quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Gymnasium am Rotenbühl e a casa da mãe Joana.

Como já tinha contado para vocês aqui, fui convidada por uma professora de história e inglês que trabalha em um colégio aqui perto para participar de uma feira de conhecimentos. O tema é a América Latina e queriam que eu falasse, para as crianças da sétima série, sobre a infância no Brasil. Mesmo morrendo de medo de ser julgada pelo meu alemão medíocre, já que crianças não hesitam em falar a verdade, aceitei o desafio e pensei que seria uma oportunidade única. Era a minha chance de vivenciar uma situação real de uso da língua que não fosse chata como o banco ou a padaria. Mesmo que a professora tenha falado que eu não precisava preparar nada, que bastava eu aparecer, tentei esboçar algum texto, praticar em frente ao espelho e coletar algumas informações interessantes, para que eu não passasse pelo constrangimento de não ter o que falar. O tema era, porém, amplo demais: infância. Como eu podia ser egoísta a ponto de falar sobre a minha própria infância, enquanto ela certamente não representava a maioria dos brasileiros? Pesquisei um pouco e pensei na melhor forma de falar sobre a miséria, as favelas, as crianças de rua, o tráfico de drogas e o trabalho infantil. Por um lado, temia que isso pudesse impressionar e traumatizar os alemãezinhos. Por outro lado, tinha certeza de que eles deviam saber da verdade. Plano feito, então: começaria falando dos pontos negativos e depois explicaria que eu tinha sorte, que meu destino tinha sido diferente e que eu tinha curtido a minha infância como muitas crianças não podem no nosso país.

Pois bem. Acordei ontem com um friozinho gostoso na barriga. O sol brilhava forte no céu azul e o clima estava super agradável. Vesti a camisa da seleção brasileira que a Taiga me deu e fui para a Universidade encontrar o Jackson e a Anne, a professora. Chegando na escola, uma surpresa. O Gymnasium am Rotenbühl é enorme e imponente. As crianças passeavam livremente, inclusive do lado de fora da escola, sem uniforme. Era a hora do intervalo e elas usufruíam do direito de ir e vir, sem precisarem se preocupar com algum bandido cercando a escola para assaltos ou sequestros-relâmpago. Já estava aí a primeira diferença que eu podia relatar a eles.

Entrando na sala de aula, foi um pequeno sacrifício reunir as crianças em um círculo para darmos início. Criança é criança em qualquer lugar do mundo e eles pareciam uns capetinhas correndo pela sala. Quando a professora finalmente conseguiu acalmar os ânimos dos alunos, eu e Jackson nos apresentamos e eu disse que eles podiam perguntar qualquer coisa. Um menino levantou a mão e disse: "antes de perguntar, eu queria dizer que você fala alemão muito bem" e eu morri do coração. Foi lindo. Depois seguiram-se várias perguntas, desde as mais bobas "você tem animais de estimação?", passando pelas mais sem noção: "é verdade que as crianças atiram nos cachorros no meio da rua?", "você já foi picada por uma cobra?" ou "você já viu alguém ser assassinado?", até as mais interessantes, que envolviam curiosidade sobre a vida das crianças de rua e sobre as últimas eleições presidenciais. Ficamos cerca de uma hora e meia conversando e foi super agradável. Eles me convidaram para voltar no dia seguinte para ver os cartazes prontos e o resto da feira.





Crianças me fazem um bem danado! Senti muitas saudades dos meus alunos. Saí de lá saltitante e de bem com a vida. O dia continuava lindo e ensolarado, e o ar fresco da floresta me acompanhou até em casa. Fiz salada de batata com maionese, pimentões e azeitonas, fritei um filé de peito de frango e esquentei o arroz. Delícia. Depois, dormi a tarde inteira, pensando na beleza da manhã daquele dia. Acordei meio molenga e com preguiça, ignorei o telefone e a campainha algumas vezes. Fiquei pensando que eu era uma pessoa horrível por fazer isso, mas foi melhor assim. À noite saí para beber um vinho e conversar.

