segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Alarme de incêndio e Luxemburgo.

Sabe aquele tipo de pergunta como: "o que você levaria para uma ilha deserta?" ou "o que você salvaria em caso de incêndio?". Então. Acabei de ter a oportunidade de colocar em prática uma das reflexões - e não foi a da ilha deserta. Estava no chuveiro, esperando a água esquentar para eu finalmente tomar um banho, quando escutei um barulho estridente vindo do corredor. Era o alarme de incêndio. Rapidamente, vesti uma roupa e mantive a calma, assim como a gente vê nos filmes. Sem pânico, desci as escadas. Ok, talvez correndo um pouquinho, com um medo subconsciente de que pudesse ser verdade. No percurso até o pátio do prédio, pensei se deveria voltar e pegar meu computador, meus livros e minha câmera. Olha que bobagem! Eis que, no meio da escada, chegando no 2º andar, encontro o Ye, meu amigo chinês engraçado. Ele estava super nervoso, misturando inglês e alemão, tentando me explicar que tudo tinha sido culpa dele. Ele estava começando a cozinhar uma aparentemente deliciosa sopa típica chinesa quando a fumaça subiu e disparou o alarme. Não havia incêndio, meu quarto ficaria bem. Mas ele não. Coitado, gente! Ele pediu desculpas pra todo mundo que havia descido para o pátio e ficou super sem graça, sem saber como reagir. Eu o levei até o quarto, abri as janelas para o ar circular e fiquei lá, contando histórias bobas para ele se acalmar e se distrair. Quando ele começou a falar sobre política e tradições chinesas, senti que ele estava bem e eu podia ir embora. E só agora, duas horas depois, consegui tomar meu banho e me sentar para contar sobre o fim de semana, que foi fantástico.

A noite de sexta-feira foi uma confusão. Eu estava empolgada, querendo saber como era o Oktoberfest da minha própria cidade. Já sabia que não seria grandes coisas, mas talvez pudesse finalmente provar o Glühwein. Me arrumei e combinei com o Styben de nos encontrarmos no pátio do prédio para irmos juntos. Ele disse que sabia o caminho. Não preciso nem dizer que pegamos o Bahn na direção contrária e levamos séculos para chegar lá. No caminho, encontramos o Ioan e ele foi com a gente. Graças à informação de uma indiana completamente bêbada, chegamos ao Saarterrasse. o local da festa. No ponto de ônibus mais próximo, prontos para voltar para casa (ou para a boate), estavam todos os nossos amigos, nos quais nós supostamente tínhamos dado o bolo. Entre eles, estava o Ian, que não queria ir para a boate com os outros e voltou para o Oktoberfest com a gente. Fomos nós quatro rumo à festa, que já chegava ao fim. Não tinha Glühwein. Bebi uma taça de vinho tinto. Comi um crepe com chocolate. Pronto! A festa acabou e fomos de lá para um bar belga no centro da cidade. Lá provei a única cerveja realmente gostosa que já bebi e tomei uma sopa de cebola com queijo deliciosa. Apesar dos pesares, foi uma noite muito agradável, com pessoas muito bacanas.

Sábado acordei animada com o convite do Matt e da Michelle: passear pela parte antiga de Saarbrücken. Eu já conhecia, mas não me importava de rever o castelo (que nada tem a ver com os castelos europeus), seu jardim abandonado e a bela vista para o rio. Durante a caminhada, vivenciei o outono. Ar fresco e árvores multicoloridas cujas folhas cobriam as ruas. Acho que é essa a minha estação do ano preferida, apesar de não ter vivido as outras por aqui. Depois de vermos os pontos turísticos e de andarmos bastante, fomos almoçar no "Tomate", um restaurante charmosinho que fica perto do castelo. Comi meu primeiro ratatouille e, também pela primeira vez, créme brûlée. Era meu sonho quebrar a casquinha de caramelo, como faz a Amélie Poulain. Foi lindo e eu senti calorzinho no coração. Andando de volta para a Johanneskirche, saltitei (daquele jeito que vocês sabem) muito, sorri de orelha a orelha e cantei. Na igreja, ouvimos um recital de órgão de peças do Bach e eu me lembrei da Lu e do Paulo Mattos. Sem parar. Por eles, fechei os olhos e absorvi a música que ecoava.

Mal dormi da noite de sábado para domingo, tamanha excitação e ansiedade para que o dia amanhecesse logo. Era dia de finalmente conhecer a capital do país mais próximo a Saarbrücken: Luxemburgo. De lá, só sabia que era o único grão-ducado ainda existente, um dos menores países da europa e o mais rico do mundo. Esses três fatores eram suficientes para fazê-lo único. Segui para a estação de trem para encontrar o Ian e estava mais de meia hora adiantada. Enquanto esperava, observei uma estranha movimentação. Por alguns instantes, havia me esquecido que era o feriado nacional da Alemanha: o dia da reunificação. Em comemoração, as passagens para qualquer lugar da Alemanha custavam apenas 20 euros. Berlim logo me veio à mente, mas era longe demais para ir e voltar em um dia. Não valia a pena (ou assim pensei no momento. Agora descobri que eu podia ter comprado a passagem domingo e usado até o fim do mês. Maldito seja o mal-entendido linguístico). Compramos, então, a passagem de ônibus para o grão-ducado e, em uma hora e quinze minutos, estávamos lá.

