sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Enfim, a primeira semana de aula.

Ainda no Brasil, sentia muita ansiedade quando pensava em como seriam as aulas por aqui. Depois de muito pensar e esperar, de conhecer muita gente, ir a muitas festas, viajar bastante, sentir a invasão de "pools of sorrow and waves of joy" e finalmente me adaptar ao fato de estar sozinha - e morando sozinha - em um país estrangeiro (e bem estranho), as aulas enfim começaram. Tive quatro meses de férias e por isso teria o direito de demorar a entrar no ritmo. Ledo engano. Não só NÃO posso, porque as coisas aqui já estão a mil por hora, quanto não quero.

No primeiro dia de aula, acordei e estava tudo escuro. Um silêncio absoluto tomava conta do meu quarto e da floresta. Quando coloquei o nariz para fora da porta, logo pensei que minha roupa não seria suficiente. Ventava frio e, pouco a pouco, fui percebendo que tudo estava congelado. O chão molhado estava coberto de folhas ligeiramente esbranquiçadas e o ar estava perceptivelmente diferente quando comparado ao dos dias anteriores. Geou. Eu fiquei toda boba e emocionada, pensando em como será quando finalmente nevar. Enquanto esperava no ponto de ônibus, percebi que todos os carros estavam cobertos de gelo e pareciam freezers ambulantes. Foi um bom entretenimento durante alguns minutos, mas passado um tempo, já não aguentava mais esperar. SEIS ônibus passaram direto pelo ponto, porque estavam cheios. Para piorar, começaram uma obra entre a minha moradia e a universidade e o trânsito está cada dia mais intenso. Logo, cheguei à conclusão de que vou precisar acordar não mais às sete, mas às seis, para conseguir ser pontual e estar na sala de aula às oito.

Fatores climáticos relatados, volto-me ao tema inicial. Na aula de produção de texto me percebi completamente enferrujada e vi que as férias não haviam me feito bem, linguisticamente falando. O professor, inclusive, fez questão de ressaltar o quão bom meu português estava, a julgar pela estrutura do texto que escrevi em alemão. Saindo do curso de alemão, fui ao prédio onde seria minha aula de Literatura Irlandesa (é o semestre irlandês na universidade toda). Para começar, não conseguia encontrar a sala. Descobri, ao observar as pessoas ao redor, que ninguém sabia qual era, exatamente. Chegamos juntos a um consenso, entramos na sala e lá ficamos durante meia-hora, sem que o professor chegasse, até que alguém teve a brilhante ideia de ir até a sala onde a aula havia ocorrido na semana anterior, quando eu estava em Barcelona. O professor estava lá, na metade da aula, e não sabia que haviam nos trocado de sala porque aquela era pequena demais. Na verdade, ele só percebeu que o tamanho da sala não era suficiente quando nós, os atrasados, tivemos que nos sentar no chão. Isso prova que alemães não planejam as coisas de forma tão perfeita como dita o estereótipo.

A aula, em si, foi bem interessante. O professor é irlandês e foi convidado para participar desse tal semestre irlandês em Saarbrücken. O sotaque dele, assim como as expressões faciais, é incrivelmente engraçado e eu precisei me segurar muito para não rir em alguns momentos. A aula é ministrada em inglês e parece que não será tão fácil como eu imaginava. Vamos ler muitos textos dos principais autores irlandeses e fazer um paralelo com a história e a sociedade da Irlanda. O que eu notei de mais intrigante, porém, foi a turma. A quantidade de gente de sobretudo preto, cabelo pintado de preto, blusas de banda e sombra preta era enorme. E isso - exceto por alguns fatores - inclui o professor, cabeludo e em trajes escuros. Uma menina, inclusive, jogava Warcraft no meio da aula. Cheguei a desconfiar que estava em algum tipo de seita disfarçada de aula e me senti bem... colorida.