Hoje acordei cedo e não quis ir para a aula de produção de texto. Fiquei enrolando na cama, assisti ao primeiro episódio da segunda temporada de Pushing Daisies e fui encontrar com a Ludmilla no Mensa. Ela também estuda na UFMG e chegou aqui semana passada. Ficamos algumas longas horas conversando, o que foi super animador. Depois, voltei para casa, me arrumei e fui de novo ao Gymnasium am Rotenbühl. São só cinco minutos de uma caminhada agradável até lá. A escola estava fervilhando de familiares e amigos dos alunos e me lembrou um pouco das nossas próprias feiras de ciência. Logo na entrada, uma apresentação de dança. Tá, uma gracinha, mas alemães não têm o nosso molejo e as danças foram todas bem automáticas. Tudo foi ficando mais interessante à medida em que eu ia adentrando as salas de aula. Filmes em stop-motion produzidos pelos alunos, campanhas contra a AIDS, fundos de apoio aos índios guaranis, projetos de preservação da Amazônia, moinhos de vento e mini-máquinas movidas à energia solar. Visitei com cuidados os estandes e percebi que as crianças são muito mais engajadas aqui. Todas elas têm algum envolvimento real com o que estudam ou trabalham. Isso é muito admirável.


Depois de visitar quase todas as salas, comprei um café (gente, café alemão é MUITO ruim) e fiquei observando uma apresentação de percussão. Fantástica! O professor tem um ânimo invejável e os meninos tocaram até a música da Shakira da copa do mundo. Eu quis muito rir, mas fiquei só no sorriso mesmo. Coloco aqui um vídeo para vocês verem.


E, por último, anuncio que agora sou a mãe Joana e esta é a minha casa. Abri a janela e, de lá, saíram milhões de joaninhas. Não sei bem o porquê de elas terem escolhido o peitoral da minha janela para se reproduzirem e nem sei o que fazer com elas. Acho que vou esperar que elas voem de volta para a floresta, porque não vou ter coragem de matá-las nem de espantá-las. Elas são tão bonitinhas! Tem de toda cor, com ou sem bolinha, grande e pequena. Dizem que joaninha dá sorte. Eu devia jogar na mega-sena e ver no que dá.

9 comentários:

  1. Hoje, na faculdade, rolou uma conversa sobre como o pessoal de fora vê o Brasil atualmente. Deve ser interessante poder falar para eles as nossas verdades.

    E ah, nunca vi tanta joaninha na vida!

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  2. Fantásticas as perguntas das crianças!! Muito legal, djó! Pena que é só uma escola, se todas fossem assim seria lindo hehehe Fiquei curiosa em saber o que eles puseram naquele cartaz da entrevista! :)
    Amei as joaninhas tb, não mate elas! Põe folhinhas aí pra elas comerem!!

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  3. Concordo com a Marina... cê nao colocou sua resposta toda, fiquei curiosa, comecei a ler (e entender) e nao tinha o final! SOOORTE! gente, cê pediu uma mudança na maré, duvidei que imaginou tamanha mudança cheia de joaninhas... [agora cê acredita que seu alemão é bom?]

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  4. Ei, Audrey!!!

    Que bom ter notícias suas!!!! Seus alunos também estão com saudades.

    Coloquei o endereço do seu blog na sala dos professores e muitos comemoraram: "A Audrey! Que bom!"

    Amei as joaninhas e fiquei triste ao saber que o café alemão não é muito bom. Pelo menos você tem as melhores batatas (rsrsrsrs...).

    Sua mãe me contou do nível que você alcançou na prova de alemão. Outstanding, as always!

    Continue aproveitando a Alemanha ao máximo e mandando notícias.

    Abraços cheios de saudade,

    Cris

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  5. Adorei a aula, adorei a sua alegria com a gurizada chucrute!
    Não chegou a me dizer, acho, que o filé ficara bom!
    Dá-lhe!
    Cozinha e tudo, hahahah!
    Aproveita aí, fiota!

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  6. joaninhaaaaaaaas!!! :D elas foram te visitar porque você é uma autêntica ladybug! saudades!

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  7. Oi querida, muito bacana a sua experiencia no colegio alemão. Joaninhas além de serem lindas trazem sorte mesmo, vc é afortunada por ter tantas em sua janela, cuide delas e de vc também, beijim

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  8. Ainda em tempo!

    Casa das Joh-aninhas....!!
    Bjo
    Papai

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