Eu estava morrendo de fome e talvez por isso a primeira impressão do lugar não tenha sido tão boa. A estação de trem era suja, cheia de bêbados pedintes. Não exatamente o que eu esperava de um país tão rico. Depois de rodar a cidade toda meio cega, procurando algo para comer e ignorando a vida além do meu umbigo, achei um Subway e foi ali mesmo que eu fiquei. O Ian e eu não conseguíamos entender uma palavra do alemão do atendente, mas no final das contas eu comi exatamente o que tinha em mente, então a comunicação foi eficaz. O engraçado por lá é que eles têm três línguas oficiais: alemão, francês e luxemburguês. As inscrições nos prédios são, em sua maioria, em luxemburguês e os cardápios e placas em francês, mas as pessoas falam mais frequentemente alemão. Vocês podem imaginar a confusão mental que é isso, né? Quando eu estava com a cabeça preparada para pedir meu almoço em francês, vem o atendente com aquele alemão esquisito. Tudo, porém, melhorou depois de comer. Consegui enxergar a cidade ao meu redor. Era de enlouquecer qualquer um. O sol brilhava, o céu estava absurdamente azul e o clima ameno. Tento escrever minhas impressões a respeito, apesar da certeza da falha.

Luxemburgo é pequena e se divide entre a chamada "cidade alta" e "cidade baixa". A primeira fica sobre as colinas que circundam a segunda e é o pólo industrial e comercial. Lá são visíveis prédios enormes e luxuosos, com fachadas de vidro que refletiam os brilhantes raios de sol. O que me interessou mais, porém, estava mais embaixo. A "cidade baixa" fica, literalmente, em um buraco. Cravada na montanha que envolve a cidade histórica, está a fortaleza antiga. Ela foi construída pelos romanos e, aos poucos, fortalecida e elevada pelos diversos povos que lá habitaram. Atualmente, a muralha contorna tudo e empresta à "cidade baixa" uma deliciosa atmosfera medieval. Quando me debrucei sobre uma ponte altíssima sobre o Rio Mosel, pude ver um mar de telhadinhos pretos que compunham o vilarejo. Pareciam casinhas de boneca. Em uma parte do vale, pode-se ver a floresta e o parque. Quis descer para ver de perto. Mais uma vez, o outono. As árvores ainda estavam, em sua maioria, verdes, mas o chão já estava coberto de folhas coloridas. Algumas crianças brincavam na beira do riachinho, enquanto outras andavam de bicicleta. O ar do parque era fresco e eu senti todas as preocupações se esvairem. Experimentei uma momentânea paz de espírito que não pensava existir. Fechei os olhos pela segunda vez no fim de semana para ouvir os sons do ambiente, conforme me recomendou o magrelo. Ainda na "cidade baixa", visitamos um mercadinho de arte na praça, onde um velhinho sorridente tocava o realejo. Quatro horas de muita caminhada depois, já exaustos, voltamos para a estação e pegamos o ônibus de volta para casa. Passei na padaria da estação, comprei uma trança folhada de mel e amêndoas e pensei que a felicidade se encontrava naquele pão, depois de viver um dia tão lindo.

Hoje? Acordei com o humor ótimo e a culpa é toda de Luxemburgo. As pessoas de lá têm muita sorte. Enquanto o Brasil sofria (e como sofria!) o processo eleitoral, eu estava em um país onde as coisas funcionam e tudo é bonito. Apesar da saudade dos meus amores brasileiros, que é tão intensa a ponto de me roubar o ar, a vontade foi de ficar ali pra sempre, ensinando português para os alunos da comunidade portuguesa. Ouvindo o realejo e o sussurro das árvores. Para sempre, se eu tivesse comigo o meu amor.











8 comentários:

  1. Eh Joh linda!

    Amelie Poulain se orgulharia se lesse o que vc escreve...!
    Concordo com o Outono e seus dizeres silenciosos que nos remetem ao nosso in-terior..
    Curti com vc seus momentos, sua vivência.
    Amocê por isso tudo, continue aproveitando sua experiência!

    Bjão do seu Pai Poulan...do de alegria!

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  2. Boneca, vc é delicada demais para escrever!!!Que poesia, e como transmitiu a paz em suas palavras!
    Felicidade é realmente um momento bem vivido!
    Desejo que tenha outros vários... te amo! Mamãe

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  3. Sorte do china ter vc por perto!!! Mamãe

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  4. Que lindo. Mesmo. Estou aguardando ansiosamente pra poder participar ativamente da vida aí. E como parece ter muita vida. te amo!

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  5. Fiquei muito feliz de você ter lembrado de mim!
    Ainda mais de um jeito tão gostoso :)
    Fico feliz que finalmente você tá conseguindo driblar a saudade e aproveitar os pequenos momentos de grande felicidade.

    Aproveita tudo Joh, você merece!

    :**

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  6. E como sofremos!
    Procure por mais calorzinhos no coração. São impagáveis.

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  7. dei uma repassada aqui pra lembrar e vi que esqueci de comentar na época o quão lindas ficaram suas fotos!! beijãooo!

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