Terça-feira era a minha primeira aula em alemão, na Faculdade de Germanística. Gente, que frio na barriga. Tamanho era meu nervosismo, custei a achar o prédio e, dentro do prédio, a sala. E eu já tinha estado naquele prédio antes. E, quando encontrei a sala, não tinha certeza se era ali mesmo e fiquei com medo de que a qualquer momento eu me percebesse intrusa em uma aula de Biologia Molecular ou algo assim. Felizmente, porém, era mesmo a turma de Grundkurs: Sprachwissenschaft (o que equivale à Introdução aos Estudos Línguisticos no Brasil). O frio na barriga piorou na hora da chamada. Senti o coração palpitar forte e as mãos suarem. Ao chegar no meu nome, o professor parou, porque não conseguia pronunciar, e perguntou quem era. Levantei a mão timidamente e aí mesmo começou o interrogatório: por que tantos nomes? De onde você é? Por que você veio para a Alemanha? Você estuda o que no Brasil? Vai ficar até quando? Vai querer fazer a prova ao final do semestre? Por qual nome devo chamar a senhora (senhora!)? Eu, previsivelmente, fui ficando cada vez mais nervosa, sentia minhas bochechas queimando e fiquei com tanto calor que, no final do interrogatório, estava sem uma blusa de frio sequer. Enquanto isso, todo mundo olhava para mim como se eu fosse uma extraterrestre. Passada a chamada, a aula. Ai, que surpresa gostosa ver que já começamos pelas árvores sintáticas com as quais estou tão familiarizada! Era um dos meus assuntos preferidos no segundo período na UFMG. Isso foi, decerto, um alívio e eu respondi mentalmente as perguntas do professor e quase sempre estava certa. Mesmo que a estrutura da língua seja diferente, não foi tão difícil acompanhar.

O dia seguinte foi um pouco mais corrido. Acordei ainda mais cedo do que de costume, porque tinha hora marcada no Ausländerbehörde (Departamento de Estrangeiros) para prolongar meu visto. Para quem não sabe, brasileiros não precisam de visto para entrar na Alemanha a turismo, mas, se quiserem ficar aqui para estudar e trabalhar, precisam ir até esse departamento e fazer o requerimento. Era um pouco longe do centro e fui, acidentalmente, junto com o Sem e um marroquino gente boa cujo nome não me lembro. Pegamos um ônibus errado e ele quase perdeu a hora. Chegando lá, tudo bem tranquilo. Fui atendida pontualmente e, às onze e meia, estava de volta na universidade, onde fiquei até tarde. Consegui me sentar na bibiloteca por quase duas horas e fazer páginas a fio de exercícios sobre voz passiva, porque teria prova de gramática no dia seguinte. Depois do almoço, fui para a aula de Literatur des Sturm und Drang, mais uma vez morrendo de medo de ser o centro das atenções. Não deu outra. O professor me pulou na chamada e eu tive que falar. Ele, envergonhado, disse que tinha pulado por não saber pronunciar o nome e que procuraria ao final da aula saber quem era. Mais uma vez, precisei explicar a minha situação e todos ficaram me olhando com curiosidade. E o susto foi ainda maior quando ele recomeçou a fazer a chamada para que todos pudessem ESCOLHER como seriam avaliados ao final do semestre. Muito bem decididos, os germanistas falaram, um por um, se queriam trabalho de casa, prova, apresentação oral... E chegou a minha vez. Eu pedi para decidir depois, porque não fazia ideia do que era melhor para mim. Ao final da aula, o professor disse que para ele é suficiente que eu frequente as aulas e faça os deveres. Eu não vou ter nota se fizer isso, mas ele mesmo disse que a disciplina é pesada, até mesmo para os alemães. Vamos ver o que decido até o Natal. Vou ter que ler um romance do Goethe, Die Leiden des jungen Werther (Os sofrimentos do jovem Werther), duas peças do Schiller, Die Räuber (Os Bandoleiros) e Kabale und Liebe (Intriga e Amor), além de alguns poemas representativos para a época. Fora isso, os textos teóricos. Todos haviam lido o texto pedido para a aula e eu fiquei meio perdida. Os alunos participam de verdade e nunca existe espaço para o silêncio constrangedor de quem não sabe responder o que o professor quer saber. Por esse motivo, creio que as aulas sejam melhores que as nossas no Brasil.

