quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Os magiares de Budapeste.

Paris é amor. Budapeste é sexo. Foi essa a conclusão a que cheguei depois de muito perturbar a minha mente com uma decisão completamente desnecessária sobre qual cidade teria me encantado mais. Elas são complementares. Então me encontrei no direito de não escolher e de simplesmente amar as duas. E ainda vem Praga pelo caminho!

Uma aventura. A maior de todas até agora. Dinheiro diferente, língua estranha. Pela primeira vez, o destino escolhido era exótico a ponto de eu me sentir analfabeta. Depois de muitos tutoriais no youtube e da ajuda do vizinho húngaro para aprender pelo menos um "obrigada", fomos eu e a Tai em uma viagem que durou nada menos que 19 horas: duas de trem, dezessete de ônibus. Alguns sonhos estranhos e posições desconfortáveis depois, acordei em terras magiares. A primeira paisagem que meus olhos embaçados me possibilitaram enxergar foi um campo imenso, com uma árvore de galhos já secos bem ao fundo, enquanto o sol nascia. Ainda não era Budapeste, mas já era a Hungria (ou a Hungária, como eu fiz questão de errar durante toda a viagem). E eram, de fato, magi-ares. Paramos pouco tempo depois em um restaurante na beira de estrada e o estranhamento foi imediato. Deu vontade de comprar revistas e DVDs só para nunca me esquecer daquela língua.

Pouco tempo depois desembarcamos no nosso destino: a rodoviária de Budapeste. Descemos do ônibus sem rumo, sem entender uma placa. Conseguimos, por fim, nos comunicar para descobrir onde era o metrô e, repetindo cuidadosamente as frases inscritas no papelzinho rascunhado pelo Tibor, meu amigo húngaro, compramos os tickets no guichê. Todo mundo achava muito engraçada a nossa tentativa de falar a língua local - mas nem adiantava tentar apelar para o inglês, porque eram poucos os que falavam.

Chegando no hostel, uma surpresa fantástica! Era, definitivamente, o melhor hostel da cidade. A decoração da cozinha e da sala de estar era peculiar: o trombone era, na verdade, uma luminária e, ao lado dele, uma mesinha de bar com duas cadeiras e um chapéu - dependurados na parede, assim como a torradeira. É difícil descrever, mas talvez uma foto se ocupe do trabalho. O quarto, que custou uma pechincha, era só para nós duas e tinha uma decoração deliciosa, assim como os banheiros, que tinham aquários iluminados. Desde o começo soube que Budapeste seria o meu spa, em meio a tanto estresse. Depois de um cochilo e um banho revigorante olhando os peixinhos, colocamos o nariz para fora do hostel e descobrimos que o prazer dos dias vindouros seria simplesmente andar pela cidade, respirando aqueles ares, olhando o céu azul e curtindo o vento que vinha do Danúbio. A atmosfera pacífica da cidade se choca com o ar de seus habitantes. Chegamos juntas à conclusão de que todas as pessoas de lá são incrivelmente sensuais. No olhar, no jeito de andar, de vestir, de falar.

A poucos metros do hostel, pudemos ver o Great Market Hall (ou, para os mais belorizontinos, o Mercado Central). Ele é famoso pela venda de especiarias e comida, assim, bem parecido com o nosso. Resolvemos entrar para irmos à caça do almoço na cidade da gastronomia do leste europeu. Lá, MUITA pimenta. Todas vermelhas, lisas, viçosas e vistosas. Dependuradas nos estandes, expostas nas bancas. Era de arder o olho e dar água na boca. Só consegui pensar no meu pai, que estaria no paraíso em um lugar assim. Demos uma volta entre legumes, frutas e verduras frescos, vimos artesanato húngaro e finalmente tivemos uma refeição decente em um restaurantezinho lá dentro. De lá, saímos e subimos a Gellert Hill, o ponto mais alto de Budapeste. Era uma colina com um parque que abriga a Estátua da Liberdade (que realmente inspira liberdade) e de onde se tem uma vista linda de Buda e de Peste, antes separadas pelo Danúbio e agora unidas por pontes de tirar o fôlego. Lá em cima, fomos a um Bunker de guerra, onde havia estátuas de cera de soldados e prisioneiros. Vimos também a Citadela, com suas fortalezas e canhões. Estávamos exaustas e, quando o sol começou a ir embora, descemos a colina. E, assim, pude avaliar com meus próprios olhos o que o narrador de "Budapeste", do Chico, atestou logo nas primeiras páginas do livro:
"O Danúbio, pensei, era o Danúbio mas não era azul, era amarelo, a cidade toda era amarela, os telhados, o asfalto, os parques, engraçado isso, uma cidade amarela, eu pensava que Budapeste fosse cinzenta, mas Budapeste era amarela."
Eu discordo, Chico. Budapeste não é amarela. Não durante o dia. Durante o dia ela é azul, um tanto sóbria, em cores frias. Mas à noite não! À noite ela se transforma e adquire as cores do humor das pessoas. Acho que a vi amarela uma noite. Talvez estivesse sentindo o mesmo que o escritor fantasma que protagoniza o livro: uma escritora. Um fantasma. Apaixonada pela língua da Hungria.

