesmo assim, não dormi direito. Sonhei com própolis a noite inteira: era um sinal. Acordei com dor de garganta. Sem pão para comer, comi uma maçã e virei um bom copo de própolis para ir à aula. Quis morrer de tanto tédio. Na hora do almoço, percebi que tinha esquecido o cartão da faculdade e tive que enfrentar fila para pagar com dinheiro. Depois, percebi que tinha perdido o cartão do ônibus. Não era mesmo o meu dia. Paguei a passagem e fui para o centro, perguntar no banco por que diabos ninguém tinha me ligado ainda para eu assinar o contrato. Usei toda minha simpatia e consegui sair de lá com o papel assinado. Ao voltar para casa, porém, nem pensava que o pior do dia estava para chegar. Passei pelo motorista do ônibus com a carteirinha de estudante que só começava a valer a partir de 1º de outubro, porque alguns amigos vinham fazendo o mesmo e nunca tiveram problemas. Obviamente, eu teria. Alguns pontos antes do meu, entraram duas mulheres uniformizadas conferindo os tickets de todo mundo. Frio na barriga. Tentei colocar na cara a expressão mais neutra e tranquila possível e entreguei a ela a minha carteirinha. Ela disse que não valia, eu me fiz de boba dizendo que não sabia, que eu era estrangeira e estava aqui a pouco tempo. Inútil. Fui multada em 40 euros: o ônibus mais caro da minha vida. Isso, Joyce, vai tentar burlar as leis em um país onde elas realmente funcionam! Vai tentar desafiar a Lei de Murphy, vai! Ai, que ódio! Voltei pra casa chorando de raiva e pensando em me enterrar no apartamento até a carteirinha de estudante começar a valer. Uma outra opção era ser uma pessoa a pé por alguns dias. Resolvi testar. Fui ao supermercado comprar pão andando. O caminho é lindo e verde, tem um lago e um parquinho de criança. Isso me ajudou a relaxar e colocar a cabeça no lugar. O mundo ia continuar conspirando contra mim se eu não mudasse de atitude, né?

Por isso, hoje vou dar uma volta por aí com o Kravchenko, tomar um café no fim da tarde e espairecer. Espero que, depois de pagar a multa e comprar um cartão novo de ônibus, a minha sorte vire e tudo volte a ser vibrante como o domingo em München. Sem perder o trem, claro.

14 comentários:

  1. Ufa! Quase perdi a respiração lendo isso! Relax, dear... RELAX!!!

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  2. Ah! Quase me esqueci: LINDAS FOTOS! FIQUEI MORRENDO DE VONTADE DE IR NO OKTOBERFEST! :)

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  3. É lindo saber que seus olhos estão bem abertos prá vida!!! Conseguir apreciar a luz do céu, os detalhes da festa e as crianças a despeito de tanta cerveja te faz especial! Amo vc!!! Mamãe

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  4. Hhuahuahuahua Achei a aventura de perder os trens muito legal! hahaha

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  5. que bacana! você tem um animal de estimação chamado Kravchenko! haha...

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  6. Fiquei com dó pela multa! Mas, achei legal demais suas aventuras no Oktoberfest! haha

    Agora que estou indo direto na federal, fazendo o cacs, tá me dando mais saudade ainda de vc!!! D'=

    bjo

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  7. Primeiro de tudo, se eu não pudesse dar uma boa olhada no museu do rock por causa de uns bêbados, eu odiaria esses pândegos! Pensa bem! Ver de perto as calças de Mercúrio sem o perigo de sua presença! Glória, MAria!

    Folgo em saber que há trens que atrasam na Alemanha, haha! Justo o país a que sempre me referi como "a terra em que se pode pegar o trem das 20:04, haha!

    Filha, lamento imensamente sabê-la espertinha! Não foi como te criei! Lamento ainda mais sabê-la uma espertinha-sagui-de-chapéu, pega no ato! haha! Mas isso passa! Mas "isso, passa! Passa pra cá os quarenta euros, sua tupiniquim!", haha!

    Sorry, I couldn't help it!

    Neste dia em que me confundi em confusão nunca havida, daria tudo pra ter podido partilhar esse café no fim da tarde!

    No mais, Gerais, e NO mais!
    Beijo, fiota linda!

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  8. Só mais uma coisa: galera, esse símbolo tipo "vaga reservada pra deficientes" também lhes aparece quando da confirmação do comentário?
    Putz, sei lá!

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  9. Postei só pra saber se ia aparecer o símbolo! rs

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  10. Gabriel, seu chato! Haha! Tem o símbolo, mesmoooo!!! E é um audio!!!

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  11. Esse seu blog VAI virar um livro né?! Porque eu me perco lendo, de repente acaba e eu ainda tô no processo de voltar da minha Alemanha imaginária pro Brasil.

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  12. me divirti com essa história hahaha
    bem que podia mesmo virar um livro

    rsrs
    bj e XÔ estresse kkkk

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  13. Oi, Joyce, tudo bem?
    Trabalho no DAAD e pretendo fazer um texto para nossa Newsletter sobre Studienkolleg. Estou procurando pessoas que já frequentaram o SK para pegar depoimentos.
    Será que você poderia me dar o seu?
    Sobre como foi a experiência, como você ficou sabendo ou chegou ao SK, como você avalia o aproveitamento.
    Agradeço muitíssimo.
    Meu e-mail: rafaela@daad.org.br
    Um abraço,
    Rafaela

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