Terminada a aula, voltei à biblioteca para tentar descobrir como fazia para tirar xerox dos textos. Aqui não tem uma gráfica supercompleta como na Letras da UFMG. E eu passei um pequeno aperto até que descobrisse isso. Os professores têm pastas, que ficam na entrada da biblioteca. Você vai até lá, pega a pasta, deixa sua carteirinha e ruma até a máquina de xerox, onde você tira SOZINHO as suas cópias, com um cartão previamente comprado. Eu não tinha o cartão nem a menor ideia de como funcionava uma máquina daquelas. Quando finalmente consegui adquirir o cartão, voltei à máquina e tentei. Tentei de novo. Depois de descobrir que tudo que eu precisava fazer era apertar um simples botão, errei algumas vezes e tirei aproximadas cinco cópias inúteis, com uma mancha preta enorme. Consegui, ao fim, cópias razoáveis, mas sem o primeiro centímetro da margem esquerda das páginas.

Ontem à tarde, depois de já ter feito a prova de gramática, tive a primeira aula de Pilates. Eu tinha me esquecido de que seria esporte em alemão. Chegando na sala, a mulherada tagarelava - em alemão - como em qualquer academia e a professora nos contou um pouco sobre a história e os princípios do Pilates. Engraçado foi quando todas estavam concentradas nos exercícios, de olhos fechados, e eu olhando para todo mundo para copiar as posições, já que não entendia muito bem o que a professora dizia. Até isso vai ser um desafio. Saindo do Pilates, encontrei a Lud e a Claudinéia no Mensa para irmos buscar a herança que o outro mineiro que morava aqui nos deixou. Voltei para casa com algumas vasilhas, um cobertorzinho e alguns temperos.

À noite fomos eu, Lud, Jackson e Ian para a universidade para assistirmos à sessão de cinema do centro de apoio aos estrangeiros daqui. Cidade de Deus, com áudio em português e legendas em alemão. Preciso confessar que ainda não havia assistido e que fiquei verdadeiramente chocada. Cheguei a sentir enjoo, quase chorei e fiquei envergonhada pelo Brasil. Voltei para casa meio abalada, mas tentando pensar no fim de semana que chegava.

Bom, fico por aqui. O post de hoje foi só para registrar a sensação até então desconhecida de ser caloura na universidade. Só me lembro de ter me sentido novata na escola, lá na 3ª série, quando estourei acidentalmente uma garrafa d'água em plena sala de aula no meu primeiro dia no Santa Marcelina e todos riram. Não sei como, na UFMG sempre soube como agir desde o princípio e não me lembro de ter passado por situações em que tenha ficado perdida como fiquei aqui. Não tem trote, mas sou oficialmente uma caloura da Universität des Saarlandes.

6 comentários:

  1. que frio enorme na barriga que eu senti por você!
    fiquei com medinho da viagem agora... :/
    beijo

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  2. Eu lembro de quando você estourou a garrafa de água na sala... hihi ;D
    bEijO

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  3. "Os alunos participam de verdade e nunca existe espaço para o silêncio constrangedor de quem não sabe responder o que o professor quer saber. Por esse motivo, creio que as aulas sejam melhores que as nossas no Brasil."

    Joh, pq você acha que eles se esforçam mais? Qual a motivação deles?

    bjos Thales =]

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  4. Pausa na leitura do post pra dizer: Puta que pariu, filha! Como vc gosta dessa porcaria de árvore sintática! Jesus!
    hahah!

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  5. "creio que as aulas sejam melhores que as nossas no Brasil."

    "suspeitei desde o princípio!" hahaha

    rapidinho você se acostuma com tudo, joh!! ser caloura FAZ PARTE! se vc não havia se sentido assim na UFMG agora pode esperimentar essa fase... aproveite cada momento único!

    love,

    Camilla

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  6. Achei o máximo você ter aula de Literatura Irlandesa! Muito bacana!
    Quando retornar à BH, por favor, me passa um pouquinho de cultura?
    :D
    Beijos, Joh.
    Tudo de melhor aí!
    Bárbara (do Santa)

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