À noite fomos convidadas pelas recepcionistas fofas e simpáticas do hostel para jantarmos por lá. Cozinhamos paprikás krumpli, prato típico constituído de linguiça, batata e cebola ensopados, e bebemos vinho branco húngaro. Cortesia do hostel. Novos amigos. Fui dormir tranquila, de barriga cheia, aliviada por ter valido a pena de viajar 19 horas para chegar ali.

No dia seguinte, andamos pela beira do Danúbio, curtindo o céu azul e o ventinho (frio), atravessamos mais uma ponte linda e subimos de bondinho até o Castelo de Buda. Ninguém nos contou, porém, que não era simplesmente um castelo, mas uma cidadezinha toda à parte. Passeamos por lá e encontramos uma feirinha de artesanato repleta de matrioscas e mais pimenta. Para descongelarmos, entramos em um café e tomamos um cappuccino. Antes de procurarmos o castelo, entramos na Igreja de São Mathias. Quem diz que todas as igrejas na Europa são iguais precisa conhecer essa. É completamente colorida. Linda. Passamos por fora do Castelo e desistimos de entrar quando descobrimos que dentro dele havia vários museus e não tínhamos o tempo que eles demandavam. De lá, fomos à caça do labirinto subterrâneo do Castelo. Úmido, escuro e cheio de truques engraçadinhos. fósseis de uma garrafa imensa de Coca-Cola, de microfones, rádios. Pegadas de tênis datadas de séculos antes de Cristo. No fim, uma sala de vídeo: o diabo e um anjo falando em húngaro. É, Chico. Aí você teve razão. Húngaro é mesmo a única língua que o diabo respeita.

Procuramos, então o ônibus para sair de Buda. Paramos um, tentamos nos comunicar em inglês com o motorista. "Én nem beszélek angolul". É. Ele não falava inglês. Ao invés de nos ignorar e desistir, ele desligou o ônibus e DESCEU para nos demonstrar, falando húngaro com mímicas, onde era o ponto certo. Uma gracinha! Pegamos o 16-direção-Peste e fomos jantar em um restaurante que o Tíbor havia recomendado. Pratos deliciosos, preço baixíssimo. Paraíso gastronômico. Nos distraímos com o horário e, quando nos demos conta, tínhamos menos de uma hora para voltar ao hostel, pegar os biquinis e correr para o Széchenyi, um SPA de águas termais. As portas se fechavam às 18h. Chegamos às 18h10 e nos deixaram entrar.

Ainda bem. A mera visualização do vapor das piscinas térmicas já me fizeram relaxar. Trocamos de roupa e saímos dos 0ºC direto para a piscina de 34ºC. Ahhhh... É indescritível. É mesmo o paraíso. Ficamos lá até amolecermos, tomamos um suco de laranja e voltamos para o hostel. Tempo suficiente para um banho rápido, para sairmos com a Zsófia, que trabalhava no hostel, e alguns amigos dela. Conhecemos alguns bares, mas optamos por não prolongar a noite em boate, porque o dia havia sido exaustivo.

Domingo era o nosso último dia. Logo depois de acordar, fomos conferir o Parlamento, o maior edifício da Hungria e o segundo maior Parlamento da Europa. Infelizmente, não entramos, devido à falta de tempo. Depois, fomos à linda e curiosa Basílica de Santo Estêvão, que é casa da... mão mumificada de Santo Estêvão. Mórbido, não? Depois, almoçamos em um restaurante chique (um dos únicos abertos na cidade em pleno domingo) e eu quase morri com tanta pimenta. Assim que me recuperei, fomos à Sinagoga, conhecemos um pouco da história dos judeus na Hungria, visitamos o memorial e sentimos aquele pesinho no coração. Fomos nos distrair no Szimpla Kert, um café-bar delicioso. A decoração do local era fantástica: havia mesas na parede, um jardim caindo do teto (sim, estranho), salas com iluminações e pinturas diversas. Um chocolate quente, energia suficiente. Rumamos a um complexo arquitetônico curioso do outro lado da cidade. Era um museu, cuja fachada se assemelhava à de um castelo gótico-barroco-contemporâneo-russo-feijoada. Em resumo, cada parte foi construída com uma característica arquitetônica diferente. Esses húngaros... Não é à toa que eles inventaram o cubo mágico.

Por último, para fechar a viagem com cores lindas, um por-do-sol na Praça dos Heróis. O mais colorido e intenso possível, confirmando mais uma vez que Budapeste possuí mesmo ares mágicos. Ares esses que nunca mais saem da minha cabeça, nem que o diabo me peça. Nem se for em húngaro.

(Quem quiser ver fotos, clique aqui).

4 comentários:

  1. estava a ponto de trocar a russia pela hungria, quando terminei o texto, assustada: por pouco!
    uffa!

    barbicha

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  2. Gostei muito o modo simples e sensorial da descrisão do passeio "curtição" que voces tiveram. Senti-me muito saudoso da minha cidade de origem, breve irei visita-la tambem.
    Gyury

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  3. Ho Budapest! Vc tão bela, tão maltratada, tanta historia, tanta tribulação, tu es como uma madona inesquecivel, maravilhosa, alegre, fantastica, culta e madura mas jovem renovada por sua gente cosmopolita que recebe com braços abertos após o degelo das poucas palavras que tentamos em seu linguajar dificil de falar.

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  4. Uau! Esse terá de ser, definitivamente, meu próximo destino! :)

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